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Serafina

Empresário enfrenta fuzis e drones para importar café do Iêmen

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De Moca, no Iêmen, primeiro porto do mundo a comercializar grãos de café, no século 15, sai um lote destinado à degustação de paulistanos. A mercadoria viaja em um barco pequeno, sob bombardeio aéreo, e chega a Djibuti, na África, depois de cruzar o mar Vermelho. O lote está seguro, enfim, para seguir viagem até uma cafeteria na região da avenida Paulista.

O caminho certo foi descoberto por vias tortas pelo importador Mokhtar Alkhanshali, 27. Ao sair do casamento de um amigo na cidade iemenita de Áden, foi confundido com um rebelde insurgente da etnia houthi e sequestrado por uma milícia rival.

Enquanto estava preso, ouviu seus algozes comentando que muitos barcos estavam escapando de Moca rumo a Djibuti, no lado africano do golfo de Áden.

"Vivi dias de 'O Expresso da Meia- Noite'", conta, em referência ao filme de Alan Parker, de 1978, no qual um americano preso com drogas passa meses degradantes numa prisão turca. Mokhtar foi libertado e voltou aos EUA pela "rota de fuga" recém-aprendida.

Filho de iemenitas, o empresário nasceu em Liverpool, na Inglaterra, foi criado em Nova York e passou a adolescência entre os EUA e o Iêmen.

Já adulto, estabelecido em São Francisco, na Califórnia, encantou-se com o despertar de novas cafeterias, muitas delas com torrefação própria. "No Iêmen, o café sempre fez parte de nossas vidas, e percebi que poderia ser um embaixador dessa cultura", afirma.

EMBOSCADAS E EMPREITADAS

Mokhtar entrou no negócio há dois anos e meio, em Oakland (município a 20 km de São Francisco), influenciado pela Blue Bottle Coffee, uma das cafeterias pioneiras da nova geração.

Passou boa parte desse período garimpando pequenos cafeicultores nas aldeias do Iêmen em lugares remotos e, não raro, inacessíveis. Depois de conviver com emboscadas tribais, ataques de drones, malária e de perder muitos quilos subindo e descendo montanhas, conseguiu criar uma cadeia sustentável de fornecimento, dotada de rastreabilidade confiável e pagando aos produtores o dobro do que os sauditas desembolsam pelas sacas de café.

País mais pobre da península Arábica, o Iêmen é palco de uma guerra civil que envolve várias milícias, muitas delas patrocinadas por potências regionais como Irã e Arábia Saudita, e a rede terrorista Al Qaeda.

"Criei minha empresa para ser uma ponte entre as narrativas extremistas de ambos os lados, que nos impedem de construir um mundo mais justo. Sei que talvez o café não seja a melhor maneira de alcançar a paz, mas é a minha forma de iniciar uma conversa."

Recentemente, seus grãos começaram a aparecer em lojas de Nova York, Tóquio, Londres e Paris. Um de seus fãs é o francês Antoine Netien, pioneiro da "nouvelle vague" dos cafés parisienses e dono da cafeteria e torrefadora Coutume, com filiais em Tóquio e Osaka. "Os cafés dele impressionam pela doçura, complexidade e refinamento. Você sente que todo o processo foi cuidadosamente manipulado para atingir a excelência. Pela raridade e problemas enfrentados para tirar essas joias do Iêmen, o preço é alto e pode chegar a 200 euros o quilo dos grãos verdes."

XÍCARA, PRÊMIO E FILME

No Brasil, Felipe Croce, da FAF (Fazenda Ambiental Fortaleza) e proprietário da cafeteria paulistana Isso É Café, no Mirante 9 de Julho, conseguiu um pequeno lote de grãos iemenitas (aquele do início deste texto, que sobreviveu a bombardeios), servido a seus clientes no fim de 2015 por R$ 25 a xícara.

"Precisamos olhar para lugares onde há semelhança climática com o Brasil, como Etiópia e Iêmen, que produzem cafés de paladar extraordinário", diz o produtor, que exporta café especial brasileiro para 27 países.

No fim do ano passado, Mokhtar foi condecorado pela maior organização civil muçulmana dos EUA, o Cair (Conselho de Relações Islâmicas-Americanas, na sigla em inglês), com o Courage Award. O prêmio foi um reconhecimento ao que ele tem feito pela comunidade muçulmana, com a oferta de novas oportunidades a mulheres agricultoras e a defesa dos cidadãos americanos no Iêmen. Na cerimônia, funcionários do alto escalão do governo estavam presentes.

Um livro sobre sua vida, com publicação prevista para este ano, foi anunciado no site da editora britânica Penguin Books. O escritor é o americano Dave Eggers, autor de "O Círculo" (Companhia das Letras, 528 págs.), obra que virou filme –em fase de pós-produção– e será estrelada por Tom Hanks e Emma Watson. Agora é só esperar que algum produtor de Hollywood convide Mokhtar para um café.

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