Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

A guerra dos republicanos contra as mulheres vai continuar

Nós teremos Datena, Russomanno e João Dória Júnior concorrendo à Prefeitura de São Paulo, então não dá para cuspir para cima.

Mas, em matéria de bizarrices eleitorais, os Estados Unidos ainda ganham.

Podemos começar pelo inescapável Donald Trump, seu topete tapa-careca e sua guerra contra hispânicos e mulheres.

Há duas semanas, Trump se envolveu em (mais) uma polêmica ao insinuar que a âncora da Fox News Megyn Kelly havia sido agressiva durante um debate porque estava menstruada. Ele disse que Kelly tinha "sangue saindo dos olhos, sangue saindo... sei lá de onde".

Trump passou dias desmentindo que tivesse se referido a aspectos hormonais de Kelly.

As mulheres são 53% do eleitorado americano e votam consistentemente em políticos democratas.

Os republicanos não se ajudam: recentemente, dois pré-candidatos do partido, Scott Walker e Marco Rubio, defenderam que o aborto seja ilegal até em caso de estupro.

Eis que então surgiu a salvação: Carly Fiorina, ex-presidente da Hewlett-Packard, e única mulher entre os 17 pré-candidatos republicanos.

"As mulheres entenderam o comentário. E, sim, é ofensivo", afirmou Carly, referindo-se ao deslize de Trump.

Depois do "menstruaçãogate", cresceram as intenções de voto em Carly, embora venham de base anêmica.

Segundo a pesquisa da Fox News, passaram de 2% em 2 de agosto para 5% em 13 de agosto (ainda bem atrás de Trump, com 25%, Carson, com 12%, Ted Cruz com 10% e Jeb Bush, com 9%).

Surgiu a esperança de que Carly seria a arma perfeita para neutralizar a misoginia de Trump e enfrentar a democrata Hillary Clinton.

SERÁ?

O histórico dela não é muito animador.

Carly já definiu o feminismo como "uma ideologia política de esquerda" que coloca "mulheres contra homens" e é "usada como arma política para vencer eleições".

Há dez dias, escreveu um artigo afirmando ser contra a adoção de licença maternidade nos Estados Unidos (hoje, as mães americanas não têm direito a nem um só dia de folga remunerada após o parto, a não ser que seu empregador resolva que quer dar).

Segundo ela, é muito mais eficiente estimular a economia, para que o país cresça, as empresas concorram e se sintam impelidas a oferecer o benefício às mulheres.

Mas nada disso incomodou Michelle Bachmann, musa do Tea Party, que já concorreu nas primárias do partido.

Michelle atacou Carly por ela supostamente defender muçulmanos.

Poucas semanas após os atentados do 11 de Setembro, época em que muçulmanos eram hostilizados nos EUA, Carly disse a um grupo de funcionários da HP que seguidores do islã haviam feito contribuições inestimáveis para a civilização.

"A indústria da tecnologia não existiria sem os matemáticos árabes."

Michelle compartilhou com seus 240 mil seguidores do Twitter um artigo dizendo que os comentários de Carly eram ofensivos.

A autora do artigo sugeria: "Talvez ela (Carly) devesse mudar para a Arábia Saudita, onde mulheres são proibidas de dirigir, ou Irã, onde são proibidas de trabalhar."

Sem nem entrar no mérito da substância (as mulheres podem, sim, trabalhar no Irã), tudo bem dizer que as mulheres não precisam de licença maternidade e que feminismo é coisa de esquerdista que põe homens contra mulheres, mas falar bem de árabe não pode?

Vai entender.

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