Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Vamos conversar sobre os livros para a infância?

Crédito: J.U. Campos/Reprodução Ilustração do livro "Reinações de Narizinho"
Ilustração do livro "Reinações de Narizinho", escrito por Monteiro Lobato

Atualmente podemos ler, assistir à TV, a filmes de ficção, a documentários e procurar na internet a vida inteira o inesgotável assunto que é a comida.

Tem livros para todos os gostos. Filosóficos, sociológicos, históricos, diários, de ficção, manuais de culinária. Um excesso de riqueza. Difícil de abarcar e de escolher.

E também não dá para passar a vida sem ler e, de repente, se enfiar até os cotovelos num Gilberto Freyre ou num Câmara Cascudo, em James Beard, Elizabeth David, Liebling etc.

Há que começar com a cartilha. Desconfio que o deslumbre com ela é que nos vai fazer gostar ou não de ler no futuro. Professores precisam cuidar para que esse primeiro encontro seja prazeroso. Dalila viu a ave, a ave é de Dalila.

Afinal Dalila é um nome exótico, há um pássaro e ela é dona dele, tudo isso em letras grandes, em negrito, aqueles símbolos desconhecidos, que mistério desvendado, que é a alegria de iniciados, de cúmplices, de amigos.

Casa Gato, no jornal, foi a primeira coisa que li sozinha. Estremeci inteira. Naquelas duas palavras reconheci a fachada escura, a porta de vidro, a mágica da infinidade de cores, as linhas finas de seda, os movimentos de mãos no crochê, as pequenas gavetas através das quais se enxergavam as meadas coloridas.

Não era possível que tudo aquilo coubesse em oito letras –Casa Gato! Uma explosão, uma granada lançada aos ares.

Dali para aqueles livros finos, grandes, que iam dos três porquinhos a uma galinha que fazia pão. O patinho feio que ficou bonito, a Branca de Neve engasgada, a Bela Adormecida também. Se repararem bem, já estávamos lendo sobre comida: a maçã vermelha, o pão da galinha, a chaminé da cozinha da casa de tijolos dos três bacorinhos soltando fumaça, a casa de chocolate da bruxa má, que um dia seria cozida num grande caldeirão cheio de óleo fervente.

Dali, passava-se rápido para uns livros pequenos, acho que da Melhoramentos, com histórias que deveriam ser de Grimm ou de Andersen, com contos sobre Rumpelstichen, príncipes em cavalos brancos, princesas fiando, tranças jogadas do alto das torres, até que chegasse a hora de Condessa de Segur, que a geração mais nova não conheceu por algum problema editorial.

Era formadora de caráter, com as meninas exemplares, a desastrada Sofia, o general Dourakine, a irmã do inocente. Entrava a morte, a tristeza, a vida de verdade. Para chorar de medo, João Felpudo e Juca e Chico. Para chorar copiosamente, "Coração", de Edmondo de Amicis.

Só que surgia de repente um ídolo, Tarzan, com sua tanga, a macaca e os elefantes e seu grito glorioso. Rezávamos, não para os santos de altar, mas para a figura intrépida que viria nos salvar daquele vale de lágrimas com lição de casa a ser feita todo dia.

Apareceram Tom Sawyer, Huckleberry Finn, a cabana do Pai Tomás, os três mosqueteiros, as minas de Salomão. E Monteiro Lobato, é claro, o maior de todos, com a boneca Emília empoderada e que nos deixava atrevidas. Também a "Reader´s Digest" e a revista argentina "Para Ti", que nos ensinou espanhol e mais e mais e mais.

Vamos conversar sobre esses livros da primeira infância? Vai dar pano para manga. Onde andam eles? Os de hoje são tão bons quanto? Me contem.

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