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Serafina

Após 30 anos, grupo Marzipan se reúne com bailarinos cinquentões

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O fêmur da coreógrafa e dançarina Michele Matalon, 54, está se desgastando aos poucos, em atrito com os ossos da bacia. O bailarino e produtor Cacá Ribeiro, 52, perdeu o semblante longilíneo da juventude. A bailarina e dentista Renata Melo, 58, hoje sente as articulações mais sensíveis.

Mesmo com essa coleção de quiproquós da maturidade, os sete integrantes do até então extinto grupo de dança Marzipan resolveram reviver os passos que deram no circuito underground paulistano nos anos 1980. Entre 1982 e 1989, sem muito respeito pelas regras dos estilos clássico e moderno, eles apresentavam coreografias em casas noturnas e pequenos teatros, com um repertório pop cheio de referências a videoclipes e HQs. Atraíram plateias jovens, de gente que entendia ou não do babado, mas gostava da farra.

Paulo Vainer
O grupo de dança Marzipan, destaque nos anos 1980, que se reuniu novamente
O grupo de dança Marzipan, destaque nos anos 1980, que se reuniu novamente

No início do mês, cinco dos sete integrantes do Marzipan se reuniram no bairro Higienópolis, no restaurante José, do qual Cacá é sócio, para discutir a volta do grupo. O novo espetáculo fará relações entre os corpos agora mais maduros e as memórias que trazem daquela época. Ainda sem título e em processo de criação, traz a promessa de colar coreografias antigas e novas.

Entre as criações recentes está, por exemplo, a peça "Dói Aqui", que brinca justamente com dores que surgem com o avanço da idade. Os ensaios da retomada já começaram, e a estreia do baile da saudade está programada para maio do ano que vem, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. O cenário será de Daniela Thomas e os figurinos de Alexandre Herchcovitch.

REDUTO PUNK

A história do Marzipan começou em 1982 no Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, onde a coreógrafa Renata Melo e a performer e bailarina Rose Akras, 55, faziam aulas de dança. As amigas ouviam o rock da banda britânica The Clash e frequentavam casas noturnas gays. O grupo estreou com elas e outras duas bailarinas convidadas no clube Carbono 14, reduto punk na Bela Vista, em um show chamado "Nunca Pare - É Sempre Tarde para Começar".

Naquela mesma noite de estreia, houve também apresentação da banda Titãs, ainda em início de carreira, além de muita troca de olhares na pista madrugada adentro. "Na época, a gente vestia jeans e camisetas rasgadas, mas não muito rasgadas. Preto, muito preto, as unhas sempre pintadas de preto", diz Rose.

Com o rodízio de dançarinos que eram convidados a participar de performances em outros inferninhos da capital, o grupo foi crescendo e deu origem ao núcleo de sete intérpretes fixos. Completaram o casting Lucia Melino, 56, hoje terapeuta corporal, o coreógrafo e bailarino Zeca Nunes, 56, e Hermes Barnabé, 68, engenheiro agrônomo. Ninguém faltou ao novo projeto.

Segundo Rose, o desejo de despojamento que marcou a estética da companhia contaminava os anos finais da ditadura. "O Marzipan surgiu com a volta da democracia. Havia uma euforia grande e uma vontade de olhar para a frente e não para trás. Éramos conscientes disso. A gente queria romper com uma maneira de pensar", diz.

"Uníamos artes visuais, moda e balé e nos empenhávamos em mostrar que a dança não precisava ser só baseada em técnica, poderia ter uma coisa mais colorida", diz Michele.

Os ensaios eram realizados em uma escola de dança na sobreloja de uma padaria, na Consolação, bairro central de São Paulo. "Lembro uma festa que demos no aniversário da escola. De repente, a rua Bela Cintra virou um mar de gente. Um caminhão da Coca-Cola chegou para abastecer a padaria e um grupo de pessoas começou a dançar em cima dele", diz Lucia.

Havia, nessa celebração, a vontade de ousar. "A gente fazia as coisas na raça. Hoje está tudo mais institucionalizado, é mais difícil sair da trilha."

Em peças como "Seis Histórias de Amor" (1983) e nas sessões de "Marzipan Apresenta", com coreografias curtas, passavam pelo palco gueixas, lutadores de boxe e outros tipos que aproximavam a dança do teatro.

Renata Melo recorda-se da precariedade com que a companhia trabalhava, de erros em cena que se tornavam piadas, das turnês para outras cidades e dos embarques caóticos em terminais de ônibus, com malas misturadas a peças de cenários e figurinos. "Uma vez, esquecemos uma mesa na rodoviária de São Paulo. Tivemos que improvisar durante a viagem com mesas emprestadas."

Uma das últimas apresentações do Marzipan foi no festival de dança Carlton Dance, em 1988. Paradoxalmente, um ponto alto dessa trajetória que chegava ao fim. O reconhecimento trouxe convites e oportunidades, mas o grupo se desfez "naturalmente" e partiu para
carreiras solos. Só que ainda faltava uma dança a ser dançada. Ou várias.

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