Morre aos 86 a pioneira da computação e defensora dos direitos dos transexuais Lynn Conway

Ela fez grandes contribuições à IBM e foi demitida pelas convicções de que havia 'nascido no corpo errado'

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Trip Gabriel
Nova York | The New York Times

Morreu aos 86 anos a cientista de computação americana Lynn Conway, que se tornou símbolo da luta contra a transfobia. Conway foi demitida pela IBM na década de 1960, depois de contar aos gerentes que era transexual, apesar de suas significativas inovações tecnológicas. Após 52 anos, recebeu um raro pedido de desculpas formal da empresa,

Seu marido, Charles Rogers, disse que ela faleceu em um hospital devido a complicações de dois ataques cardíacos recentes.

Em 1968, após deixar a IBM, Conway foi uma das primeiras americanas a passar por cirurgia de redesignação sexual. Ela, porém, manteve isso em segredo, vivendo no que chamava de modo "furtivo" por 31 anos com medo de represálias na carreira e preocupação com sua segurança física.

Ela reconstruiu sua carreira do zero, eventualmente chegando ao lendário laboratório Xerox PARC, onde fez importantes contribuições em sua área. Depois que ela tornou pública sua transição em 1999, ela se tornou uma proeminente ativista transexual.

Conway, na foto de 2005, é uma mulher de cabelos loiros e lisos, com franja. Veste blusa florida.
Conway, em foto de 2006, era professora aposentada de ciência da computação na Universidade de Michigan - Divulgação/Universidade de Michigan

A IBM pediu desculpas a ela em 2020, em uma cerimônia à qual 1.200 funcionários assistiram virtualmente.

As inovações de Conway em sua área nem sempre foram reconhecidas, tanto por causa de seu passado oculto na IBM quanto porque projetar o interior de um computador é um trabalho pouco visível. Mas suas contribuições pavimentaram o caminho para computadores pessoais e celulares e fortaleceram a defesa nacional.

Em 2009, o Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos concedeu a Conway seu prêmio Computer Pioneer, citando suas "contribuições fundamentais" para o desenvolvimento de supercomputadores na IBM e sua criação, no Xerox PARC, de uma nova maneira de projetar chips de computador —"lançando assim uma revolução mundial".

Na Xerox nos anos 1970, Conway, enquanto trabalhava com Carver Mead do Instituto de Tecnologia da Califórnia, desenvolveu uma maneira de embalar milhões de circuitos em um microchip, um processo conhecido como design integrado em grande escala, ou VLSI.

Lynn Ann Conway nasceu em 2 de janeiro de 1938, em Mount Vernon, Nova York, filha de Rufus e Christine Savage. Seu pai era engenheiro químico da Texaco, e sua mãe lecionava no jardim de infância. O casal se divorciou quando Lynn, a mais velha de dois filhos, tinha 7 anos.

"Embora eu tenha nascido e crescido como menino", Conway escreveu em um longo relato pessoal de sua vida que começou a postar online em 2000, "durante toda a minha infância eu me sentia como —e desesperadamente queria ser— uma menina".

Seus talentos em matemática e ciências ficaram rapidamente aparentes. Aos 16 anos, ela construiu um telescópio refletor com uma lente de seis polegadas.

Como estudante no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) na década de 1950, ela tomou injeções de estrogênio e passou a se vestir como mulher fora do campus.

Mas as contradições de sua vida dupla causaram um estresse intenso; suas notas caíram, e ela abandonou o MIT.

Ela se matriculou na Universidade de Columbia em 1961 e depois obteve os diplomas de bacharel e mestre em engenharia elétrica.

A Conway foi oferecida uma posição no centro de pesquisa da IBM em Yorktown Heights, Nova York, onde foi designada para o projeto secreto Y, que estava projetando o supercomputador mais rápido do mundo. Quando os engenheiros se mudaram para Menlo Park, Califórnia, Conway se mudou para o que logo se tornaria o polo global de tecnologia conhecido como Vale do Silício.

Naquela época, ela estava casada com uma enfermeira, e o casal tinha duas filhas. "O casamento em si era uma ilusão", Conway escreveu. Ela não havia perdido a esmagadora convicção de que habitava o corpo errado, e em um ponto ela colocou uma pistola na cabeça em uma tentativa de acabar com sua vida.

Na metade da década de 1960, ela ouviu falar de procedimentos hormonais e cirúrgicos pioneiros que um punhado de médicos estava realizando. Ela contou à cônjuge sobre seu desejo de transição, o que acabou com o casamento. Foi proibida de ter contato com suas filhas por muitos anos pela mãe delas.

"Quando a IBM me demitiu, toda a minha família, parentes, amigos e muitos colegas, também, perderam a confiança em mim simultaneamente", Conway escreveu em seu site. "Eles ficaram envergonhados de serem vistos comigo e muito constrangidos com o que eu estava fazendo. Nenhum deles queria ter nada a ver comigo depois disso."

Procurando trabalho pós-transição, foi rejeitada para empregos assim que revelou seu histórico médico. Nem sentia que poderia mencionar seu histórico de trabalho na IBM. "Eu tive que começar praticamente do zero tecnicamente e me provar novamente", ela escreveu.

"A ideia de ser 'descoberta' e de alguma forma declarada 'ser um homem' era algo impensável e precisava ser evitado a todo custo", acrescentou. "Nos 30 anos seguintes, eu quase nunca falei sobre meu passado para ninguém além de amigos próximos e alguns amantes."

Finalmente encontrou trabalho como programadora contratada. Esse trabalho a levou a uma posição melhor na Memorex Corp., uma empresa de fitas de gravação, e, em 1973, a um emprego no novo Centro de Pesquisa de Palo Alto da Xerox, um polo de talentos e inovação que deu origem ao computador pessoal, à interface de usuário apontar e clicar e ao protocolo Ethernet.

A descoberta de Conway na concepção de chips de computador complexos com Mead foi codificada em seu livro de 1979, "Introdução aos Sistemas VLSI", que se tornou um manual padrão para gerações de estudantes de ciência da computação e engenheiros.

No final dos anos 1990, um pesquisador explorando o trabalho da IBM nos anos 60 encontrou as contribuições de Conway para o design de computadores, que haviam sido quase inteiramente não reconhecidas por causa da identidade passada que ela havia ocultado.

Na IBM, ela havia desenvolvido uma maneira de programar um computador para realizar várias operações ao mesmo tempo, reduzindo o tempo de processamento. Conhecida como escalonamento dinâmico de instruções, a tecnologia foi incorporada em muitos computadores super-rápidos.

Temendo que sua identidade fosse revelada pela pesquisa sobre a história da IBM, Conway decidiu contar a história ela mesma, em seu site e em entrevistas com o Los Angeles Times e a Scientific American.

Em 2002, ela se casou com Rogers, um engenheiro que ela conheceu em um passeio de canoa em Ann Arbor, Michigan. Além dele, ela deixa suas filhas, as quais, disse Rogers, estavam afastadas de Cownay, e seis netos.

Na aposentadoria, ela se tornou uma líder da comunidade transgênero. Ela enviava e conversava com muitos que estavam em transição, compartilhava informações sobre cirurgias de gênero e defendia a aceitação transgênero.

Ela também fez campanha contra psicoterapeutas que ativistas diziam buscar definir o transexualismo como uma patologia.

Em seu site, Conway refletiu sobre a crescente, embora imperfeita, aceitação de pessoas transgênero desde que ela escondeu sua transição.

"Felizmente, aqueles dias sombrios perderam espaço", ela escreveu. "Hoje em dia muitas dezenas de milhares de pessoas em transição não apenas seguiram em frente para vidas felizes e realizadoras, mas também são abertas e orgulhosas sobre suas conquistas de vida."

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