Medicina de precisão para câncer ainda é para poucos

Médica calcula que apenas 10% dos pacientes no Brasil são tratados com as novas técnicas e medicamentos

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São Paulo

A medicina de precisão —conjunto de técnicas para tratar os pacientes de forma personalizada— permite abordar o câncer a partir de sequenciamento genético, reduzir a mortalidade e alertar sobre a possibilidade de desenvolver a doença com anos de antecedência. Mas está longe de ser para todos.

“Não vai fazer diferença se o câncer nasceu no pâncreas, no pulmão ou na pele. A classificação será pelo tipo de mutação que se apresenta”, disse Rodrigo Munhoz, oncologista do Hospital Sírio Libanês, em um dos debates do seminário Medicina de Precisão contra o Câncer, realizado pela Folha na quinta-feira (29), no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

Assim, uma droga poderá ser usada para tratar um câncer de mama e um de pulmão, por exemplo, se as células sofreram alterações moleculares similares.

Jorge Alberto Bernstein Iriart (esq.), professor da UFBA, Kátia Ramos Moreira Leite, professora da USP, Luis Felipe Ribeiro Pinto, pesquisador do Inca, Rodrigo Munhoz, oncologista do Hospital Sírio-Libanês, e Claudia Collucci, repórter especial da Folha - Reinaldo Canato/Folhapress

As técnicas de precisão podem ser utilizadas na prevenção da doença. O indivíduo pode coletar dados sobre si mesmo, complementá-los com informações sobre seus hábitos e predisposições genéticas e, a partir disso, receber orientações sobre mudanças no seu estilo de vida —ou saber se tem grande probabilidade de desenvolver a doença.

“A oncologia de precisão não é uma hipótese. É o único caminho viável para tratar tumores com base nas suas causas”, disse Luís Felipe Ribeiro Pinto, bioquímico e ex-vice-diretor do Inca (Instituto Nacional de Câncer).

No entanto, não são poucos os entraves para oferecer esse tipo de tratamento em larga escala, especialmente no Brasil.

A primeira dificuldade é técnica: a falta de uniformidade nas alterações que acometem os tumores —e a frequência com que elas mudam— limita a atuação da medicação, que não se aplica a todos os tipos de câncer.

Há tumores com alta mortalidade, como os de pâncreas, que ainda não têm novos tratamentos baseados na medicina de precisão.

“Estamos falando de um conhecimento ainda em construção. Se o meu filho, que é pequeno, decidir ser médico, provavelmente ele vai dizer ‘que absurdo a forma como minha mãe tratava seus pacientes’”, afirmou Clarissa Baldotto, oncologista da rede D’Or.

Outro grande problema é o acesso: extremamente custosa, a oncologia de precisão está limitada, por enquanto, à faixa mais rica da população, especialmente a que reside em metrópoles e tem acesso a planos de saúde e hospitais de elite.

Baldotto calcula que menos de 10% dos pacientes oncológicos sejam tratados com medicina de precisão no Brasil.

Para Luís Felipe Pinto, trata-se de uma questão política. “Não damos a chance de pacientes do sistema público de saúde terem a mesma sobrevida que aqueles que podem pagar. Isso é um absurdo. É contra a Constituição”, afirmou. “Politicamente, o Brasil tem que sair dessa posição passiva, de simplesmente levantar barreiras, e vir para uma atuação propositiva.”

O pesquisador argumentou que a precariedade de tratamento prejudica a economia do país, ao aumentar o uso desnecessário de drogas e o tempo durante o qual o paciente não poderá trabalhar. “A gente continua gastando dinheiro, e mal.”

Biólogo molecular e pesquisador do Icesp, Bryan Eric Strauss prevê que tratamentos como a imunoterapia fiquem mais acessíveis conforme forem sendo testados em outros países. Ele citou o uso de vacinas para “acordar” o sistema imunológico do paciente. “Mesmo que sejam menos personalizadas, essa nova leva de vacinas vai conseguir tratar um maior número de pacientes com eficiência”, afirmou.

Segundo Baldotto, outro obstáculo a ser vencido pela medicina de precisão no Brasil é o sistema para liberar as medicações, que é muito complexo. Um bom exemplo seria o programa de uso compassivo, conduzido por laboratórios farmacêuticos com a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que permite o uso de medicamentos novos e promissores aprovados em outros países, mas ainda sem registro no Brasil.

 

“É impossível incorporar tudo para todos, mas não podemos fechar os olhos para o que está acontecendo. Ainda precisamos ser mais ágeis nessa incorporação”, afirmou.

O antropólogo Jorge Alberto Iriart, da Universidade Federal da Bahia, que vem entrevistando oncologistas para pesquisar o impacto desses novos tratamentos na sociedade, confirmou a frustração sentida pelos médicos em não poderem oferecer tratamentos adequados no sistema público.

Iriart também notou a entrada no mercado de medicamentos de alto custo, mas baixo benefício. “Isso acontece no mundo todo, é um problema até para países desenvolvidos”, afirmou o pesquisador.
O seminário teve patrocínio do Hospital Sírio-Libanês.

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