Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
01/12/2005 - 11h04

Princípios de Gandhi ajudam nos conflitos da vida prática

Publicidade

FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S.Paulo

Numa rua de São Paulo, um motorista dá a ré em local proibido e bate em um carro em movimento. Na mesma hora, sai do veículo e, agressivo, tenta colocar a culpa no outro condutor, com ameaças do tipo: "quem bate na traseira sempre está errado". Para quem dirige em grandes cidades, cenas como essas são corriqueiras. Dessa vez, no entanto, o desfecho foi incomum.

O dentista Luiz Henrique Góes, 42, que estava no outro carro, nem se levantou. Respirou, manteve a calma e esperou o outro se tranqüilizar. No final, teve o prejuízo ressarcido, e o motorista chegou a agradecê-lo pela forma como agiu. "Nessas horas, a respiração tem uma força incrível. O melhor é esperar a pessoa extravasar e, num tom de diálogo, argumentar. O cara estava agressivo, e eu não poderia agir com as mesmas armas que ele", diz o dentista.

Luiz Henrique Góes é adepto da aplicação cotidiana das teorias de não-violência, pouco praticadas em situações de estresse, mas conhecidas há tempos no Ocidente, principalmente pela ação do indiano Mahatma Gandhi (1869-1948).

Além de freqüentar cursos e ler livros sobre o tema, o dentista tenta levar o que aprende para a vida prática. Voluntariamente, dá palestras em escolas públicas sobre movimentos históricos não violentos. Com as pessoas com quem convive, procura não levantar a voz e busca o diálogo para resolver impasses. "Somos tomados facilmente por uma resposta violenta. É um exercício que exige esforço e concentração", afirma.

De fato, para Gandhi, o princípio do satyagraha (nome sânscrito usado para definir sua filosofia de não-violência, que significa "busca da verdade"), aplicado em uma série de estratégias pacíficas que culminaram na independência de seu país em relação ao Império Britânico, era, mais do que apenas um instrumento de protesto político, um modo de vida. Conhecido por terminar rixas comunais só com sua presença, o indiano buscava a paz interior em ações como passar um dia da semana em silêncio, jejuar com freqüência e comer apenas o suficiente para satisfazer as necessidades do corpo humano.

Mais de 50 anos após a morte de Gandhi, sua filosofia vem sendo estudada e incorporada no Ocidente por indivíduos que, como Luiz Henrique, tentam dar sua contribuição pessoal para a criação de uma cultura da paz. Nesse caso, estratégias de ação não violenta que serviram para libertar um país são usadas para resolver pequenos conflitos, de impasses com os filhos a problemas no trabalho. A premissa é que os conflitos são inevitáveis, mas a forma de agir com eles não precisa ser violenta.

"Somos governados pela idéia de que a violência é necessária, legítima e honrada. Só que a violência jamais trará uma resolução para os problemas humanos. Todos conhecemos o semblante de Gandhi, mas precisamos ir mais longe e estudar seu pensamento e sua ação. Isso deveria ser ensinado nas escolas", afirma o filósofo francês Jean-Marie Muller, fundador e diretor do Instituto de Pesquisas sobre a Resolução Não Violenta de Conflitos, com sede em Montreuil, na França.

E por violência entenda-se não só uma agressão física mas uma série de outros comportamentos, como a agressão verbal, a humilhação, o preconceito e o abuso de poder. "Podemos provocar violências terríveis sem jamais atingir uma pessoa fisicamente. A agressão física é a última manifestação de todo um repertório de valores que permite desqualificar o outro e submetê-lo. Esse repertório tem que ser desconstruído por meio da cultura da paz", afirma Lia Diskin, co-fundadora da Associação Palas Athena, em São Paulo. O espaço oferece diversos cursos que abordam a não-violência na teoria e na prática.

A "regra de ouro" do princípio da não-violência é uma frase que todo mundo conhece, mas que poucos conseguem colocar em prática de fato: "Não faça aos outros o que não gostaria que eles fizessem a você". Isso, segundo Diskin, não significa omitir-se, submeter-se ou aceitar os fatos de forma passiva. "Compreender uma idéia que contraria meus interesses não quer dizer aceitá-la. A questão é chegar a uma solução que seja satisfatória para ambos", diz.

À primeira vista, a estratégia usada pela psicoterapeuta e coaching Sheila Busato, 46, para reverter um conflito no ambiente de trabalho pode parecer passiva. Nova em uma empresa, ela não revidou quando começou a ser hostilizada pelos outros funcionários devido a intrigas. "Assumi uma atitude de cooperação com o grupo. Não foi uma omissão, mas algo pensado estrategicamente. Foi difícil não reagir. Mas, devagar, reverti a situação e as pessoas que nem me conheciam e já me odiavam hoje me aceitam muito bem", conta ela, dizendo que o aprofundamento na não-violência a ajudou em vários setores da vida, como na relação com as filhas adolescentes.

"Muitos pais pensam que são donos da verdade. A gente controla a vida da criança e leva susto quando ela cresce e se torna independente. Essas ferramentas me ajudaram a mudar essa atitude e a resolver os conflitos com elas por meio do diálogo e da tolerância", diz.

Leia mais
  • Mediação pode ser alternativa ao conflito
  • Escolas públicas usam técnicas de mediação
  • Dicas para resolver conflitos de forma não violenta
  • Para filósofo francês, violência é método ultrapassado
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página