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23/09/2003
-
08h25
LUIZ ANDRÉ FERREIRA
da Folha Online, no Rio
A Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das 63 sociedades científicas de todo o mundo que lançaram ontem um manifesto pela proibição da clonagem reprodutiva, quer a clonagem terapêutica de volta à pauta do Senado Federal.
O Brasil encabeça as negociações internacionais: entre os seis cientistas que produziram o documento à ONU (Organização das Nações Unidas) está Mayana Zatz, titular da cadeira de genética do Instituto de Biociências da USP e membro da ABC.
Zatz cobrou hoje um posicionamento do governo Lula, que até agora não se manifestou sobre o assunto. No final do ano passado, o Senado discutiu projeto de lei para proibir todas as formas de clonagem humana e reforçar a lei 8.974, de janeiro de 1995, conhecida como Lei de Biossegurança, que veda a "manipulação genética de células germinais humanas" e trata essa prática como crime.
Ciência e religião
No Brasil, segundo Zatz, a Igreja Católica mantém forte pressão para impedir a aprovação da legislação, embora os estudos nessa área estejam avançados, principalmente na iniciativa privada, em clínicas de fertilização. A pesquisadora citou outras religiões que já se manifestaram a favor, como os adventistas, judeus, espíritas, umbandistas, entre outras.
Ela citou países que já aprovaram legislação que permite a clonagem terapêutica, como nações da União Européia, a Austrália, o Canadá e Israel. Com relação aos Estados Unidos, a pesquisadora garante que a continuação das pesquisas é uma unanimidade entre os cientistas e também entre boa parte da população.
A cientista brasileira também criticou as posições do papa João Paulo 2º e do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. "Temos que ouvir os parentes das pessoas que dependem dos avanços das pesquisas para sobreviver ou minimizar sofrimentos", afirmou. "A Igreja é contra tudo que envolva a questão da reprodução. E o presidente George Bush, que agora se diz preocupado com a vida dos embriões, aumentou a pena de morte naquele Estado quando foi governador da Califórnia."
Embriões descartados
A cientista explicou que a proposta brasileira envolve a pesquisa com células-tronco, principalmente para a produção de órgãos para transplante, e a utilização dos milhares de embriões descartados pelas clínicas de fertilização. "A sobra vai para o lixo. Se as famílias autorizassem, poderíamos trabalhar com embriões de 72 horas até 14 dias, como já ocorre na Europa", afirmou.
Mayana negou que, hoje, a ciência seja capaz de clonar um ser humano. "Não é nem por questões éticas, mas pela eficiência, que é baixíssima", disse. "Os seres que conseguem nascer têm problemas logo em seguida, ou mais tarde. Nesses seis anos, a bem mais sucedida foi a [ovelha] Dolly, que, mesmo assim, morreu precocemente. Aqui no Brasil, um grupo de veterinários clonou um bezerro, e a placenta ficou tão grande que matou a própria mãe."
Mayana ironizou a Clonaid, empresa ligada ao grupo religioso dos raelianos, que anunciou no final do ano passado o nascimento de um suposto clone humano. Segundo a cientista brasileira, eles ajudaram a confundir a população mundial e a criar resistência às experiências genéticas.
"Foi terrível. Queriam só espaço para aparecer. Não acredito que tenham feito qualquer experiência na área genética. Eles chegaram ao ponto de anunciar que você poderia ter um corpo novo mantendo a mente do velho, e anunciaram para venda até aparelhos de clonagem pelo site do grupo", disse.
Fins diferentes
No manifesto lançado hoje, as sociedades científicas recomendam às Nações Unidas o banimento da clonagem reprodutiva, mas pedem que seja permitida a clonagem terapêutica, usada na pesquisa de tratamentos para doenças degenerativas, como o mal de Parkinson.
Como a clonagem reprodutiva, a terapêutica também lança mão da técnica de transferência nuclear --a remoção do núcleo de um óvulo e sua substituição pelo material genético de uma célula de um organismo adulto. Mas, nesse caso, o embrião obtido não passa da fase de blastocisto, a bola de células que se desenvolve até o quinto ou sexto dia depois da fusão celular.
O embrião é então desfeito para a retirada de células-tronco, que têm a capacidade de se diferenciar em centenas de outros tipos de célula (daí sua utilidade na pesquisa de terapias). Não há implantação do embrião no útero.
Academia quer clonagem de volta à pauta do Senado
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da Folha Online, no Rio
A Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das 63 sociedades científicas de todo o mundo que lançaram ontem um manifesto pela proibição da clonagem reprodutiva, quer a clonagem terapêutica de volta à pauta do Senado Federal.
O Brasil encabeça as negociações internacionais: entre os seis cientistas que produziram o documento à ONU (Organização das Nações Unidas) está Mayana Zatz, titular da cadeira de genética do Instituto de Biociências da USP e membro da ABC.
Zatz cobrou hoje um posicionamento do governo Lula, que até agora não se manifestou sobre o assunto. No final do ano passado, o Senado discutiu projeto de lei para proibir todas as formas de clonagem humana e reforçar a lei 8.974, de janeiro de 1995, conhecida como Lei de Biossegurança, que veda a "manipulação genética de células germinais humanas" e trata essa prática como crime.
Ciência e religião
No Brasil, segundo Zatz, a Igreja Católica mantém forte pressão para impedir a aprovação da legislação, embora os estudos nessa área estejam avançados, principalmente na iniciativa privada, em clínicas de fertilização. A pesquisadora citou outras religiões que já se manifestaram a favor, como os adventistas, judeus, espíritas, umbandistas, entre outras.
Ela citou países que já aprovaram legislação que permite a clonagem terapêutica, como nações da União Européia, a Austrália, o Canadá e Israel. Com relação aos Estados Unidos, a pesquisadora garante que a continuação das pesquisas é uma unanimidade entre os cientistas e também entre boa parte da população.
A cientista brasileira também criticou as posições do papa João Paulo 2º e do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. "Temos que ouvir os parentes das pessoas que dependem dos avanços das pesquisas para sobreviver ou minimizar sofrimentos", afirmou. "A Igreja é contra tudo que envolva a questão da reprodução. E o presidente George Bush, que agora se diz preocupado com a vida dos embriões, aumentou a pena de morte naquele Estado quando foi governador da Califórnia."
Embriões descartados
A cientista explicou que a proposta brasileira envolve a pesquisa com células-tronco, principalmente para a produção de órgãos para transplante, e a utilização dos milhares de embriões descartados pelas clínicas de fertilização. "A sobra vai para o lixo. Se as famílias autorizassem, poderíamos trabalhar com embriões de 72 horas até 14 dias, como já ocorre na Europa", afirmou.
Mayana negou que, hoje, a ciência seja capaz de clonar um ser humano. "Não é nem por questões éticas, mas pela eficiência, que é baixíssima", disse. "Os seres que conseguem nascer têm problemas logo em seguida, ou mais tarde. Nesses seis anos, a bem mais sucedida foi a [ovelha] Dolly, que, mesmo assim, morreu precocemente. Aqui no Brasil, um grupo de veterinários clonou um bezerro, e a placenta ficou tão grande que matou a própria mãe."
Mayana ironizou a Clonaid, empresa ligada ao grupo religioso dos raelianos, que anunciou no final do ano passado o nascimento de um suposto clone humano. Segundo a cientista brasileira, eles ajudaram a confundir a população mundial e a criar resistência às experiências genéticas.
"Foi terrível. Queriam só espaço para aparecer. Não acredito que tenham feito qualquer experiência na área genética. Eles chegaram ao ponto de anunciar que você poderia ter um corpo novo mantendo a mente do velho, e anunciaram para venda até aparelhos de clonagem pelo site do grupo", disse.
Fins diferentes
No manifesto lançado hoje, as sociedades científicas recomendam às Nações Unidas o banimento da clonagem reprodutiva, mas pedem que seja permitida a clonagem terapêutica, usada na pesquisa de tratamentos para doenças degenerativas, como o mal de Parkinson.
Como a clonagem reprodutiva, a terapêutica também lança mão da técnica de transferência nuclear --a remoção do núcleo de um óvulo e sua substituição pelo material genético de uma célula de um organismo adulto. Mas, nesse caso, o embrião obtido não passa da fase de blastocisto, a bola de células que se desenvolve até o quinto ou sexto dia depois da fusão celular.
O embrião é então desfeito para a retirada de células-tronco, que têm a capacidade de se diferenciar em centenas de outros tipos de célula (daí sua utilidade na pesquisa de terapias). Não há implantação do embrião no útero.
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