14/02/2006 - 10h06

Gestão Serra leva claque em ônibus oficial

FABIO SCHIVARTCHE
da Folha de S.Paulo

Um ônibus da Prefeitura de São Paulo foi utilizado na tarde de ontem para transportar moradores da zona leste da cidade para um evento público do prefeito José Serra --cotado para disputar a Presidência da República pelo PSDB na eleição de outubro.

O evento era uma pré-inauguração, segundo palavras do próprio prefeito, e as pessoas foram trazidas pela Subprefeitura de Itaquera de um posto de assistência social para aplaudir e engrossar o coro de agradecimentos a Serra.

Em meio a faixas confeccionadas por entidades de bairro e ao som de uma fanfarra organizada pela obra social Dom Bosco, que tem convênios com a gestão tucana, esses moradores ovacionaram o prefeito diversas vezes, antes, durante e depois de seu discurso.

A Folha entrevistou três pessoas desse grupo, que optaram por não informar seus nomes. Uma dona-de-casa que levava seu filho de dois anos no colo disse que estava no posto da prefeitura para retirar leite em pó quando foi abordada por funcionários.

Eles a convidaram a participar do evento e ofereceram condução no ônibus oficial da subprefeitura, com placas BYG 0688.

Um homem que também estava no posto da prefeitura diz que lhe ofereceram uma cesta básica para ir ao evento. Uma outra mulher disse que nem sabia para onde estava sendo levada. Mas que aceitou entrar na condução após insistentes pedidos dos servidores do posto da prefeitura.

Na noite de ontem, a assessoria do prefeito afirmou que ele se mostrou surpreso com o uso de um veículo oficial para transportar pessoas para o evento e que isso não condiz com a prática de sua administração.

Já a coordenadora da área de desenvolvimento social do posto municipal, Alcione Borner Santos, diz que apenas "deu carona" para moradores da região que estavam indo a pé ao evento. "Alguns [moradores] foram porque queriam parabenizar o prefeito, tirar foto com ele", afirma a servidora.

Sobre o fato de cinco funcionários do posto de assistência social terem ido à pré-inauguração de uma obra viária, a diretora de comunicação da subprefeitura, Mariana Antunes, diz: "Independentemente da benfeitoria, a gente se une para recepcionar o prefeito".

Sobe-e-desce

Após Serra deixar o evento, o ônibus voltou ao local para recolher os servidores e os moradores da região. Quando eles entraram no veículo, repórteres que acompanhavam o prefeito aproximaram-se e perguntaram o que estava acontecendo. Alcione Santos pediu, então, que os moradores descessem do ônibus e voltassem a pé para o posto --distante cerca de 4 km do local do evento.

Foi nesse momento que a Folha conversou com a mulher que carregava seu filho nos braços. Irritada, disse que teria de voltar a pé para casa porque não tinha dinheiro para pegar um ônibus. "É a última vez que venho num troço assim. Tenham misericórdia."

Minutos depois o ônibus da subprefeitura manobrou no canteiro de obras e recolheu ela e os outros moradores novamente, levando-os para o posto da prefeitura, de onde saíram horas antes.

A "pré-inauguração" de ontem foi a interligação de dois túneis que unirão os dois trechos da Radial Leste que hoje estão separados pelos trilhos dos trens metropolitanos. A obra deve estar concluída em 45 dias.

Outro lado

Alcione Borner Santos, a responsável por assinar o ofício que solicitou o ônibus da subprefeitura, nega que tenha montado uma claque para aplaudir o prefeito José Serra.

"Estávamos indo para o evento e encontramos essas pessoas no caminho. Oferecemos carona. E elas, de bom grado, aceitaram", afirma Santos.

Ela diz que, apesar de o evento ter sido somente uma pré-inauguração, os moradores do bairro sabiam da visita do prefeito. "Divulgamos a presença do Serra para que as pessoas pudessem prestigiá-lo."

Questionada sobre o motivo de esses moradores terem sido retirados de dentro do ônibus da subprefeitura logo após repórteres terem notado a presença do veículo oficial, Santos disse: "Eles até poderiam voltar de carona conosco, mas vocês [a imprensa] ficaram criando uma situação complicada".

O secretário das Subprefeituras, Walter Feldman, diz que vai averiguar possíveis irregularidades --o uso da máquina pública para favorecer um político que pode ser candidato à Presidência. Serra até hoje não se posicionou como pré-candidato. "Somos contra qualquer prática que envolva o uso da máquina. Houve ingenuidade, e não má-fé, dos funcionários", afirmou Feldman.

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