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11/03/2004 - 07h12

Mulher, negro e gay estão na mira das empresas

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KARINA KLINGER
free-lance para a Folha

Ter na mesa do escritório uma foto do namorado do mesmo sexo. Ouvir em alto e bom som do funcionário negro como as piadas racistas que a equipe conta lhe fazem mal. Procurar um emprego grávida e ser contratada. Tais cenas ainda são pouco comuns num ambiente de trabalho, mas estão sendo estimuladas por empresas modernas e atentas às mudanças sociais.

Grandes companhias, especialmente multinacionais, começam a implantar as chamadas políticas de diversidade --ou políticas de acolhimento. A regra é diversificar o quadro funcional, contratando pessoas das ditas minorias e desenvolvendo programas de sensibilização para acolhê-las. A saber: mulheres, portadores de deficiência, negros, homossexuais e pessoas com idade acima de 45 anos.

Em pesquisa divulgada em dezembro passado, realizada pelo Instituto Ethos em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, entre outros, em 74% de 500 das maiores empresas brasileiras não há negros em cargo de direção e 58% delas não possuem mulheres na mesma função. Porém 40% têm consciência da importância estratégica da diversidade.

"O conceito está sendo absorvido e talvez as pessoas não estejam totalmente integradas, porém o lado positivo é que essas poucas empresas reconheceram a discriminação. Algo que não acontecia antes", diz o consultor Reinaldo Bulgarelli, da AMCE Negócios Sustentáveis, que desenvolve projetos nessa área.

A IBM hoje é uma das empresas que investem pesado na implantação desse conceito. Possui conselhos de funcionários para promover ações de combate a discriminação da mulher, de negros, de deficientes e de GLBTs (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros). Este último grupo recentemente teve uma vitória e tanto: a ampliação do plano de saúde para seus parceiros, prática já existente na matriz americana da multinacional.

"As pessoas precisam se sentir bem para fazer um bom trabalho. Não queremos forçar ninguém a "sair do armário", mas queremos que o funcionário se sinta bem nesse ambiente", diz Paulo Portela, diretor de recursos humanos da IBM.

No passado, a empresa cometeu erros. "Um funcionário que tirou um negro da área de atendimento ao cliente por racismo foi demitido. Outro que perguntou, na hora da entrevista de recrutamento, se a funcionária pretendia engravidar nos dois anos seguintes foi advertido", conta.

Do conselho das mulheres da IBM, o integrante Marcelo Porto defende: "Temos muito a aprender com as mulheres. Ninguém quer ser privilegiado. No fundo, é uma questão de reconhecimento", diz. Para ele, as mulheres precisam sentir-se mais seguras para se posicionar melhor. Foi convidado a integrar o conselho feminino porque é crítico. Diz que seu relacionamento com o sexo oposto até melhorou, está mais equilibrado.

No Banco Real, todo funcionário recebe um vídeo com palestras e material impresso sobre diferentes formas de discriminação, além de participar de encontros em que são apresentados alguns dilemas bem instigantes. Alguns deles: o que fazer quando um cliente se recusa a ser atendido por um negro? Como agir quando uma funcionária homossexual reclama dos comentários maldosos dos colegas? Como portar-se diante de homens que reclamam das mulheres da equipe que estão sempre dividindo a atenção com os filhos? "São situações que afetam --e muito-- o emocional das pessoas e que devem ser vivenciadas para serem mais bem compreendidas", diz Laura Oltramare, diretora de educação e desenvolvimento sustentável do banco.

Atualmente, Klecius Borges trabalha como terapeuta, mas, durante 20 anos, foi executivo em empresas multinacionais. Atende especialmente uma clientela formada por executivos homossexuais que sofrem com a integração (ou desintegração) no ambiente de trabalho. Ele próprio, homossexual, foi vítima disso.

As pessoas não têm noção do que é ser discriminado. No caso dos homossexuais, que podem esconder a sua verdadeira opção, o clima é de medo constante, diz ele. "Essa pessoa nunca está inteira. Sempre com medo de dar um deslize e de ser mandada embora por causa do preconceito, o que acaba gerando prejuízos para a própria empresa."

Da mesma forma, a empresa é compensada quando há qualidade de vida. "O funcionário trabalha mais motivado, e a produção aumenta", diz Regina Burt, gerente de recursos humanos da Dupont. "Além disso, quanto mais diverso o quadro funcional, mais criativo o produto e mais fácil de ser aceito pela própria sociedade, que é diversa", diz.

Considerada uma das empresas nacionais pioneiras no investimento social, o Grupo Pão de Açúcar agora vai promover a inclusão de ex-infratores saídos da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). Um projeto com 30 adolescentes será implantado em algumas das lojas até o fim deste mês, diz Marília Parada, da área de recursos humanos.

O berço dessas políticas de incentivo à diversidade, também chamadas de afirmativas, são os Estados Unidos dos anos 60, quando os conflitos raciais assolavam o país, e empresas e universidades passaram a abrir vagas ou adotar cotas para negros. Segundo o Instituto da Raça e Pobreza da Universidade de Minnesota, a ação afirmativa fez a classe média negra norte-americana dobrar em 20 anos.

Hoje há até ONGs especializadas em projetos de diversidade, como a National MultiCultural Institute, que tem como clientes o FDA, o FMI e o Banco Mundial.

Para a socióloga Maria Tereza Leme Fleury, diretora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA), a implementação desse tipo de política no Brasil é difícil, pois aqui as pessoas gostam de achar que a discriminação e o preconceito não existem; para a maioria, os brasileiros têm uma cabeça aberta. "Assim sendo, é preciso que as empresas estimulem uma mudança cultural que seja gradual", diz ela.

Propagar essa mentalidade mais igualitária no ambiente de trabalho leva tempo e exige paciência. Mas, como diz José Pinto Monteiro, diretor do Instituto Xerox, "qualquer forma de inclusão é bem-vinda, ainda mais num país como o nosso, onde as desigualdades prevalecem".

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