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16/06/2005 - 10h03

Abuso no consumo de remédios pode causar doenças

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IARA BIDERMAN
MARCOS DÁVILA
da Folha de S. Paulo

Dona Teresa, marido desempregado, sogra mora em casa. Dona Teresa, acredite, vive tranqüila e feliz. Seu segredo, sugere o folheto publicitário, é tomar um dos vários tranqüilizantes à venda nas farmácias. O texto da publicidade (dirigida a profissionais de saúde) é a perfeita tradução da cultura química atual: para toda dificuldade, há uma solução fácil, adquirível em qualquer farmácia.

Quer emagrecer sem esforço? Inibidor de apetite. Não consegue dormir? Calmante. Problemas no trabalho, na família? Antidepressivo. Em cápsulas ou comprimidos, parece existir uma solução na dose certa para cada percalço da vida. Só é preciso uma receita médica --algo que também não é difícil de se obter.

Clínicos gerais, ginecologistas, endocrinologistas e até dentistas podem receitar medicamentos psicoativos, que são drogas que agem no comportamento, humor e cognição. São drogas legais, mas algumas delas, causadoras de dependência química, entram nas estatísticas dos órgãos internacionais de controle de narcotráfico. O tranquilizante de dona Teresa (também chamado ansiolítico), por exemplo. E as anfetaminas, presentes em quase todas as fórmulas "infalíveis" para emagrecimento.

As últimas fazem o Brasil aparecer em destaque no relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), órgão ligado à ONU, divulgado em março deste ano. "O relatório aponta que o consumo de anorexígenos [drogas anfetamínicas que provocam redução ou perda do apetite] no Brasil cresceu 500% de 1997 a 2004", diz Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações so-bre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e membro titular do Jife. Entram no país, anualmente, mais de 20 toneladas de matéria-prima para a produção desse tipo de droga.

O consumo desenfreado de anorexígenos pelos brasileiros --e, especialmente, pelas brasileiras, porque as mulheres consomem de seis a oito vezes mais do que os homens-- traz a reboque um outro problema: o aumento da procura por ansiolíticos. "A anfetamina aumenta a atividade, diminui o sono, provoca ansiedade. Ninguém agüenta ficar tão acelerado o tempo todo", diz a psicanalista Silvia Brasiliano, coordenadora do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química, do Instituto de Psiquiatria da USP.

Apesar de ser proibido receitar conjuntamente anfetaminas e benzodiazepínicos (a categoria de tranqüilizantes de uso mais generalizado), o controle frouxo dos órgãos de fiscalização permite a usuários, médicos e farmácias burlarem a lei com facilidade. Basta que o médico ou o paciente providenciem duas receitas separadas.

Iniciado o ciclo de excitar/entorpecer quimicamente o sistema nervoso central, junta-se à dupla dependência gerada a potencialização das reações adversas e a sobrecarga do organismo. "É como ficar o tempo todo com o pé no acelerador e no freio ao mesmo tempo. Funde o motor", diz Brasiliano.

Coquetel químico

A analista de vendas Fernanda Mendonça, 32, não chegou a fundir o motor, mas sentiu os efeitos do coquetel químico prescrito no tratamento para emagrecer que iniciou em 2003. O endocrinologista indicou duas fórmulas que deveriam ser aviadas em farmácia de manipulação. Conteúdo: um benzodiazepínico, um anorexígeno, um derivado sintético de hormônios para queimar gordura e um laxante natural. "Sempre há uma dieta paralela aos medicamentos, com legumes, frutas e carnes magras. Mas ela nem é necessária, porque você acaba comendo muito pouco", afirma ela.

Depois de cinco meses, Fernanda perdeu 20 quilos. Não durou muito: "Não tomei cuidado com a manutenção e engordei quase tudo de novo em 15 meses". Além disso, nos últimos meses do tratamento, ela sentia falta de ar e teve uma grave queda de cabelo.

Há 20 dias, Fernanda iniciou um novo tratamento. Só que, dessa vez, além do calmante, do anorexígeno e do laxante, o endocrinologista receitou um antidepressivo. "Ele disse que eu estava muito para baixo. Agora, estou me sentindo mais disposta", afirma Fernanda, que quer perder o excesso de peso em quatro ou cinco meses. "Depois disso, não pretendo mais ficar à base de fórmulas. Aí, já sei que começará o sofrimento. Tem de ter disposição. A orientação é fazer exercícios físicos, mas não tenho tempo", afirma.

O abuso de psicoativos é fenômeno mundial. "O paciente espera que qualquer mal-estar tenha remédio; o médico muitas vezes passou por um programa educacional inadequado. Como resultado, é comum o consumo em dosagem excessiva e por tempo prolongado", diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp - Universidade Federal de São Paulo).

Há casos em que os benefícios justificam o uso. "O problema é quando o remédio entra para ajudar a superar qualquer insatisfação da vida. Para mim, não existe justificativa para esse tipo de prescrição", diz Silveira.

Com a idéia de "receitar" a vida, vem a de medicar a tristeza. Hoje, qualquer tristeza ganha o rótulo de depressão --seguida por uma prescrição de antidepressivo. "Não tem de dar medicamento para a tristeza", afirma Leopol-do Luiz dos Santos Neto, chefe da clínica médica do Hospital Universitário de Brasília.

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