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22/04/2003
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07h00
A proposta de reforma tributária do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que a oposição acusa de tímida e genérica, deve ser ampliada ao chegar ao Congresso, abrangendo temas como a divisão de recursos com os Estados, o Imposto de Renda e a tributação de grandes fortunas.
A tese é do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), 53, escalado para ser o relator do projeto, com poderes para definir o formato final do texto a ser votado pela Câmara. "Eu gostaria que [a reforma] fosse mais completa", disse.
Mas Guimarães estabelece um limite para o alcance das discussões: é preciso haver uma reforma aprovada neste ano. "A pior reforma é reforma nenhuma." Ou seja, temas polêmicos, com poucas chances de consenso, tendem a ficar pelo meio do caminho.
O deputado, que é economista de formação, tem suas próprias idéias polêmicas. Uma delas é a elevação da CPMF de 0,38% para 0,5%, para compensar perdas dos Estados com o novo ICMS. Outra, lembrou um assessor durante a entrevista, é uma alíquota de imposto de renda de 35% sobre rendimentos superiores a R$ 8.000 mensais.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - A proposta de reforma tributária do governo tem sido considerada pouco ambiciosa. Os governadores do PSDB a qualificaram de "extremamente restrita". O sr. concorda?
Virgílio Guimarães - A proposta do governo representa o consenso nacional básico. Ataca as questões centrais, que são: a regularização do principal tributo, que é o ICMS, dando condições para baixar as alíquotas sobre os produtos de primeira necessidade; ajuda a produção, o emprego e as exportações; dá sustentabilidade às receitas federais. Isso é o essencial.
O Executivo está respeitando o Congresso, ao qual cabe decidir se fará a reforma mais completa ou menos completa.
Folha - E o Congresso deve fazer a reforma mais ou menos completa?
Guimarães - A pior reforma é reforma nenhuma. Os governadores do PSDB têm razão: vamos tentar avançar o máximo, fazer uma reforma do Imposto de Renda, da Cofins, o ajuste de alguns tributos, como o ITR. O imposto bom é o imposto justo e robusto.
O problema é que temos impostos justos que não são robustos e impostos robustos que não são justos. O ITR, cobrado sobre o patrimônio, é justo, mas poderia ser mais robusto.
Folha - Se entendi bem, a reforma pode vir a ser mais ambiciosa, mas desde que haja uma reforma.
Guimarães - Desde que haja uma reforma neste ano.
Folha - E não há o risco de a reforma emperrar no detalhamento das propostas?
Guimarães - Nós vamos tentar um curso forçado da reforma tributária e da previdenciária, com meta temporal, que é dezembro. Para já entrar em vigor no ano que vem.
Folha - E qual será o cronograma necessário para isso, uma vez que, fora a CPMF, as mudanças precisam de leis complementares?
Guimarães - O ideal é que a parte constitucional seja aprovada no primeiro semestre, deixando todo o segundo semestre para a parte infraconstitucional.
Folha - Já no primeiro semestre? O projeto nem chegou ainda ao Congresso.
Guimarães - É o ideal. Pode não ser possível. Se for o caso, podemos discutir a parte constitucional e a regulamentação juntas.
Folha - E o que não pode ficar de fora?
Guimarães - A sustentabilidade das finanças públicas, a não-elevação da carga tributária e a mudança do ICMS para um tributo que coíba a guerra fiscal.
Folha - A sustentabilidade das finanças é a CPMF?
Guimarães - Ela ajuda. Entre virtudes e defeitos, a CPMF mostrou que tem virtudes e deve ser perenizada.
Folha - O que o sr. acha da proposta dos governadores de que a União divida com os Estados a receita das contribuições sociais?
Guimarães - É justa, mas também tem de ser neutra. É desejável, por exemplo, repartir a CPMF, podemos discutir o caso da Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, que incide sobre a venda de combustíveis], mas os Estados também têm de abrir mão de parte da receita do ICMS.
Folha - O sr. defende a idéia de elevar a CPMF. O Ministério da Fazenda é contra.
Guimarães - Eu imagino que a alíquota possível do IMF [Imposto sobre Movimentação Financeira], substituto da CPMF, seria de 0,5% [a atual alíquota é de 0,38%], com uma parcela para Estados e municípios, mas poderia baixar ao longo do tempo ou ser compensada em outros tributos. O governo é contra, mas vejo a necessidade de uma fonte de compensação para mudanças mais importantes, como a do ICMS.
Folha - Mas não há o risco de, dessa equação toda, sobrar apenas a CPMF mais alta?
Guimarães - Tenho sentido que falta credibilidade aos gestores públicos no que se refere ao sistema tributário. Ninguém me pergunta sobre a idéia de baixar o ICMS, mas todos se espantam com o aumento da CPMF. Mas é a primeira vez em que se fala em reforma com a consciência de que a carga não pode aumentar.
Folha - Nem cair.
Guimarães - Nem cair. Há também a consciência de que, se a União se tornar inviável, a sociedade inteira pagará o preço. Mesmo o empresariado, que sempre quis redução da carga tributária, hoje entende isso, e temos uma parceria que há algum tempo seria impensável.
Folha - E quando ficar claro que alguns setores do empresariado perderão com a reforma?
Guimarães - Vamos procurar minimizar. Por exemplo: a mudança na Cofins pode significar um peso adicional na construção civil, que é essencial para a retomada do emprego. Por isso, temos que calibrar melhor com medidas como a mudança na contribuição previdenciária patronal, que hoje incide sobre a folha. A transição tem de ser cuidadosa.
Folha - O PT sempre defendeu o imposto sobre grandes fortunas, que tem sido mencionado nas discussões da reforma. Isso é para agora?
Guimarães - Isso faz parte da questão sobre se a reforma será mais completa ou menos completa. Eu gostaria que fosse mais completa. Mas a reforma tem de ser também politicamente viável. A reforma é um contínuo. Temos de terminar fazendo também a reforma do Imposto de Renda.
Folha - Numa reunião da bancada petista, o senador Aloizio Mercadante (SP) disse que espera uma grande resistência do PSDB e do PFL à reforma tributária, para que o PT não a capitalize politicamente. O sr. também crê nisso?
Guimarães - Não conheço os dados do senador. O que eu observo na Câmara é que as reformas são vistas como uma necessidade do país. Quem abdicar de apoiar uma reforma sustentável estará dando uma declaração prévia de que não será governo nunca.
Folha - Mais ou menos. O PT se opôs às reformas no passado e se tornou governo.
Guimarães - Mas o PT vai continuar se opondo ao tipo de reforma a que o PT se opôs. Se as reformas forem economicamente dinâmicas e socialmente justas, já andaram mais da metade do caminho para se tornarem politicamente viáveis. O custo para alguém se opor a reformas com essas características seria elevado.
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Governo quer diminuir ICMS em item essencial
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Relator aposta na ampliação da reforma tributária
da Folha de S.Paulo, em BrasíliaA proposta de reforma tributária do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que a oposição acusa de tímida e genérica, deve ser ampliada ao chegar ao Congresso, abrangendo temas como a divisão de recursos com os Estados, o Imposto de Renda e a tributação de grandes fortunas.
A tese é do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), 53, escalado para ser o relator do projeto, com poderes para definir o formato final do texto a ser votado pela Câmara. "Eu gostaria que [a reforma] fosse mais completa", disse.
Mas Guimarães estabelece um limite para o alcance das discussões: é preciso haver uma reforma aprovada neste ano. "A pior reforma é reforma nenhuma." Ou seja, temas polêmicos, com poucas chances de consenso, tendem a ficar pelo meio do caminho.
O deputado, que é economista de formação, tem suas próprias idéias polêmicas. Uma delas é a elevação da CPMF de 0,38% para 0,5%, para compensar perdas dos Estados com o novo ICMS. Outra, lembrou um assessor durante a entrevista, é uma alíquota de imposto de renda de 35% sobre rendimentos superiores a R$ 8.000 mensais.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - A proposta de reforma tributária do governo tem sido considerada pouco ambiciosa. Os governadores do PSDB a qualificaram de "extremamente restrita". O sr. concorda?
Virgílio Guimarães - A proposta do governo representa o consenso nacional básico. Ataca as questões centrais, que são: a regularização do principal tributo, que é o ICMS, dando condições para baixar as alíquotas sobre os produtos de primeira necessidade; ajuda a produção, o emprego e as exportações; dá sustentabilidade às receitas federais. Isso é o essencial.
O Executivo está respeitando o Congresso, ao qual cabe decidir se fará a reforma mais completa ou menos completa.
Folha - E o Congresso deve fazer a reforma mais ou menos completa?
Guimarães - A pior reforma é reforma nenhuma. Os governadores do PSDB têm razão: vamos tentar avançar o máximo, fazer uma reforma do Imposto de Renda, da Cofins, o ajuste de alguns tributos, como o ITR. O imposto bom é o imposto justo e robusto.
O problema é que temos impostos justos que não são robustos e impostos robustos que não são justos. O ITR, cobrado sobre o patrimônio, é justo, mas poderia ser mais robusto.
Folha - Se entendi bem, a reforma pode vir a ser mais ambiciosa, mas desde que haja uma reforma.
Guimarães - Desde que haja uma reforma neste ano.
Folha - E não há o risco de a reforma emperrar no detalhamento das propostas?
Guimarães - Nós vamos tentar um curso forçado da reforma tributária e da previdenciária, com meta temporal, que é dezembro. Para já entrar em vigor no ano que vem.
Folha - E qual será o cronograma necessário para isso, uma vez que, fora a CPMF, as mudanças precisam de leis complementares?
Guimarães - O ideal é que a parte constitucional seja aprovada no primeiro semestre, deixando todo o segundo semestre para a parte infraconstitucional.
Folha - Já no primeiro semestre? O projeto nem chegou ainda ao Congresso.
Guimarães - É o ideal. Pode não ser possível. Se for o caso, podemos discutir a parte constitucional e a regulamentação juntas.
Folha - E o que não pode ficar de fora?
Guimarães - A sustentabilidade das finanças públicas, a não-elevação da carga tributária e a mudança do ICMS para um tributo que coíba a guerra fiscal.
Folha - A sustentabilidade das finanças é a CPMF?
Guimarães - Ela ajuda. Entre virtudes e defeitos, a CPMF mostrou que tem virtudes e deve ser perenizada.
Folha - O que o sr. acha da proposta dos governadores de que a União divida com os Estados a receita das contribuições sociais?
Guimarães - É justa, mas também tem de ser neutra. É desejável, por exemplo, repartir a CPMF, podemos discutir o caso da Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, que incide sobre a venda de combustíveis], mas os Estados também têm de abrir mão de parte da receita do ICMS.
Folha - O sr. defende a idéia de elevar a CPMF. O Ministério da Fazenda é contra.
Guimarães - Eu imagino que a alíquota possível do IMF [Imposto sobre Movimentação Financeira], substituto da CPMF, seria de 0,5% [a atual alíquota é de 0,38%], com uma parcela para Estados e municípios, mas poderia baixar ao longo do tempo ou ser compensada em outros tributos. O governo é contra, mas vejo a necessidade de uma fonte de compensação para mudanças mais importantes, como a do ICMS.
Folha - Mas não há o risco de, dessa equação toda, sobrar apenas a CPMF mais alta?
Guimarães - Tenho sentido que falta credibilidade aos gestores públicos no que se refere ao sistema tributário. Ninguém me pergunta sobre a idéia de baixar o ICMS, mas todos se espantam com o aumento da CPMF. Mas é a primeira vez em que se fala em reforma com a consciência de que a carga não pode aumentar.
Folha - Nem cair.
Guimarães - Nem cair. Há também a consciência de que, se a União se tornar inviável, a sociedade inteira pagará o preço. Mesmo o empresariado, que sempre quis redução da carga tributária, hoje entende isso, e temos uma parceria que há algum tempo seria impensável.
Folha - E quando ficar claro que alguns setores do empresariado perderão com a reforma?
Guimarães - Vamos procurar minimizar. Por exemplo: a mudança na Cofins pode significar um peso adicional na construção civil, que é essencial para a retomada do emprego. Por isso, temos que calibrar melhor com medidas como a mudança na contribuição previdenciária patronal, que hoje incide sobre a folha. A transição tem de ser cuidadosa.
Folha - O PT sempre defendeu o imposto sobre grandes fortunas, que tem sido mencionado nas discussões da reforma. Isso é para agora?
Guimarães - Isso faz parte da questão sobre se a reforma será mais completa ou menos completa. Eu gostaria que fosse mais completa. Mas a reforma tem de ser também politicamente viável. A reforma é um contínuo. Temos de terminar fazendo também a reforma do Imposto de Renda.
Folha - Numa reunião da bancada petista, o senador Aloizio Mercadante (SP) disse que espera uma grande resistência do PSDB e do PFL à reforma tributária, para que o PT não a capitalize politicamente. O sr. também crê nisso?
Guimarães - Não conheço os dados do senador. O que eu observo na Câmara é que as reformas são vistas como uma necessidade do país. Quem abdicar de apoiar uma reforma sustentável estará dando uma declaração prévia de que não será governo nunca.
Folha - Mais ou menos. O PT se opôs às reformas no passado e se tornou governo.
Guimarães - Mas o PT vai continuar se opondo ao tipo de reforma a que o PT se opôs. Se as reformas forem economicamente dinâmicas e socialmente justas, já andaram mais da metade do caminho para se tornarem politicamente viáveis. O custo para alguém se opor a reformas com essas características seria elevado.
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