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04/07/2004 - 08h46

"Formigueiro" em Serra Pelada dá lugar a cidade fantasma

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da enviada especial da Folha de S.Paulo a Serra Pelada

Não há mais nada em Serra Pelada que lembre as imagens que correram o mundo no início dos anos 80, quando um formigueiro humano recortou e carregou uma montanha nas costas, à procura de ouro. O passado aflora apenas nos depoimentos dos moradores, que insistem em permanecer no vilarejo de barracos de tábuas e ruas de poeira vermelha.

Serra Pelada lembra uma vila fantasma dos filmes de faroeste. O principal ponto de referência é uma árvore gigantesca, sob a qual os moradores se reúnem para conversar ao final do dia, batizada, por decreto municipal do prefeito de Curionópolis, Sebastião Curió, como Pau da Mentira.

Ex-deputado federal, Curió comanda o município --que se emancipou de Marabá em 1988, quando o garimpo já estava em declínio-- com mão-de-ferro e pragmatismo. Na ante-sala de seu gabinete há um cartaz que resume seu modo de pensar: "Se porventura um saco de cimento vier lhe dar conselho, não se surpreenda, pois é sempre bom acreditar naquilo que um dia será concreto".

A 41 quilômetros do escritório do prefeito, o garimpo virou um lago com o diâmetro do Estádio do Maracanã, com 30 metros de lâmina de água e 70 metros de lama no fundo.

A presença de Sebastião Curió, coronel reformado do Exército, ex-agente do SNI (Serviço Nacional de Informações) e um dos chefes da repressão militar à guerrilha do Araguaia, está por toda a parte. Na cooperativa dos garimpeiros, há uma estátua dele com uniforme camuflado do Exército.

Segundo informações da cooperativa e do sindicato dos garimpeiros de Serra Pelada, há 6.500 moradores na vila, vivendo de aposentadorias, de empregos na Prefeitura de Curionópolis e do plantio em fazendas vizinhas, mas a pobreza é evidente.

O garimpo manual está morto, mas alguns poucos ainda se arriscam à procura de ouro. A maioria permanece na área na esperança de obter alguma compensação financeira do governo federal. Há poucos interessados em explorar o que restou do garimpo.

Dinheiro e casa

Leonardo Benício Ferreira, 55, analfabeto, diz que está esperando receber os R$ 45 mil em dinheiro (mais a casa de R$ 16 mil) prometidos pela cooperativa no acordo com a empresa norte-americana Phoenix Gems para voltar a Uruçuí, no Piauí, onde vivem seus parentes.

Ele conta que chegou a Serra Pelada em 1986 e que trabalhou até 1990 para outros garimpeiros, como diarista, com salário fixo mensal. A partir daí, passou a arriscar a sorte, garimpando os rejeitos por conta própria.

"Tiro um "faguio" ou outro, mas tem mês que não tiro nada. Joguei minha vida fora. Vivo separado dos filhos, mas não me arrependo. A gente vive como farinha no saco fechado. Fui ficando para não perder os direitos."

Chegada tardia

Alguns apostaram na sorte em Serra Pelada quando o garimpo já estava em decadência. É o caso do gaúcho Nelson Spegirion, 59, que largou a lavoura de soja, milho e trigo nas mãos de um sobrinho em Passo Fundo (RS). De espírito aventureiro, ele chegou a Serra Pelada em 1995.

"Ouro tem sempre, é só chegar nele. O problema é que também sempre tem percalços", diz o gaúcho, que deixou a mulher para trás, no Rio Grande do Sul.

Em 1996, Spegirion saiu de Serra Pelada e foi procurar ouro em Tucumã, dentro da reserva dos índios caiapós. Firmou um contrato de risco com os índios, comprometendo-se a dar a eles 10% do que encontrasse.

Como não encontrou muita coisa, migrou para o Rio Madeira, em Rondônia, onde passou a trabalhar com dragas: "Rodei mais do que notícia ruim".

Spegirion voltou para Serra Pelada em 98 e aqui permanece até hoje. Ele diz que investiu R$ 1 milhão no garimpo nestes seis anos, quando teria extraído apenas 300 gramas de ouro.

"Estou parado há quase seis meses, esperando ser indenizado. Disseram que o cacho da banana está maduro, mas que poucos macacos irão comer", afirmou, referindo-se aos garimpeiros que poderão desfrutar do acordo entre a cooperativa e o grupo norte-americano.

No buraco

Há casos de pessoas que estão desde o começo do garimpo, como o de Eugênio dos Santos, 65, conhecido como "barbudão do buraco da viúva".

Ele chegou a Serra Pelada em 1980, meses antes de Curió ser nomeado interventor do garimpo, e continua vivendo com suas galinhas em um barraco de dois cômodos. O apelido vem da função que ocupa, como encarregado de descer o pessoal que procura ouro em escavações de cem metros de profundidade.

A exploração garimpeira do ouro em Serra Pelada criou uma estrutura hierárquica, que persiste até hoje. O regime militar dividiu a área em 8.200 barrancos, que foram distribuídos entre os garimpeiros por sorteio.

Raimundo Benigno, presidente atual do Sindicato dos Garimpeiros, disse que deu um caminhão em pagamento de 1% de um barranco no início dos anos 80. Proprietário de uma granja de frangos em São Paulo, ele é um dos poucos que declaram ter preservado um patrimônio.

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