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11/07/2004 - 06h36

Campanha busca abolir palmada "pedagógica"

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KATIA CALSAVARA
da Folha de S.Paulo

Olho de criança brilha só de ouvir a palavra férias. Hora de ficar, em tese, mais livre das obrigações e horários. Sobra tempo para bolar aquele plano secreto, mexer no estojo de maquiagem da mãe, enfiar o dedo na tomada, correr dentro de casa, até levar um "sossega leão".
Estressados, alguns pais recorrem aos famosos "tapinhas" nos filhos.

A imposição de castigos físicos como forma de disciplinar os filhos é alvo de polêmica em todo o mundo. Na semana passada, a Câmara dos Lordes, no Reino Unido, aprovou um projeto de lei que coíbe agressões físicas a crianças. Mas, após intenso debate as palmadas moderadas foram consideradas "aceitáveis", desde que não prejudiquem física ou mentalmente as crianças e os adolescentes. Em países como Noruega, Alemanha, Suécia, Finlândia e Dinamarca, entre outros, as palmadas são totalmente proibidas por lei.

No Brasil, há grupos que considera até o mais leve "tapinha" como agressão física. É o caso do Lacri (Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia da USP). "Não existe palmada light. De qualquer forma, bater é um desrespeito à criança. Se batemos em adulto é agressão, em cachorro, crueldade, em criança é educação?", diz Maria Amélia Azevedo, psicóloga e fundadora do Lacri, citando o lema do grupo.

É deles a campanha, ainda pouco conhecida, "Crescer sem Palmada", que atua na abolição da punição corporal. Todos os anos, desde 1996, pesquisadores do instituto coletam dados de violência física, sexual e psicológica, além de casos de negligência, em delegacias e conselhos tutelares dos Estados brasileiros. Em 2003, foram notificados 6.497 casos de violência física, 2.952 de violência psicológica e 2.599 de violência sexual.

"Bater é o reconhecimento de não saber impor limites aos filhos", diz Lauro Monteiro Filho, pediatra e fundador da Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência).

Ele compara a força física e o tamanho dos adultos em relação às crianças para justificar a falta de "cabimento" de uma punição corporal.

Estatuto

Na legislação brasileira, a palmada não está categorizada no Código Penal. "Os casos de tapas moderados dificilmente chegam ao Poder Judiciário. A cultura do "não às palmadas" começa com o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], em 1990", diz Lara Rosa Vignoto, advogada e assessora jurídica da Abrapia.

De acordo com o artigo 5º do ECA, nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Quem ouve choros freqüentes de criança na vizinhança ou desconfia de que alguma é agredida por seus pais ou responsáveis tem a obrigação de comunicar os maus tratos a um conselho tutelar, segundo estabelece o ECA.

"Para mim, castigo não adianta. Quando perco a paciência, bater é um recurso que utilizo. Com o chinelo ou com a mão, bato nos meus filhos sempre no bumbum", diz Sandra Singh Gedam, 37, mãe de Natália, 10, Rodrigo, 6, e Beatriz, 4. O marido, Almir de Siqueira Gedam, 37, concorda. "Uma bela palmada no momento certo é um bom remédio. Serve para impor limites. Mas eles sempre sabem o motivo pelo qual estão apanhando", diz. O casal conta que quem apanha com mais freqüência é a mais nova.

Lena Wild, 45, também salpica umas palmadas no filho Uirá de Sá Ozetti, 12, mas critica a prática dos castigos físicos. "Ter autoridade é saber passar a informação para o filho com segurança e precisão. Eu procuro evitar ao máximo. Apanhava muito quando era pequena", conta.

O filho de Lena diz entender quando leva uns tapas. "Fico nervoso na hora, um pouco chateado até, mas depois compreendo que eu merecia."

"Depois que bato, me sinto a pior mãe do mundo", fala Heloísa Furtado Tunes, 25, mãe de Pedro, 5. Para ela, as palmadas não auxiliam na educação, mas também são o escape para os momentos de falta de paciência dos pais.

Os irmãos Lucas, 10, e Leonardo Sevilhano, 10, contam que nunca levaram um tapa. "Eu acho completamente errado bater nos filhos porque eles não aprendem e são machucados de bobeira. Quando eu for pai, vou colocar meus filhos de castigo. Quando faço alguma arte, meus pais conversam e me mandam pensar lá no quarto", conta Lucas.

A paisagista Sandra Figueira, 47, nunca bateu no filho Felipe, 12. "Eu acho o ato de bater muito estressante. Não resulta em nada positivo, nem para a mãe, nem para os filhos", fala.

Mauro Renato Elme, 46, pai de Artur, 11, diz que os tapas ficam cada vez menos freqüentes quando os filhos vão crescendo. "Eu costumava dar mais tapas quando ele era menor. Acho que, na idade dele, receber um tapa ganha outro significado", diz.

"Eu dou palmadas. Acho que é um jeito de fazer a criança se sentir humilhada, ficar triste e pensar no que fez. Bato com a mão, nunca com chinelo. A sensação de bater é horrível. A mão fica vermelha, dói. Eu sinto que a dor é recíproca. É um ato doloroso para a mãe, mas acontece quando o sangue ferve", diz Ana Térsia Ferreira, 40, mãe de Pedro, 10, e Paula, 4.

Rodrigo Berel Caropreso, 11, diz que já chegou a ter raiva da mãe depois de apanhar. "Depois de levar uns tapas, já pensei em me afastar dela, pensei em ir morar para bem longe quando ficar adulto. Mas depois isso passa e percebo que é bobeira", diz.

A irmã dele, Júlia, 9, concorda. "Fico achando a minha mãe chata depois que ela me bate. Acho que a palmada não resolve. Meu pai não bate", diz a menina, aos risos.

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