Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
11/09/2005 - 09h06

Tráfico e conflitos impõem 155 "feriados" no Rio

Publicidade

SÉRGIO COSTA
da Folha de S.Paulo

Ordens do tráfico e conflitos com a polícia ou entre facções rivais decretaram 155 "feriados" do início de 2004 até o mês passado em escolas de favelas do Rio. O número é a soma dos dias em que alunos, professores e supervisores ficaram sem aulas em 24 pontos de 16 favelas atendidas pelo Programa de Aumento de Escolaridade (PAE), realizado pela prefeitura em parceria com ONGs em mais de 70 comunidades.

A de "arma", B de "bala perdida", C de "comandos" (Comando Vermelho, Terceiro Comando, que identificam organizações criminosas em guerra) formam o alfabeto que atrasa o projeto destinado a agilizar o aprendizado de quem volta às aulas depois de anos (adultos semi-alfabetizados) e adiantar de série jovens defasados em relação à idade.
Relatório do Cieds (Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável) --uma das cinco ONGs que implementam o PAE-, chamado "Mapa da Violência" revela como a rotina de violência interfere nas ações sociais em comunidades carentes e faz um retrato do dia-a-dia de professores e alunos em meio ao fogo cruzado de traficantes e policiais.

O levantamento, feito em 24 pontos nos quais há --ou havia-- aulas sob responsabilidade do Cieds classifica o grau de risco e lista os principais problemas de cada turma.

O Cieds treina professores, supervisores e desenvolve o programa em convênio com a Prefeitura do Rio, num projeto que envolve 5.000 pessoas, entre profissionais e alunos, e já atendeu a 16.990 pessoas desde 2000, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social. As outras organizações que atuam no PAE são o Viva Rio, DC Brasil, Amebrás e Alfabetização Solidária.

Desfile mórbido

A questão da segurança tornou-se ainda mais grave em 2005. Em razão disso, o projeto teve que ser cancelado em sete dos locais sob responsabilidade do Cieds.

Por causa da violência, a ONG tem sido obrigada, além de reduzir e cancelar turmas, a antecipar horários do fim das aulas --geralmente à noite-- e dar apoio psicológico a alunos e professores traumatizados com as cenas que presenciam quase que diariamente nesses locais.

No morro da Serrinha, por exemplo, um dos mais tradicionais da cidade, berço da escola de samba Império Serrano, as aulas foram suspensas depois que traficantes da favela decapitaram um homem há duas semanas.
"Eles desfilaram pela comunidade em uma motocicleta exibindo a cabeça dele, apontado como um delator, e queimaram seu corpo perto da escola.

Os moradores ficaram traumatizados. Os alunos entraram em depressão após terem visto a cena", relatou à Folha Márcia Pinto, uma das coordenadoras do projeto.

Lila Secrem, coordenadora-geral do programa, conta que, a cada vez que ocorre algo assim, a própria volta às aulas é prejudicada durante alguns dias.

"Os moradores, traumatizados, ficam dispersos e só querem comentar os acontecimentos. É preciso parar as aulas e ouvir o que têm para falar e desabafar", analisa a coordenadora-geral.

Os professores são orientados a dar espaço para os alunos expressarem seus problemas e a não comentar fora dali sobre o que viram e ouviram no cotidiano.

"É uma forma de garantir a cumplicidade entre alunos e professores, o que, numa área de risco, só se dá em cima de uma relação de confiança, já que está em jogo a própria sobrevivência deles", explica Lila.

Violência e evasão

Para os alunos aos quais o programa facilita a volta aos estudos, por serem atendidos dentro da comunidade onde vivem, a suspensão das aulas é um estímulo à evasão. Acostumados à "lei do silêncio", imposta pelo tráfico, eles não falam sobre a violência que presenciam diariamente.
Preferem ressaltar a importância do aprendizado e a dificuldade que enfrentam nas provas.

"A última de matemática estava muito difícil. Havia umas divisões com resultados fracionados. Tudo muito complicado", conta a costureira Ivonete Alfredo de Souza, 43, aluna da 5ª e 6º série do posto da rua Tavares Bastos, morro Santo Amaro, no bairro do Catete, que estava havia 12 anos sem freqüentar a escola.

Êxodo

"Esse projeto custa em torno de R$ 1,6 milhão por ano. Em 2004, ficamos praticamente um terço do tempo sem poder executar o programa em cerca de 25% das comunidades. O êxodo é muito alto, pelo menos 30% desistem por medo de freqüentar as aulas, pelo desestímulo com os dias parados e pela falta de expectativa de ganho com o término do curso.

Isso porque há uma falta de perspectiva geral e um enorme desrespeito à vida tanto pelo tráfico quanto pela polícia", analisa o economista Vandré Brilhante, secretário-executivo do Cieds.

Leia mais
  • Para prefeito, crime não incomoda professores no Rio

    Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre criminalidade no Rio
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página