Descrição de chapéu Alalaô

Serra Negra, em SP, bane o funk nos blocos para preservar Carnaval família

Município do Circuito das Águas Paulista cria núcleos na festa de acordo com o perfil dos foliões

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São Paulo

Na praça central, o antigo coreto está colorido de máscaras e sombrinhas de frevo. Crianças brincam ao redor do pipoqueiro. Um grupo de bailarinas faz pose de boneca ao som de marchinhas e sambas das antigas. 

É uma banda tradicional, nascida em 1898, que está incumbida de arrastar o povo para as ruas do centro da estância paulista.

Com a discotecagem dos veteranos —e a expressa proibição do funk—, a cidade aposta na retomada do 
Carnaval em família.

“O turista que vem para cá busca conforto e bem-estar, assim como as famílias que vivem aqui. Pensando nisso, estamos remodelando o Carnaval”, explica Cesar Augusto Borboni, 43, secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Serra Negra, a cerca de 140 km de São Paulo.

Carnaval em Serra Negra. A pequena Maria Luiza Sousa Siloto, 4 anos
Carnaval em Serra Negra. A pequena Maria Luiza Sousa Siloto, 4 anos - Adriano Vizoni - 15.fev.2020/Folhapress

Ney, apelido herdado dos tempos de garoto, pelo qual é conhecido, diz que “uma Anitta até pode ser tolerada, mas nada de músicas que incitam a violência, o sexo ou que vociferam palavrões”, referindo-se ao funk “proibidão” (cujas letras fazem referência ao crime e a facções criminosas) e ao funk “putaria” (que fala de sexo de forma explícita).

A secretaria incluiu uma cláusula no contrato com os músicos que vão tocar durante a festa de Serra Negra na qual consta o veto ao funk.

“Com base em Carnavais passados, percebemos, junto com o monitoramento da polícia, que, a partir do momento em que começa a tocar esse tipo de música, as brigas também se iniciam”, diz Ney.

Serra Negra, com uma população aproximada de 30 mil moradores, é uma das nove cidades que compõem o Circuito das Águas Paulista. Localizada na serra da Mantiqueira, a estância hidromineral e climática é visitada, sobretudo, por turistas da faixa etária dos 50 aos 80 anos.

O turismo representa 40% da economia do município, também conhecido como Cidade da Saúde.

A expectativa é criar uma grande festa familiar, mas, como o gosto musical de uns e outros pode variar, haverá diferentes núcleos, com espaços voltados a públicos e perfis diversos. Só não vale funk.

Durante os quatro dias de folia sob controle (nem por isso menos animada, como creem os organizadores), a cidade espera receber 100 mil pessoas. A prefeitura diz que investiu cerca de R$ 300 mil.

“Queremos resgatar aquele clima de 15 anos atrás, quando a brincadeira era tranquila”, conta Ivair Dei Santi, 57, gerente do Ristorante Famiglia Schiavo, uma tradicional cantina do centro. “Queremos que as pessoas venham e não encontrem problemas.”

Um grupo que costuma apresentar espetáculos de dança nos hotéis da estância vai reforçar o clima festivo durante o reinado de Momo.

Carnaval em Serra Negra. A bailarina Naiara Godoi
Carnaval em Serra Negra. A bailarina Naiara Godoi - Adriano Vizoni - 17.fev.2020/Folhapress

As 11 bailarinas clássicas da Cia. de Dança Allegro criaram um uniforme inspirado no ritmo pernambucano com as cores do frevo, ensaiaram por quase dois meses, três vezes por semana, e agora vão dançar e interagir com o público.

A professora Dayana Rezende, 35, conta que desenvolveu oito coreografias específicas para os quatro dias de festa popular.

Algumas performances serão feitas pelas meninas, de 12 a 29 anos de idade, com sapatilha de ponta. Exemplo é a coreografia na qual elas imitam bonecas.

“É uma espécie de estátua viva para interagir com as crianças enquanto a gente acompanha a banda”, explica Dayana.

A banda, no caso, é a Lira, que sairá tocando pelas ruas do centro. Vale lembrar que ela nasceu em 15 de novembro de 1898, 70 anos depois da fundação de Serra Negra.

Aos 72 anos, 60 deles dedicados à Lira, Roberto Silotto Perondini explica que os 30 integrantes do grupo (de policial a encanador) ensaiaram, religiosamente, todas as quintas-feiras, das 20h às 22h.

Seus músicos, que não vivem de música, elaboraram uma seleção especial para tocar pelas ruas próximas à praça central.

A “set list” inclui frevos, sambas clássicos e as tradicionais marchinhas —tem até música da Xuxa, afinal, como lembra Perondini, as crianças podem não conhecer, mas os pais delas adoram um “ilarilarilariê (ô, ô, ô)”.

De calça social, sapato de dançarino de duas cores, chapéu na cabeça e samba no pé (às vezes, mete um par de óculos de sol nos olhos), o aposentado João Monteiro, 70, lembra que, ultimamente, o Carnaval vem sendo deturpado.

“Agora, estamos recuperando os valores do passado. Sou um homem do samba, do bolero e das tradicionais marchinhas que despertam sentimentos e aliviam os sofrimentos”, sentencia o aposentado, sem disfarçar o saudosismo.

Há quatro anos morador de Serra Negra, João Monteiro só quer saber de dançar. Jura, diante de uma crédula torcida na praça João Zelante, que consegue dar conta de dez horas ininterruptas de folia. “Desse jeito tranquilo, com música certa, é uma terapia.”

Nos quatro fins de tarde de festa, a sessão relax do Carnaval de Serra Negra segue em direção ao ponto mais alto da região, a 1.300 m, de onde se descortina a vista de ao menos dez cidades: o alto da Serra.

O lugar é usado para voos livres de asa-delta e parapente e, é claro, para assistir ao pôr do sol —em outros tempos, já foi palco de aventuras mais picantes noite afora.

Rodeado por montanhas, o cenário esverdeado será palco de uma banda com programação baseada no pop: de uma versão acústica de Tiago Iorc a um hit da Legião Urbana. 

Se embaixo o funk está proibido no Carnaval de Serra Negra, lá em cima o que não entra é o sertanejo —nem universitário nem de raiz.

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