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Jornalista David Carr narra encontros que só acontecem em Nova York

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Como vim para Nova York no ano 2000, ainda tenho um amor de imigrante pela cidade. Cresci numa cidade pequena no interior do país e sempre fiquei arrebatado pela escala das coisas aqui, suas ambições como que incorporadas pelos prédios gigantescos.

Uma história real: no segundo dia após ter me mudado para Nova York, eu estava andando de bicicleta na Broadway e bati de cara na cerca de uma construção porque não conseguia parar de reparar na altura dos prédios.

Por maior que seja, como cidade Nova York tem começo, meio e fim. Você nunca vai conseguir esgotar os seus encantos -há cinco distritos para explorar, afinal de contas-, mas pode passar alguns dias aqui e já começar a ter uma noção do lugar, ao contrário de certas cidades imensas do Brasil (estamos de olho em você, São Paulo).

Nova York pede para ser olhada, mas o que faz dela uma cidade tão notável não são tanto esses prédios gigantescos, e sim o que há na base deles. Essa é uma cidade para se explorar a pé, mas, agora que há um programa municipal de incentivo ao ciclismo, é
possível fazê-lo de bicicleta também (a faixa que sobe o Hudson no West Side é tranquilíssima. É plana como uma panqueca e passa por muitos bairros que fazem valer a pena pegar a bicicleta).

Há uma tendência de se enxergar as viagens a Nova York como uma versão da "via crucis". Na segunda-feira, vamos ver a Estátua da Liberdade; na terça, precisamos ficar na fila do Empire State; na quarta, vamos à Times Square etc., até que, por fim, as pessoas, exaustas, vão embora e voltam para casa.

Esqueça isso tudo. Sim, você pode acordar com o nascer do sol e ir ver a Estátua da Liberdade. Mas por que não aproveitar a manhã para tomar um café da manhã sem pressa na Maialino e depois pegar a balsa para a Staten Island, que passa do lado da estátua, completamente de graça?

Sim, se você pagar por um dos tours de barco em Nova York, poderá passar por baixo da ponte do Brooklyn. Mas por que não atravessar a pé a ponte e terminar a caminhada com uma pizza no Grimaldi's, embaixo dela?

As pessoas vêm a Nova York em busca de novas experiências, não para cumprir uma listinha chinfrim de turismo. Aliás, falando em turismo, você devia programar o seu para ficar tempo o suficiente para andar no High Line, um parque suspenso extraordinário e a atração mais recente da cidade, que faz você se sentir um "voyeur", olhando para dentro dos quartos e becos de Nova York.

Também tiro o chapéu para outro ponto turístico, o Memorial e Museu Nacional do 11 de Setembro. O projeto teve sua origem em uma
tragédia humana e foi concebido entre polêmicas, mas os responsáveis por ele conseguiram juntar edifícios e experiências de modo a criar uma narrativa coerente sobre um evento que não faz nenhum sentido. Visitá-lo trará um desgaste emocional, por isso é
melhor não marcar nenhum grande evento social na sequência.

Outras sugestões? O bondinho da Roosevelt Island na hora do pôr do sol; o Museu de Arte Moderna (MoMA) na hora em que abre, às 10h30, antes de as multidões chegarem; Chinatown (a que fica no Queens, não a do sul da ilha); tomar um drinque nos banquinhos do The Ear Inn, o pub mais antigo da cidade, que só há algumas décadas passou a permitir a entrada de mulheres. Hoje, todos e todas são bem-vindos.

Em termos de experiências que só se pode ter em Nova York, tudo começa e termina com as pessoas que decidiram lutar até arranjarem um lugar para elas aqui. Não acredite quando lhe disserem que os nova-iorquinos são antipáticos. Eles ficam antipáticos se você tenta abordá-los quando estão caminhando ou no metrô. Mas, depois que sossegam, os nova-iorquinos amam conversar com gente do mundo todo. Senão, por que escolheriam morar aqui?

Quase qualquer restaurante em que valha a pena comer precisa de um tempo de espera, o que significa aproveitar para passar no bar e se divertir com todo o tipo de estranhos. Se você quer conhecer pessoas, visite os pubs e bares do Village, do Lower East Side e do Chelsea. As boates são legais, mas com a música alta vai ser difícil conseguir falar com alguém.

Um dia estava com um amigo que não parava de reclamar do quanto a cidade era suja (de fato) e cheia (sim, também) e me perguntou por que eu tolerava tudo isso. Respondi: "Nova York é uma cidade onde qualquer coisa pode acontecer". E ele disse: "É? como o quê?"

Luciano Schmitz
O jornalista e escritor David Carr
O jornalista e escritor David Carr

Era véspera do dia de St. Patrick, por isso não ia ter muita coisa rolando. Paramos no bar Bellevue, no Hell's Kitchen. Quando entramos, havia uma mulher apoiada no bar usando uma regata de oncinha. Ela estava com duas garrafas de bebida e preparava um coquetel na boca de um cliente que tinha inclinado a cabeça por cima do balcão.

Enquanto assistíamos à cena, entramos numa conversa com um advogado defensor dos direitos humanos que também era travesti. Ele nos apresentou ao seu amigo anão. O anão deu uma pausa na nossa conversa para ir tomar um drinque direto na boca também, e a mulher o serviu com muito vigor, enquanto urrava um grito de Tarzan direcionado para o teto.

Voltamos a conversar, enquanto o nosso pequeno amigo limpava o que tinha derramado de bebida no rosto, quando de repente a porta foi aberta com força e um bando de irlandeses usando smokings antiquados passou por ela. Eles estavam em algum jantar formal e pegaram um ônibus "double decker" (de dois andares) do evento para sair e tomar umas.

O lugar foi revirado pelos irlandeses, cada um deles ostentando uma juba prateada e gordura o suficiente no pescoço, acima das gravatinhas borboleta, para fazer um porco no rolete.

Um deles descobriu que meu amigo e eu éramos descendentes de irlandeses e me deu um tapa tão forte nas costas para comemorar que achei que minha cabeça fosse sair voando. Não consigo me lembrar de muito do que aconteceu depois disso.

Você não pode mais visitar Nova York e não ver o Brooklyn. É o lugar onde a cidade guarda a maior parte de sua energia atualmente, e alguns dos melhores restaurantes estão em Williamsburg e nos bairros ao redor. O Brooklyn Flea Market (mercado de pulgas) fica do
lado do rio e vale a visita também.

Não passe tempo demais no hotel em Nova York. Não é à toa que os quartos aqui são pequenos. Espera-se dos turistas que durmam pouco, saiam muito, depois apaguem quando voltarem ao quarto e repitam tudo de novo.

Mais do que tudo, esteja aberto para o aleatório. Não decida que você tem que ver uma certa peça na Broadway ou comer no restaurante do momento. Mantenha-se aberto à possibilidade de ver um espetáculo menor no centro ou comer na rua ou tomar uma cerveja no canal de Gowanus.

A Nova York que eu amo é a cidade em que as pessoas de fato moram, não a que se vê nos filmes.

DAVID CARR, 58, nascido em Minnesota, é colunista de mídia e cultura do "New York Times" e autor de "A Noite da Arma" (Record)

Tradução Adriano Scandolara

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