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22/08/2004 - 09h43

Lei foi o "meio-termo possível", diz ministro

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ELIANE CANTANHÊDE
colunista da Folha de S.Paulo

Vinte e cinco anos após a anistia, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, 69, explica que não foi "ampla, geral e irrestrita", mas era o possível, "um meio-termo, um fio da navalha". Bastos, que era secretário-geral da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), diz que o governo Lula é resultado da anistia.

Na sua opinião, aquele momento era o de lutar pela liberdade, e, hoje, de "buscar a igualdade". Um desafio, sobretudo, para os anistiados que hoje estão no poder. Leia trechos da entrevista, concedida na sexta, em seu gabinete.

A solução foi de meio-termo. Embora a Lei da Anistia tenha sido restritiva, ela representou um avanço. Só a possibilidade de as pessoas poderem voltar foi fundamental

Folha - O que fica para a história daquela anistia tão criticada por não ser "ampla, geral e irrestrita'?
Márcio Thomaz Bastos -
Não era a anistia ampla, geral e irrestrita que a sociedade civil queria, mas era uma anistia, um passo forte, importante e que funcionou como desencadeador de outras reformas. A Lei da Anistia foi promulgada, e nós já começamos uma outra campanha, pela revogação da Lei de Segurança Nacional. A campanha das diretas surgiu desse encadeamento.

Folha - E os militares?
Bastos -
A anistia foi resultado da pressão da sociedade e porque havia dentro do governo alguns pensadores estratégicos que queriam levar a distensão, mesmo que lenta e gradual. Golbery [do Couto e Silva] era um desses homens. Hoje se sabe que ele mantinha reuniões com líderes da oposição como Ulysses Guimarães e Thales Ramalho e com a OAB.

Folha - E os militares?
Bastos -
Acho que se queria mais, mas havia pessoas mais cautelosas e outras que queriam ir mais depressa. A solução encontrada foi de meio-termo, um fio da navalha. Embora a Lei da Anistia tenha sido restritiva em termos de liberdades, ela representou um enorme avanço. Só a possibilidade de as pessoas poderem voltar e as que estavam presas poderem sair da cadeia foi fundamental. Olhando para trás, a anistia foi um avanço gigantesco.

Folha - E o papel dos anistiados?
Bastos -
Os anistiados estão em grande parte no poder. É só olhar em volta e ver, começando pelo José Dirceu e pelo Genoino.

Folha - E o que são eles hoje, já que o conceito de direita e de esquerda praticamente não existe?
Bastos -
Eu defendo a idéia de que existe, porque eu me considero de esquerda. O que é ser de esquerda hoje? É lutar pelos interesses das maiorias, dos vulneráveis, é reconhecer os direitos e a igualdade dos aglomerados humanos.

Folha - A liberdade de expressão.
Bastos -
Sim, garantir a liberdade de expressão é importante, mas é preciso um outro vetor para imbricar com ele: a igualdade. Naquele tempo toda a gente lutava por liberdade. Hoje o vetor igualdade é tão importante quanto.

Folha - O governo Lula é resultado daquela anistia?
Bastos -
Com certeza absoluta, como o governo Fernando Henrique também foi resultado disso.

Folha - Como o sr. vê o assassinato a pauladas de moradores de rua de São Paulo? Não fica a sensação de que a anistia ainda não acabou?
Bastos -
Esse crime é como o de Unaí. Aqueles fiscais foram mortos por causa disso. Seja quem for que mandou matá-los, foi para mostrar: "Aqui não tem Estado, não tem Estado democrático".

Folha - Por que os setores organizados foram às ruas pela anistia política em 79, mas não fazem o mesmo agora pela anistia social?
Bastos -
É uma pergunta inquietante. A sociedade teria perdido a capacidade de se indignar? A resposta à pergunta, eu não tenho.

Folha - Será que é porque quem precisava de anistia naquela época era a elite, e hoje são os excluídos?
Bastos -
É como no caso da tortura. No Brasil, sempre se soube, desde tempos imemoriais, que havia tortura contra presos. A indignação só se materializou quando tais práticas chegaram à nossa classe, à classe média para cima.

Folha - Vivemos um parênteses: a tortura deixou de existir para os filhos da elite, mas havia antes e continuou depois para o resto?
Bastos -
Só que sobra um resultado positivo. A consciência contra a tortura é hoje muito maior do que nos anos 50 e 60. Essa consciência cresceu quando a tortura chegou perto da gente. Mas há ainda um gueto que resiste. E esse seria o que chamo de direita.

Folha - E os torturadores, por que ficaram no limbo. Nem foram anistiados nem foram processados?
Bastos -
Acho que eles mergulharam. Não houve perseguição, revanchismo em relação a eles. Eles ficaram ao largo da história.

Folha - Mas isso é positivo?
Bastos -
Acho positivo de um lado e negativo de outro. Positivo porque a idéia da anistia é a de passar uma esponja, esquecer.

Folha - Ulysses Guimarães dizia que anistia não cabia para torturador. O sr. concorda?
Bastos -
Concordo, sim. É um crime imprescritível.

Folha - Em algum momento essa ferida terá de ser reaberta?
Bastos -
Não creio.

Folha - Por que alguns responsáveis pelas torturas foram julgados na Argentina e no Chile, e não aqui?
Bastos -
São peculiaridades dos países. Aqui havia a determinação de esquecer, de virar a página e de começar uma outra história.

Folha - A sociedade se encarregou de impor uma punição moral aos torturadores, ou nem isso?
Bastos -
Acho que nem isso. Os torturadores acabaram passando ao largo desse embate de idéias e de fixação de responsabilidades.

Folha - E a indústria de indenizações?
Bastos -
Não existe isso. O que há é uma lei de 2002 que estabelece regras que nós estamos seguindo. Ela foi feita no último ano do Fernando Henrique, sem dotação orçamentária. O governo Lula pegou isso, refez a Comissão da Anistia, colocando grandes nomes. Eles estão fazendo um trabalho metódico, minucioso. O presidente alocou R$ 200 milhões em 2004, R$ 300 milhões em 2005 e R$ 400 milhões em 2006. A comissão trabalhou seguindo estritamente a lei, com critérios rigorosos e recusando milhares de casos, 16.000 já na porta de entrada.

Folha - Como um soldado que perdeu a perna com uma bomba recebe R$ 500,00 por mês e outros que perderam o emprego tenham direito a quase R$ 20.000,00?
Bastos -
O espírito da Lei da Anistia é esse: repor para a pessoa aquilo que ela perdeu por conta do arbítrio do regime autoritário. Isso pode levar a essas diferenças. Se a pessoa tinha padrão alto, repõe esse padrão; se tinha padrão médio, repõe o padrão médio.

Folha - O governo tem sido muito criticado pela condução da questão dos desaparecidos. Acha possível dar alguma resposta às famílias que reclamam os restos mortais?
Bastos -
Há uma comissão fazendo muitos trabalhos, muitas diligências. Acredito que a gente possa apresentar um resultado logo. Em setembro, por exemplo.

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