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19/01/2008 - 08h18

Tenho que subordinar meus impulsos às intenções do país, diz Mangabeira

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RODRIGO VARGAS
da Agência Folha, em Manaus

À frente do ministério criado para apresentar propostas para o futuro do Brasil, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, 60, diz preferir "ser imprudente a ser evasivo".

Uma amostra dessa atitude veio logo na primeira ação concreta de sua pasta --uma viagem ao Pará e ao Amazonas--, quando divulgou idéias como a transposição de água da Amazônia para o Nordeste. Sobraram críticas e o ministro recuou --falou em "mal-entendido" e que a proposta é apenas parte de um "esboço" de idéias.

"Não posso executar minha tarefa se estiver preocupado em me resguardar", disse o titular da pasta de Assuntos Estratégicos e vice-presidente do PRB, extensão política da Igreja Universal do Reino de Deus.

"Ministro sem pasta" por uma semana em 2007 --intervalo entre a atual nomeação e a derrubada, pelo Senado, da medida provisória que criara a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo--, Mangabeira diz querer "subordinar seus impulsos às intenções do país".

"Tenho que aprender aquilo que nunca fiz como prática habitual, que é a construção de consensos." Em entrevista à Folha, ele citou outros projetos do ministério --que vão da construção de uma "infovia nacional" a uma rede de escolas médias federais.

Mangabeira evoca o foco de sua pasta ao minimizar sua defesa, em 2005, do impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Para nós e para o Brasil, o futuro é mais importante do que o passado."

FOLHA - Qual foi o objetivo da viagem do sr. pela Amazônia?
MANGABEIRA UNGER - A Amazônia é o nosso grande laboratório nacional. É uma viagem de estudo e construção de alianças. A causa da Amazônia deve ser vista no Brasil como uma causa nacional. Então comecei a organizar uma proposta para a Amazônia, que não poderia ser imposta de cima para baixo.

FOLHA - Na primeira etapa da viagem, o sr. lançou documento com propostas para a região que causou controvérsia e, como mesmo reconheceu, mal-entendidos. O que esperava com esse texto?
MANGABEIRA - Preferi ser imprudente a ser evasivo. Não posso executar minha tarefa de maneira responsável se estiver preocupado em me resguardar. Nós, brasileiros, temos de perder o medo das idéias. Formulei esse documento e o divulguei. Não é a expressão de uma posição oficial do governo e nem da minha pasta. É um documento destinado a provocar e a organizar a discussão.

FOLHA - O sr. pode citar algumas propostas de sua pasta?
MANGABEIRA - Agora, por exemplo, estou focado em iniciativas de acesso a crédito, tecnologia e conhecimento em favor da multidão de pequenos empreendimentos emergentes que são a verdadeira força de nossa economia. Estou trabalhando com o Ministério da Educação na idéia de uma rede de escolas médias federais. Também trabalho com o Ministério da Cultura em um projeto de inclusão digital. Vamos fazer uma infovia nacional, para fortalecer capacitações populares de acesso à rede e estimular a produção de conteúdos nacionais. Outra iniciativa conjunta com o ministro da Defesa [Nelson Jobim] é a reorganização das Forças Armadas em torno de uma vanguarda tecnológica e operacional.

FOLHA - Em Manaus, durante palestra, ficou nítida a distância entre suas idéias para o futuro e as demandas mais urgentes da região.
MANGABEIRA - Não vejo assim. Julgo ser natural que as pessoas se preocupem com o imediato, mas questões pontuais só podem ser resolvidas quando colocadas em perspectiva de longo prazo. Não estou aqui para assinar acordos e distribuir recursos. É natural que, no início da discussão, haja esse desencontro. Eu é que tenho que construir a ponte entre o futuro e o presente.

FOLHA - Quais as maiores dificuldades nesses primeiros meses no governo?
MANGABEIRA - Dificuldades? Muitas e imensas. Estamos discutindo a transformação de um grande país. Há agora o surgimento de uma nova classe média que vem de baixo, morena, mestiça, de pessoas que estudam à noite e lutam para abrir pequenos negócios e que inauguram no país uma nova cultura de auto-ajuda e iniciativa. Essa vanguarda de batalhadores emergentes já está no comando do imaginário popular. Hoje a grande revolução brasileira seria o Estado usar seus poderes e recursos para ajudar a maioria a seguir o exemplo dessa vanguarda. Isso só é possível pela renovação das instituições econômicas e políticas.

FOLHA - O sr. se refere a uma reforma política?
*MANGABEIRA - Sim, um caminho inevitável e não é um mistério concretizá-la. Basta termos financiamento público de campanhas, fidelidade partidária, substituição da maioria dos cargos comissionados por carreiras de Estado e revisão do processo orçamentário. É a primeira tarefa, que vai separar a política do dinheiro.

FOLHA - Como recebeu a rejeição do Senado à medida provisória que criara a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo?
MANGABEIRA - Não vou comentar. Direi apenas que todos os reveses tem funcionado favoravelmente, para propiciar esclarecimentos e aprofundar o compromisso político do governo com esse trabalho. Não sofri qualquer revés até agora que não tenha funcionado mais para o bem do que para o mal.

FOLHA - Em 2006, o senhor se lançou pré-candidato à Presidência de República. Ainda mantém este sonho?
MANGABEIRA - Hoje não mais. Minha luta durante toda a vida foi em favor de uma alternativa. Tentei vários caminhos para isso. Agora estou no mais fecundo que encontrei até agora, pois estou dentro do governo e com o apoio do presidente. Para ajudar a transformar o país, eu tenho que me transformar.

FOLHA -O que isso significa?
MANGABEIRA - Significa que eu não posso atuar apenas como doutrinador, um agente político isolado. Tenho que subordinar meus impulsos às intenções do país e aprender a praticar aquilo que nunca fiz antes como prática habitual, que é a construção de consensos. Estou aprendendo.

FOLHA - Em 2005, o sr. chegou a defender o impeachment do presidente Lula. Como se deu essa mudança de posição?
MANGABEIRA - Fui um crítico severo do governo Lula em seu primeiro mandato. Por isso não foi fácil para o presidente me convidar e não foi fácil aceitar o convite. No final, prevaleceu para mim e para ele a convicção da importância dessa tarefa. Para nós e para o Brasil, o futuro é mais importante do que o passado.

 

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