Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
13/02/2007 - 03h25

Leia entrevista com Octavio de Barros, do Bradesco, sobre política cambial

Publicidade

da Folha de S.Paulo

Confira abaixo a íntegra da entrevista com o economista Octavio de Barros, diretor de Pesquisa Macroeconômica do Bradesco, concedida ao colunista Vinicius Torres Freire, sobre a política cambial.

Folha - As taxas de juros reais e a diferença entre taxas de juros reais (Brasil x títulos EUA) caem há mais de um ano. Mas o ritmo de apreciação do real apenas desacelerou (mais ou menos a partir de meados de 2006). Se o diferencial de juros é relevante para a apreciação do real, quando então ocorreria o efeito retardado dessa redução dos juros sobre a taxa de câmbio? Ou outro fator estaria contém o efeito da redução do diferencial de juros sobre o câmbio? Tal fator seria a calmaria financeira mundial e a melhora de certos 'fundamentos' brasileiros (desdolarização da dívida, nível de reservas, estabilidade etc, reduzem a percepção de risco, ao mesmo tempo em que há muita liquidez no planeta e alternativas insuficientes de rentabilidade alta)?

Octavio de Barros - O diferencial de juros entre o Brasil e outros países, como o caso dos EUA, não é o motivo/explicação para a apreciação do real. Se imaginarmos um suposto cenário em que a taxa de juros estivesse hoje em 10%, a tendência para a taxa de câmbio ainda seria de apreciação caso a balança comercial continuasse em um patamar US$ 45 bilhões em 2007. Como costumo dizer, tudo que é bom aprecia câmbio. Ou seja, tudo o que melhora os fundamentos do país, contribui para uma tendência de apreciação do câmbio (queda do risco país, por exemplo). Não há como, portanto, reclamar que o risco país caiu, as exportações subiram, os preços externos de nossos produtos aumentaram nos últimos anos, as empresas e demais investidores estão interessados em fazer investimentos no país e a inflação está sob controle. O fluxo no mercado de câmbio deve ser dividido em alguns componentes: saldo comercial e demais itens do conta corrente (juros, dividendos e viagens internacionais, por exemplo), o ingresso de investimento estrangeiro direto, o ingresso de recursos para o mercado de ações e títulos público (principalmente) e privados. Adicionalmente, temos as operações nos mercados futuros de câmbio. Como disse, o ingresso no primeiro bloco está ocorrendo devido às melhores perspectivas para o país: inclusive o ingresso para a compra de títulos públicos (a grande parte é de longo prazo) é motivada pela expectativa de redução dos juros e pela visão de estabilidade/apreciação da taxa de câmbio. O que o diferencial de juros entre Brasil e outros países faz é tornar mais 'baratas' as chamadas operações de carry-trade, que consistem em tomar recursos em alguma moeda (por exemplo, o iene) e aplicar os recursos em ativos com maior retorno e cujo moeda possui potencial de valorização. Tais operações ocorrem, em sua maior parte, nos mercados futuros de dólar. Contudo, vale destacar que o fundamento para tais operações é o mesmo que o citado acima: uma posição extremamente confortável do balanço de pagamentos que leva à perspectiva de apreciação da moeda (de outro forma, são os fundamentos que causam as operações nos mercados futuros).

Assim, é a mudança da posição do balanço de pagamentos (com a maior abertura da economia) ao longo do tempo que será o principal fator para fazer com que a taxa de câmbio saia de sua tendência de valorização. É claro que uma taxa de juros suficientemente baixa poderia tornar desinteressante o carry-trade, mas seria incompatível com a inflação na meta e implicaria em uma elevação abrupta das importações. Ajustar os juros para evitar a apreciação é deixar de ajustá-los para que cumpram seu papel, que é o de controlar a inflação.


Folha - Concorda que o acúmulo de reservas cambiais (redução da 'vulnerabilidade externa'), tudo mais constante, reforça a tendência de apreciação do real?

Octavio de Barros - Vamos analisar duas opções que poderiam ter sido seguidas desde o final de 2004 e, de forma mais importante, 2005: (1) o BC não compra reservas e (2) compras de reservas como aquelas efetuadas. Claramente, sem qualquer compra de reservas (mais precisamente, poderíamos considerar uma compra de reservas apenas no montante necessário para impedir que elas caíssem) os fluxos do balanço de pagamentos deveriam ajustar-se, o que significaria uma apreciação mais rápida da taxa de câmbio do que aquela que foi verificada (talvez uma taxa de câmbio que poderia estar em R$ 1,90). Por outro lado, o risco de uma reversão desse movimento (ou seja, de depreciação) seria bastante considerável, uma vez que não existiria o 'seguro' contratado por um nível elevado de reservas. Portanto, acumular reservas reduziu a velocidade de apreciação do real.

De outro lado, um nível elevado de reservas reduz a volatilidade do câmbio no curto e no médio prazo. Nesse sentido, cria uma situação de maior estabilidade cambial e garante que a taxa de câmbio permaneça mais próxima de seu valor de equilíbrio. No caso atual, esse equilíbrio é encarado como um 'patamar apreciado'.

Folha - Como a queda de juros e o acúmulo de reservas não contiveram, por ora ao menos, a apreciação do real, qual seria então o nível de intervenção (em juros e/ou reservas) necessário para ao menos estabilizar a taxa de câmbio? Tal nível de intervenção existe ou seria praticável, dadas as atuais condições da economia e das contas públicas?

Octavio de Barros - Não há motivo para perseguir um objetivo dessa natureza, portanto, a meu ver não se deve pensar em nível de intervenção ou de juros para conter a apreciação do câmbio. O papel das intervenções deve ser o de suavizar os movimentos da taxa de câmbio, para evitar passar falsos sinais de preços para os exportadores, importadores e demais empresas e indivíduos. Sabemos que o processo de ajuste na produção de bens e serviços é lento (existem, por exemplo, muitos contratos de médio e longo prazos que não podem ser alterados), portanto, é saudável que haja previsibilidade da taxa de câmbio.

É importante lembrar o que a apreciação do câmbio significa: quer dizer que estamos ampliando as possibilidades de investimento e de consumo da economia. A hora de trabalho das pessoas compra mais bens e serviços e as empresas podem investir mais.

Folha - Se o 'canal financeiro' é muito relevante na valorização do real, é possível imaginar uma redução de juros forte e rápida o bastante para reduzir o influxo de capitais (e, pois, a apreciação do real) que, ao mesmo tempo, seja compatível com a meta de inflação (tudo mais constante, crescimento econômico e contas fiscais mais ou menos dentro das expectativas atuais)?

Octavio de Barros - Acho que essa pergunta acabou sendo abordada na discussão acima. Contudo, mesmo no caso de um BC que passasse a perseguir o objetivo de segurar o câmbio com os juros, isso somente poderia ocorrer com o risco de aumento da inflação. O efeito dos juros sobre o câmbio deve ocorrer no médio prazo ao elevar (o que já está ocorrendo) a demanda interna e reduzir gradualmente o saldo comercial. Para desvalorizar a moeda em termos nominais seria até fácil (apesar de absolutamente indesejável): é só provocar aumento da inflação. Não é possível, entretanto, controlar a taxa de câmbio real. Não nos é dado esse direito.

Folha - O Brasil do real ainda teria uma 'commodity currency' ou algo próximo disso?
Octavio de Barros - Devido à participação importante de commodities na pauta de exportações, o real é sim correlacionado com os preços das commodities. Contudo, o termo 'commodity currency' é mais apropriado para descrever países cuja pauta de exportações é muito concentrada (por exemplo, um país cuja pauta depende quase exclusivamente do petróleo ou do cobre). Muitas vezes falar em commodities acaba por subestimar a diferença de comportamento entre os produtos. Por exemplo, a queda recente do cobre afeta os índices de commodities que costumam ser observados pelo mercado, mas não afetam em absolutamente o saldo comercial brasileiro (até ajudam por falar nisso). Apesar da importância das commodities para nossas exportações (cerca de 50%), a pauta é extremamente diversificada dentre desse conjunto de produtos primários.

Folha - Se considera que o saldo comercial é muito relevante na valorização do real, o que esperar de uma queda do superávit na balança? Nessa hipótese, haveria decerto desvalorização relevante do real. Qual o risco de inflação 'cambial' decorrente de uma piora nos termos de troca e/ou de uma redução do saldo devida a crescimento econômico maior? O risco de repasse ('pass through') da depreciação para a inflação ainda é alto?
Octavio de Barros - O cenário para a balança comercial é de redução gradual do saldo: prevemos US$ 42 bilhões em 2007 e US$ 38 bilhões em 2008. Para o saldo em conta corrente, prevemos 0,95% do PIB em 2007 e 0,10% do PIB em 2008. Isso não deverá provocar desvalorização substancial do câmbio, com o mais provável sendo uma estabilidade do câmbio real.

Folha - Estamos presos à alternativa 'ou real forte ou inflação maior'?
Octavio de Barros - Existem outras medidas para aproveitar a oportunidade aberta pela maior disposição de investir no Brasil: (1) tomar as medidas necessárias para ampliar o investimento doméstico, que já acelerou; (2) aproveitar para aumentar a liberdade cambial e (3) mais importante, ampliar o grau de abertura da economia brasileira. O investimento produtivo estrangeiro e doméstico aumentaria de forma notável e o Brasil se demarcaria dos países que estão andando para trás na América Latina.

Folha - O debate sobre a sobrevalorização do real tende a ser retórico e politizado (no mau sentido). Mas há quem diga que a sobrevalorização do real ainda não afeta criticamente o saldo comercial (ou a conta corrente) devido à excepcional situação dos termos de troca, e que tal situação ou não é sustentável ou é de risco. Concorda?
Octavio de Barros - Com um saldo de US$ 42 bilhões não é possível falar em sobrevalorização cambial. Existe sim o risco de que no futuro os preços de nossas exportações sofram forte reversão, mas isso é pouco provável. Acumular reservas é a melhor maneira de comprar um seguro contra essa potencial queda de preços ou choque externo temporário negativo.

Folha - Embora, na média, os termos de troca estejam favoráveis, há setores em dificuldades devido à apreciação do real (e que não se tornaram abruptamente pouco competitivos, decerto): manufaturados básicos, bens intermediários, parte do setor de bens de capital (os 'mecânicos'). Acredita que a apreciação do real pode/vai provocar danos, ou mesmo dar cabo, de elos da cadeia industrial brasileira? Acreditando ou não, considera isso um problema?
Octavio de Barros - Alguns setores de fato sofreram com a apreciação do câmbio, mas é difícil condicionar a política para o país olhando individualmente setor a setor. Deve-se adotar mecanismos que suavizem os impactos negativos, mas não podemos pretender produzir absolutamente tudo no país. Ademais, a grande verdade é que olhando para os últimos 4 anos o país aumentou suas exportações em 128%.

Folha - Entre quem não acredita nos influxos de capital atraídos por juros altos, há o argumento de que a aposta do capital 'externo' em juros brasileiros não se dá por meio de ingressos de recursos, mas por meio de operações em mercados futuros no exterior (como em contratos de reais eg). Mas alguns economistas criticam tal avaliação: haveria sim ingresso de dólares, que seria o resultado final das operações de cobertura de risco efetuadas pelas instituições financeiras que oferecem aplicações em reais no exterior e por aquelas que estão na outra ponta dessas operações de cobertura de risco, de casamento de posições. Tais operações, por variados caminhos, acabariam em operações de venda de dólares nos mercados de dólar futuro e spot, pressionando o câmbio e o futuro de juros. Concorda com qual das duas visões?
Octavio de Barros - Existe uma arbitragem necessária entre os mercados locais e os externos. Assim, tanto faz se uma operação de venda de futuros é fechada no mercado local ou no exterior (existe alguma diferença pelos custos de fazer as operações, mas não pode haver incompatibilidade de preços entre os dois mercados). As operações nos mercados futuros ao invés de ingressos de recursos são mais 'baratas', mais fáceis de serem realizadas. Em ambos os casos, o investidor deseja assumir o risco cambial em troca da taxa de juros. Agora, se existe um grande comprador, como o Banco Central, atuando apenas no mercado spot, as vendas no mercado de futuro acabam criando um incentivo para que haja ingresso de recursos de prazo mais curto. É como se a venda no mercado futuro não encontrasse um comprador e tivesse que ser feita apenas no mercado spot. Contudo, isso não muda em nada as razões para a apreciação da moeda.

Leia mais
  • Leia entrevista com Alexandre Schwartsman, do ABN Amro, sobre câmbio
  • Leia entrevista com João Sicsú, da Universidade Federal do Rio, sobre política cambial

    Especial
  • Leia mais sobre a política cambial

  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página