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tecnologia social
04/11/2004

TECBOR resgata a exploração do látex na Amazônia

O sol ainda nem se levantou quando os primeiros seringueiros da Amazônia chegam à floresta, as 4h da manhã. É hora de se embrenhar pelas trilhas de suas colocações – como chamam os trechos de seringais formados em média por 150 árvores. Cada trabalhador tem três ou quatro colocações para “sangrar” por dia. A sangria é o processo de retirada do leite que brota destas árvores, que na verdade é o próprio látex. Os seringueiros, em geral, partem sozinhos para sua cruzada diária. Na floresta os obstáculos são muitos: onças pintadas, igarapés e muitas árvores. O facão e a escopeta são as companhias mais freqüentes e a intimidade com a mata é tanta que os seringueiros não se perdem jamais. “É mais fácil um homem se perder na cidade grande do que um seringueiro na floresta”, brinca Antônio Batista de Araújo, de Assis Brasil, no Acre, ex-seringueiro que hoje aplica o projeto TECBOR.

O trabalho na floresta termina por volta das 16h. Logo depois o látex é processado para se transformar em borrachas escolares, preservativos, mouse pads, peças para computadores e automóveis. E é nesta fase que entra o projeto TECBOR, sigla de Tecnologia Alternativa para Produção de Borracha na Amazônia. Desenvolvido desde 1997 pelo Laboratório de Tecnologia Química da Universidade de Brasília (UnB), o Projeto TECBOR recebeu em 2001 o troféu de excelência em tecnologias sociais da Fundação Banco do Brasil (FBB). Em 2003, a técnica passou a ser disseminada entre associações e grupos de seringueiros, graças a uma parceria da FBB com a UnB e o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar.

Ao aderirem ao TECBOR, as famílias dos seringueiros recebem kits com material necessário para o processamento da borracha. A principal evolução foi a adoção de um coagulante formado por um ácido pirolenhoso, resultante da carbonização da madeira. Após dissolução em água e filtragem, o látex é misturado ao coagulante. Em seguida, a borracha seca ao ar livre. Antes da TECBOR, a borracha era defumada, o que contribuía com a poluição atmosférica e prejudicava a saúde dos seringueiros por causa da exposição à fumaça. Além disso, a queima de madeira implicava na derrubada de árvores.

“O ácido pirolenhoso é uma espécie de fumaça líquida. O forno à lenha é vedado e no contato com essa barreira, a fumaça se transforma no ácido”, explicou João Abílio Diniz, técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Roraima (Emater-RO), que há cinco meses treina e monitora um grupo de 25 seringueiros da cidade de Ariquemes, interior do Estado.

O novo coagulante também impede a ação de fungos. Feita a mistura, a solução é distribuída em bandejas e prensada manualmente para ser pendurada em varais. Depois de dois dias de secagem, a borracha está pronta para ser vendida. O resultado é um produto de qualidade bem superior ao produzido anteriormente. Na hora da venda para as usinas, a Folha de Defumação Líquida (FDL), como é chamada a nova borracha, vale mais que o dobro do produto fabricado sem o coagulante.

“Se antes os seringueiros tiravam R$ 1,30 por quilo de borracha, com o TECBOR eles passaram a vender o quilo por R$ 3,60. Hoje, por mês, podem lucrar mais de R$ 1.000. Agora, eu vejo entusiasmo nestes trabalhadores. Estamos resgatando uma atividade que estava perdendo terreno“, contou João Abílio.

Trabalho na floresta
A atividade dos seringueiros é considerada ecologicamente correta porque as árvores não sofrem como a extração e, ao contrário, passam a fabricar ainda mais látex após a sangria. Um calendário de extração também ajuda a manter a saúde das seringueiras. Por causa desse respeito dos seringueiros pela floresta, a sociedade passou a enxergar na atividade extrativista não um meio de exploração da natureza e sim de conservação.

A extração de látex no Brasil começou no fim do século 19. O primeiro grande boom da borracha no país ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. A produção passou a ser incentivada pelo governo federal, mas com o fim da guerra, a atividade acabou voltando ao anonimato. Na década de 1970, os fazendeiros tomaram posse de terras na Amazônia, expulsando os seringueiros e desmatando a floresta. Com o conflito, surgiram os sindicatos e cooperativas de seringueiros, liderados por grandes nomes como o de Chico Mendes.

Em outubro de 1985, Chico Mendes ajudou a criar o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e sua luta passou a ganhar repercussão nacional e internacional, sobretudo devido ao surgimento da proposta de União dos Povos da Floresta, um documento reivindicatório, visando a união de índios, trabalhadores rurais e seringueiros em defesa da preservação da Floresta Amazônica e da criação de reservas extrativistas. Em 1888, depois de ser premiado pela ONU com o Global 500 pelo trabalho desenvolvido, Chico Mendes viu as primeiras reservas extrativistas sendo criadas no Brasil. Em 22 de dezembro daquele ano, sua luta foi interrompida, com o seu assassinado na porta de casa..

As novas tecnologias
Hoje, além do FDL, um tipo de borracha mais complexo é fabricado pelos seringueiros: a Folha Semi Artefato (FSA). Segundo Floriano Pastore, professor da Unb, coordenador e idealizador do projeto TECBOR, o processo de produção da FSA é semelhante ao da FLD, com a diferença que ao invés do coagulante pirolhenhoso, a borracha recebe enxofre para ser vulcanizada. Depois de colorida, a FSA fica pronta para a fabricação de pequenas peças.

“A FSA exclui a indústria. Ela permite que os seringueiros produzam eles mesmos artefatos simples, como borrachas de escola, peças para mouse e para automóveis”, explica Floriano.

Segundo levantamento da FBB, ao todo no Brasil 220 famílias dos estados de Acre, Rondônia, Pará e Amazonas estão habilitadas a processar o látex com a TECBOR. Floriano Pastore acredita que este número seja maior. Segundo ele, metade produz a FSA. Em janeiro de 2005, a FBB, em parceria com o Ibama, a UnB e o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar vai capacitar e oferecer treinamento a mais 210 famílias.

Para Pastore, o maior benefício do novo processamento é fixar os seringueiros na floresta. “O TECBOR devolve a dignidade ao homem da Amazônia. Com a técnica do TECBOR, ele continua seu trabalho de guardião da mata visando sua própria sobrevivência. São os seringueiros que vão permitir que tantos recursos não sejam destruídos. Da floresta, eles vão tirar seu sustento, seus remédios. Não adianta termos uma riqueza tão grande e não sabermos utilizá-la”, conclui.

DANIELLE CHEVRAND
da Fundação Banco do Brasil

 
 
 

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