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11/09/2003
-
07h31
ANA PAULA DE OLIVEIRA
da Folha de S.Paulo
No que você acha que resultaria o cruzamento da soja com uma bactéria? Uma bacsoja, alguém diria, imaginado-a como um monstrinho verde que sai das plantações à noite para comer criancinhas. Mas a transferência de genes de uma bactéria para uma molécula de soja, por exemplo, resulta no chamado alimento geneticamente modificado ou transgênico.
A palavra causa repulsa em muita gente, ao mesmo tempo em que existe um amplo desconhecimento do assunto. Segundo pesquisa do Ibope realizada com 2.000 pessoas, em dezembro de 2002, 65% da população brasileira é contra os alimentos transgênicos e 61% das pessoas nem sabem a definição do termo.
Mas é bom que o cidadão passe a se informar melhor porque os transgênicos estão aí. Desde o final dos anos 90, o brasileiro come soja transgênica sem saber, mas agora poderá comê-la de forma legal -ao menos a soja, o que já é muito, pois o alimento entra na fórmula de produtos variados, que vão de molho de tomate a biscoitos.
O governo acaba de liberar a venda da safra deste ano de soja transgênica, algo em torno de 10% da produção nacional do grão. E para onde irá esse alimento? "É possível que já estejamos comendo dessa safra", disse Clayton Campanhola, presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O próprio Ministério da Agricultura, em documento obtido pela Folha, no mês passado, reconheceu não ter controle sobre o destino da safra.
No quesito legislação, o prognóstico é de muitas novidades para os próximos meses. Até o fechamento desta edição (sexta-feira passada), a previsão era que, nesta semana, o projeto de lei que regulamenta a produção e venda de transgênicos seria enviado ao Congresso para votação.
Atualmente, o cultivo e comercialização de transgênicos são proibidos no Brasil, porém não existe fiscalização. Os importados com organismos geneticamente modificados (OGMs) podem ser encontrados no mercado.
Danos à saúde
Os ambientalistas esbravejam contra os OGMs faz tempo. Alegam danos irreversíveis ao homem e ao ambiente. Sobre os riscos para a saúde, a resposta é unânime e categórica: não se sabe. Aliás, a falta de comprovação científica é o argumento que acalenta discussões calorosas tanto dos cientistas favoráveis ao consumo dos transgênicos como dos ambientalistas.
"Temos em mente o princípio da precaução. Somos contra os danos imprevisíveis e irreversíveis que o plantio [de transgênico] possa causar. Não há perigos agora, mas quem sabe o que pode acontecer daqui a anos?", questiona Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética da ONG que mais faz barulho nessa área, o Greenpeace.
"Em tudo na ciência existe um risco. Nada é 100% seguro. Pode ser que, daqui a 20 anos, apareça alguma coisa, mas é um risco aceitável diante dos benefícios que o transgênico pode nos trazer", diz Franco Maria Lajolo, professor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da USP e autor de "Transgênico - Bases Científicas da sua Segurança".
O presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral, Daniel Magnoni, também ecoa o argumento de que não há provas suficientes de danos nutricionais que coloquem um ponto final na questão.
Um dos riscos à saúde mais discutidos é a chamada alergia oculta ou mascarada, uma reação que poderia ser provocada pela proteína resultante da modificação genética do organismo. Como forma de proteger o consumidor, Magnoni defende a obrigatoriedade da informação no rótulo.
Os ambientalistas também apóiam a rotulagem para dar o poder de escolha de compra ao consumidor.
Emoção x ciência
"Minha preocupação é com o excesso de emoções e a falta de fatos científicos nessa discussão", disse o cientista norte-americano e vencedor do prêmio Nobel da Paz (1970) Norman Ernest Borlaug, em entrevista à Folha, em 2000.
Três anos depois, a ausência de fatos científicos sobre o impacto ambiental resultante da transgenia também provoca calorosas discussões e acusações.
No Brasil, de um lado, está a Monsanto -empresa multinacional de biotecnologia, primeira a requisitar ao governo brasileiro autorização para plantio e venda de soja transgênica-, que cobra a aprovação do governo para o projeto de lei.
De outro, estão os opositores, que alegam que a multinacional não realizou estudos suficientes sobre o impacto que o plantio da soja causaria ao ambiente, podendo criar uma nova geração de organismos híbridos e até desequilibrar a biodiversidade e o ecossistema da região.
"O estudo detalhado da soja que a Monsanto quer liberar só foi feito fora do Brasil. Aqui, foram feitos poucos testes de impacto", diz o geneticista Rubens Onofre Nodari, pesquisador de transgênicos há 15 anos e gerente de recursos genéticos do Ministério do Meio Ambiente.
"Os estudos que fizemos em caráter ambiental avaliaram os riscos, que não existem", refuta as acusações a gerente de assuntos científicos da Monsanto, Silvia Yokoyama.
Futuro
A divisão dos times do contra e a favor do transgênico se intensifica quando eles vislumbram o futuro da agricultura no planeta. Para a classe científica, a alimentação com base na transgenia é um rolo compressor cujo processo não pode mais ser contido -muito menos revertido. "A briga dos ambientalistas agora deveria ser pela imposição de rótulos, dando ao consumidor a opção de escolha entre comer ou não", diz Lajolo. "Eles estão errados. Existe, sim, como reverter o processo", afirma Paoli, alegando que está na mão do consumidor barrar a comercialização de OGMs no país.
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da Folha de S.Paulo
No que você acha que resultaria o cruzamento da soja com uma bactéria? Uma bacsoja, alguém diria, imaginado-a como um monstrinho verde que sai das plantações à noite para comer criancinhas. Mas a transferência de genes de uma bactéria para uma molécula de soja, por exemplo, resulta no chamado alimento geneticamente modificado ou transgênico.
A palavra causa repulsa em muita gente, ao mesmo tempo em que existe um amplo desconhecimento do assunto. Segundo pesquisa do Ibope realizada com 2.000 pessoas, em dezembro de 2002, 65% da população brasileira é contra os alimentos transgênicos e 61% das pessoas nem sabem a definição do termo.
Mas é bom que o cidadão passe a se informar melhor porque os transgênicos estão aí. Desde o final dos anos 90, o brasileiro come soja transgênica sem saber, mas agora poderá comê-la de forma legal -ao menos a soja, o que já é muito, pois o alimento entra na fórmula de produtos variados, que vão de molho de tomate a biscoitos.
O governo acaba de liberar a venda da safra deste ano de soja transgênica, algo em torno de 10% da produção nacional do grão. E para onde irá esse alimento? "É possível que já estejamos comendo dessa safra", disse Clayton Campanhola, presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O próprio Ministério da Agricultura, em documento obtido pela Folha, no mês passado, reconheceu não ter controle sobre o destino da safra.
No quesito legislação, o prognóstico é de muitas novidades para os próximos meses. Até o fechamento desta edição (sexta-feira passada), a previsão era que, nesta semana, o projeto de lei que regulamenta a produção e venda de transgênicos seria enviado ao Congresso para votação.
Atualmente, o cultivo e comercialização de transgênicos são proibidos no Brasil, porém não existe fiscalização. Os importados com organismos geneticamente modificados (OGMs) podem ser encontrados no mercado.
Danos à saúde
Os ambientalistas esbravejam contra os OGMs faz tempo. Alegam danos irreversíveis ao homem e ao ambiente. Sobre os riscos para a saúde, a resposta é unânime e categórica: não se sabe. Aliás, a falta de comprovação científica é o argumento que acalenta discussões calorosas tanto dos cientistas favoráveis ao consumo dos transgênicos como dos ambientalistas.
"Temos em mente o princípio da precaução. Somos contra os danos imprevisíveis e irreversíveis que o plantio [de transgênico] possa causar. Não há perigos agora, mas quem sabe o que pode acontecer daqui a anos?", questiona Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética da ONG que mais faz barulho nessa área, o Greenpeace.
"Em tudo na ciência existe um risco. Nada é 100% seguro. Pode ser que, daqui a 20 anos, apareça alguma coisa, mas é um risco aceitável diante dos benefícios que o transgênico pode nos trazer", diz Franco Maria Lajolo, professor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da USP e autor de "Transgênico - Bases Científicas da sua Segurança".
O presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral, Daniel Magnoni, também ecoa o argumento de que não há provas suficientes de danos nutricionais que coloquem um ponto final na questão.
Um dos riscos à saúde mais discutidos é a chamada alergia oculta ou mascarada, uma reação que poderia ser provocada pela proteína resultante da modificação genética do organismo. Como forma de proteger o consumidor, Magnoni defende a obrigatoriedade da informação no rótulo.
Os ambientalistas também apóiam a rotulagem para dar o poder de escolha de compra ao consumidor.
Emoção x ciência
"Minha preocupação é com o excesso de emoções e a falta de fatos científicos nessa discussão", disse o cientista norte-americano e vencedor do prêmio Nobel da Paz (1970) Norman Ernest Borlaug, em entrevista à Folha, em 2000.
Três anos depois, a ausência de fatos científicos sobre o impacto ambiental resultante da transgenia também provoca calorosas discussões e acusações.
No Brasil, de um lado, está a Monsanto -empresa multinacional de biotecnologia, primeira a requisitar ao governo brasileiro autorização para plantio e venda de soja transgênica-, que cobra a aprovação do governo para o projeto de lei.
De outro, estão os opositores, que alegam que a multinacional não realizou estudos suficientes sobre o impacto que o plantio da soja causaria ao ambiente, podendo criar uma nova geração de organismos híbridos e até desequilibrar a biodiversidade e o ecossistema da região.
"O estudo detalhado da soja que a Monsanto quer liberar só foi feito fora do Brasil. Aqui, foram feitos poucos testes de impacto", diz o geneticista Rubens Onofre Nodari, pesquisador de transgênicos há 15 anos e gerente de recursos genéticos do Ministério do Meio Ambiente.
"Os estudos que fizemos em caráter ambiental avaliaram os riscos, que não existem", refuta as acusações a gerente de assuntos científicos da Monsanto, Silvia Yokoyama.
Futuro
A divisão dos times do contra e a favor do transgênico se intensifica quando eles vislumbram o futuro da agricultura no planeta. Para a classe científica, a alimentação com base na transgenia é um rolo compressor cujo processo não pode mais ser contido -muito menos revertido. "A briga dos ambientalistas agora deveria ser pela imposição de rótulos, dando ao consumidor a opção de escolha entre comer ou não", diz Lajolo. "Eles estão errados. Existe, sim, como reverter o processo", afirma Paoli, alegando que está na mão do consumidor barrar a comercialização de OGMs no país.
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