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11/11/2004 - 07h25

Arafat personificou o sonho de um Estado palestino

da BBC, em Londres

Iasser Arafat foi por mais de 40 anos o indiscutível líder dos palestinos pela criação de seu Estado independente.

Ele combateu tanto com armas como com seu discurso. Sobreviveu a várias guerras, foi levado ao exílio e retornou aos territórios ocupados da Cisjordânia e de Gaza como a maior esperança do povo palestino para a obtenção da sua independência.

Personagem enigmático, em que os feitos de coragem pessoal muitas vezes se confundiam com uma notável tendência à mitificação, Arafat teve maior realização com a união dos palestinos em torno de um objetivo comum.

Mas seu estilo autocrático e personalista, usado para manter a unidade da causa palestina nos anos de ilegalidade, desgastou seu apoio popular entre os palestinos. Com isso, ele teve muitas vezes que enfrentar grupos mais radicais, como o Hamas, para reafirmar sua autoridade.

Guerreiro e pacificador

Arafat dizia ser natural de Jerusalém --reivindicada pelos palestinos como capital de seu sonhado Estado--, mas há registros de seu nascimento no Cairo, em 1929.

Depois de fazer fortuna no Kuait como comerciante, participou em 1959 da formação do Fatah, grupo que se tornaria o principal elemento da Organização pela Libertação da Palestina (OLP). Pouco tempo depois, Arafat tornou-se o líder incontestável da causa do seu povo.

No começo da luta palestina, Arafat liderou a OLP na busca de seus objetivos e numa permanente luta contra o Estado de Israel, ao qual ele se referia, na época, apenas como "entidade sionista".

Sua autoridade permaneceu intacta durante os anos 60 e 70, mesmo sendo alvo de críticas na comunidade internacional pela participação de palestinos em ações radicais contra alvos israelenses, como o seqüestro de aviões.

Entre os mais notórios, está o seqüestro de atletas israelenses durante a Olimpíada de Munique, em 1972. Depois de uma operação de resgate desastrada da polícia alemã, os seqüestradores mataram os 11 atletas, numa ação que chocou o mundo, mas recolocou a questão palestina nas manchetes internacionais.

Líbano

Nos anos 70, Arafat fez do Líbano sua base política e militar. Mas, em 1982, Israel invadiu o país vizinho, dizendo precisar acabar com ataques dos palestinos.

A operação militar chegou até a capital, Beirute, e obrigou Arafat e todo o comando da OLP a abandonar o país.

No mesmo ano, refugiados palestinos que viviam no sul do Líbano foram assassinados por milícias cristãs nos massacres dos acampamentos de Sabra e Shatila, em uma ação facilitada pelo Exército de Israel.

Na época, o ministro da Defesa israelense era Ariel Sharon, que como primeiro-ministro, duas décadas mais tarde, voltaria a ser o grande inimigo de Arafat.

Internamente, Arafat valeu-se de estratégias muitas vezes discutíveis para consolidar sua liderança no movimento palestino. Em nome de sua causa, com freqüência fez uso de ameças e intimidações para garantir que o poder permanecesse em suas mãos.

Ao lado de Saddam

O maior erro na política externa de Arafat foi cometido no começo dos anos 90, quando ele apoiou o líder iraquiano, Saddam Hussein, na Guerra do Golfo, de 1991.

O Iraque havia invadido o Kuwait, e os outros líderes da região apoiaram a ação do Ocidente para expulsar as forças iraquianas do país.

O apoio de Arafat a Saddam provocou seu isolamento no mundo árabe e privou a OLP de grande parte de suas fontes de renda, já que a maior parte do financiamento das atividades palestinas vinha dos países da região.

Com a derrota do Iraque, a OLP ficou sem aliados e sem dinheiro. Mas essa situação levou Arafat a negociar os acordos com Israel que levariam ao reconhecimento mútuo e à fase mais pacífica na relação entre os dois lados do conflito.

Oslo

Esse reconhecimento veio em 1993, quando Arafat e o governo israelense surpreenderam o mundo com a assinatura de vários acordos de paz, negociados na capital norueguesa, Oslo.

A OLP aceitou formalmente a existência do Estado de Israel, e o governo israelense passou a reconhecer o povo palestino como uma nação e a OLP como seu representante.

A bandeira e as cores palestinas deixaram de ser proibidas em Israel e nos territórios ocupados e estabeleceu-se um cronograma para a retirada gradual das tropas israelenses da Cisjordânia e da faixa de Gaza.

Arafat deixou de ser apenas líder da OLP para assumir a presidência da Autoridade Nacional Palestina, entidade que passou a ser internacionalmente reconhecida como a voz representante dos palestinos.

Em 1994, Arafat voltou do exílio na Tunísia e foi recebido na Faixa de Gaza nos braços de uma população emocionada. Pouco depois, recebeu o prêmio Nobel da Paz, ao lado dos israelenses Ytzhak Rabin e Shimon Peres.

Mas a esperança que nasceu com os acordos de Oslo foi aos poucos sendo substituída pelo ceticismo. Com a morte do então primeiro-ministro Ytzhak Rabin, assassinado por um radical israelense, os rumos do processo de paz mudaram.

Rabin foi sucedido por Binyamin Netanyahu, do partido Likud, de direita, que não tinha entusiasmo pelo processo de paz com os palestinos, e as negociações passaram a caminhar muito mais lentamente.

Sorrisos com Barak

O sucessor de Netanyahu, o trabalhista Ehud Barak, aproximou-se de Arafat como nenhum outro primeiro-ministro israelense havia feito.

Barak promoveu uma expansão dos assentamentos judaicos, mas chegou a oferecer aos palestinos um acordo definitivo para a criação de um Estado independente.

Apesar dos sorrisos de Arafat quando aparecia ao lado de Barak, ele não conseguiu dois objetivos nas negociações: instalar a capital do futuro Estado palestino em Jerusalém e garantir o retorno de centenas de milhares de refugiados palestinos a Israel.

Arafat não aceitou o acordo, no que muitos consideraram um erro político, e o processo de paz ficou paralisado.

Em setembro de 2000, os palestinos iniciaram uma nova Intifada --repetição da revolta popular que marcou o final dos anos 80--, após o ex-ministro da Defesa Ariel Sharon visitar a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, num gesto visto por palestinos como uma provocação.

Em mais de quatro anos, a Intifada levaria a confrontos que deixaram mortos quase 3.000 palestinos e quase mil israelenses.

Depois do início da rebelião, os israelenses elegeram Sharon, do Likud, para o cargo de primeiro-ministro. O antigo inimigo voltava a enfrentar Arafat diretamente.

Arafat deu várias ordens de cessar-fogo tentando pôr um fim à Intifada, mas os atentados suicidas palestinos continuavam, seguidos de ações cada vez mais violentas do Exército de Israel.

Arafat, que anos antes havia sido confirmado na presidência da Autoridade Palestina por meio de uma eleição, continuava com sua liderança garantida. Mas não tinha controle sobre grupos mais radicais ou mesmo sobre facções de sua organização, o Fatah.

Ao mesmo tempo, ele era criticado internamente por seu autoritarismo no comando da ANP, além de ser acusado várias vezes de corrupção.

O fim: confinado em Ramallah

No final de 2001, o cerco do governo de Ariel Sharon a Arafat atingiu seu ponto máximo, com o líder palestino sendo forçado a permancer em sua base na cidade de Ramallah (Cisjordânia), onde ele viveu nos últimos três anos de sua vida.

Em março de 2002, após novos ataques suicidas de palestinos contra civis israelenses, o governo israelense declarou que Arafat, classificado por Ytzhak Rabin como único parceiro possível num processo de paz, era a partir daquele momento um "inimigo".

No ano seguinte, Iasser Arafat cedeu às pressões dos Estados Unidos, que exigiam uma maior divisão do poder na Autoridade Palestina, e criou o posto de primeiro-ministro.

Seu primeiro ocupante, Mahmoud Abbas, participou do lançamento de uma nova versão do plano de paz, patrocinada pelo presidente George W. Bush e chamada de "Mapa da Paz" (Road Map), com a presença de Ariel Sharon.

Mas, após quatro meses, a disputa pelo controle das forças de segurança palestinas levou à renúncia de Abbas, que foi substituído por Ahmed Korei.

Em 2004, o mesmo tema polêmico levou Korei a oferecer sua renúncia a Arafat mais de uma vez, o que mostrava que o líder palestino continuava relutante em dividir seu poder.

Essa disputa levou a uma grave crise política na Faixa de Gaza, encerrada depois de um acordo entre Arafat e Korei.

Mas nessa época tanto Israel como os Estados Unidos já consideravam o líder palestino um obstáculo para negociações de paz, e a Autoridade Palestina deixou de ter influência em decisões de Israel que envolviam os palestinos.

As principais foram a construção de uma barreira dentro da Cisjordânia e a retirada de tropas e colonos israelenses da faixa de Gaza, alvo de constantes operações militares de Israel nos últimos dois anos.

Iasser Arafat, vencedor do prêmio Nobel da Paz e símbolo da luta palestina, tanto armada como pacífica, passou seus últimos meses de vida sem o poder que um dia teve para influenciar os acontecimentos na região.

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