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18/05/2006
-
09h31
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
Ao mesmo tempo em que o corpo do estudante Paulo Ricart do Vale, 17, saía do hospital de Ermelino Matarazzo (zona leste) rumo ao IML, às 15h30 de anteontem, sua mãe, vítima de derrame cerebral, tinha alta do mesmo hospital após um mês de internação.
Sem andar, sem falar e usando sonda para se alimentar, a mãe passou o dia de ontem agitada, chorando e tentando balbuciar o nome do filho morto. À sua volta, uma geladeira que não funciona, armários sem portas e um banheiro sem descarga.
Para a polícia, Paulo era ligado ao PCC e, a mando do comando, atacaria, com Jonathan Roberto Farias, de 19 anos, duas bases da PM --em São Miguel e na Vila Santa Terezinha. Ambos foram mortos por policiais militares após suposta resistência à abordagem. Paulo estaria com uma arma de numeração raspada e Farias com um revólver. Apreendidas, as duas armas estavam intactas.
Para as 150 pessoas, entre familiares e amigos, que acompanharam ontem o enterro de Paulo, no cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, o garoto era educado, estudava, cuidava da mãe doente e o único erro foi ter sido usuário de drogas e, eventualmente, andar em "más companhias", segundo descrição do pai, o cozinheiro Antônio Ricardo do Vale, 48, que sustenta a família com R$ 500 mensais.
"Meu filho nunca roubou nada e nunca pegou em uma arma. Nossa família é pobre, mas é honesta. Ele nunca chegou com dinheiro em casa. A polícia está forjando essa história de ligação com o PCC", afirmou Vale, chorando. Há um mês, Paulo teve uma passagem pelo Conselho Tutelar por porte de drogas. Não chegou a ser levado para a Febem.
No próximo dia 21, se apresentaria ao conselho para assistir a uma palestra e acertar o cumprimento da pena: prestação de serviço à comunidade e pagamento de cesta básica. "No domingo ele se ajoelhou diante de mim e disse que nunca mais iria me dar trabalho. Era um garoto obediente, o mais amoroso dos filhos."
Segundo Vale, Paulo saiu de casa às 9h de segunda-feira, de chinelos e sem documentos, com a namorada. No meio da tarde, ligou no celular da irmã dizendo para ela não se preocupar porque ele voltaria logo.
Depois disso, a família não teve mais notícias. Soube da morte na manhã do dia seguinte e conseguir ver o corpo no IML no início da noite de anteontem.
"De pobre que sou, fiquei ainda mais pobre. Tiraram um pedaço de mim. Estou há 40 anos em São Paulo. É só sofrimento", afirmou Antônio Vale, ainda chorando, amparado por familiares.
O ajudante-geral Alex, 24, irmão mais velho de Paulo, conta que, além dos tiros no tórax, o corpo do irmão tinha ferimentos no rosto. "Eles não nos deixaram chegar perto do corpo e não tivemos acesso ao BO. Soubemos dos detalhes do crime pela imprensa."
Alex estranha a versão da policiais: "Eles dizem que houve resistência, mas as duas armas supostamente encontradas com eles estavam intactas, nenhum projétil deflagrado. Dizem que acharam um bilhete do PCC na meia dele, e ele saiu de casa de chinelos. Dizem que eles iriam atacar uma das bases da PM às 4h e eles foram mortos às 5h, sem nenhum ataque registrado. Nada bate".
O médico Alcides Silva conta que conhece a família Vale há 20 anos e que ficou chocado com a morte de Paulo. "Vi esses meninos crescerem. É gente honesta, trabalhadora, que leva uma vida miserável. Essa ligação do Paulo com o PCC me parece absurda", relatou Silva, que acompanhava ontem à tarde o enterro do rapaz.
A mesma opinião foi relatada por outras 15 pessoas entrevistadas pela Folha, a maioria vizinha da família, que mora há dois anos em um área invadida de Engenheiro Goulart, bairro da zona leste paulistana.
Segundo a assessoria da Secretaria da Segurança Pública do governo estadual, se houver uma acusação específica aos policiais militares que participaram da ação, a família de Paulo deve denunciar o caso à Ouvidoria da PM para que seja investigado.
De qualquer forma, conforme a secretaria, o delegado já solicitou uma série de exames, entre eles o residuográfico, que poderá atestar se houve abuso da polícia.
Para a secretaria, o fato de as armas estarem intactas não inviabiliza a versão dos policiais de que houve resistência dos rapazes. Segundo os PMs envolvidos na ação, os rapazes teriam apontado as armas em direção a eles, o que teria motivado a reação.
Quanto ao bilhete que estaria na meia de Paulo, a polícia diz que o papel foi encontrado por uma enfermeira do hospital, onde o rapaz já chegou morto.
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Para família de morto, elo com PCC é ficção
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da Folha de S.Paulo
Ao mesmo tempo em que o corpo do estudante Paulo Ricart do Vale, 17, saía do hospital de Ermelino Matarazzo (zona leste) rumo ao IML, às 15h30 de anteontem, sua mãe, vítima de derrame cerebral, tinha alta do mesmo hospital após um mês de internação.
Sem andar, sem falar e usando sonda para se alimentar, a mãe passou o dia de ontem agitada, chorando e tentando balbuciar o nome do filho morto. À sua volta, uma geladeira que não funciona, armários sem portas e um banheiro sem descarga.
Para a polícia, Paulo era ligado ao PCC e, a mando do comando, atacaria, com Jonathan Roberto Farias, de 19 anos, duas bases da PM --em São Miguel e na Vila Santa Terezinha. Ambos foram mortos por policiais militares após suposta resistência à abordagem. Paulo estaria com uma arma de numeração raspada e Farias com um revólver. Apreendidas, as duas armas estavam intactas.
Para as 150 pessoas, entre familiares e amigos, que acompanharam ontem o enterro de Paulo, no cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, o garoto era educado, estudava, cuidava da mãe doente e o único erro foi ter sido usuário de drogas e, eventualmente, andar em "más companhias", segundo descrição do pai, o cozinheiro Antônio Ricardo do Vale, 48, que sustenta a família com R$ 500 mensais.
"Meu filho nunca roubou nada e nunca pegou em uma arma. Nossa família é pobre, mas é honesta. Ele nunca chegou com dinheiro em casa. A polícia está forjando essa história de ligação com o PCC", afirmou Vale, chorando. Há um mês, Paulo teve uma passagem pelo Conselho Tutelar por porte de drogas. Não chegou a ser levado para a Febem.
No próximo dia 21, se apresentaria ao conselho para assistir a uma palestra e acertar o cumprimento da pena: prestação de serviço à comunidade e pagamento de cesta básica. "No domingo ele se ajoelhou diante de mim e disse que nunca mais iria me dar trabalho. Era um garoto obediente, o mais amoroso dos filhos."
Segundo Vale, Paulo saiu de casa às 9h de segunda-feira, de chinelos e sem documentos, com a namorada. No meio da tarde, ligou no celular da irmã dizendo para ela não se preocupar porque ele voltaria logo.
Depois disso, a família não teve mais notícias. Soube da morte na manhã do dia seguinte e conseguir ver o corpo no IML no início da noite de anteontem.
"De pobre que sou, fiquei ainda mais pobre. Tiraram um pedaço de mim. Estou há 40 anos em São Paulo. É só sofrimento", afirmou Antônio Vale, ainda chorando, amparado por familiares.
O ajudante-geral Alex, 24, irmão mais velho de Paulo, conta que, além dos tiros no tórax, o corpo do irmão tinha ferimentos no rosto. "Eles não nos deixaram chegar perto do corpo e não tivemos acesso ao BO. Soubemos dos detalhes do crime pela imprensa."
Alex estranha a versão da policiais: "Eles dizem que houve resistência, mas as duas armas supostamente encontradas com eles estavam intactas, nenhum projétil deflagrado. Dizem que acharam um bilhete do PCC na meia dele, e ele saiu de casa de chinelos. Dizem que eles iriam atacar uma das bases da PM às 4h e eles foram mortos às 5h, sem nenhum ataque registrado. Nada bate".
O médico Alcides Silva conta que conhece a família Vale há 20 anos e que ficou chocado com a morte de Paulo. "Vi esses meninos crescerem. É gente honesta, trabalhadora, que leva uma vida miserável. Essa ligação do Paulo com o PCC me parece absurda", relatou Silva, que acompanhava ontem à tarde o enterro do rapaz.
A mesma opinião foi relatada por outras 15 pessoas entrevistadas pela Folha, a maioria vizinha da família, que mora há dois anos em um área invadida de Engenheiro Goulart, bairro da zona leste paulistana.
Segundo a assessoria da Secretaria da Segurança Pública do governo estadual, se houver uma acusação específica aos policiais militares que participaram da ação, a família de Paulo deve denunciar o caso à Ouvidoria da PM para que seja investigado.
De qualquer forma, conforme a secretaria, o delegado já solicitou uma série de exames, entre eles o residuográfico, que poderá atestar se houve abuso da polícia.
Para a secretaria, o fato de as armas estarem intactas não inviabiliza a versão dos policiais de que houve resistência dos rapazes. Segundo os PMs envolvidos na ação, os rapazes teriam apontado as armas em direção a eles, o que teria motivado a reação.
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