Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/09/2002 - 03h16

Leia carta de Niemeyer publicada no livro "Conversa de Amigos"

da Folha Online

Leia outro trecho do livro "Conversa de Amigos", que traz as cartas trocadas entre o arquiteto Oscar Niemeyer e o engenheiro José Carlos Süssekind.

Niemeyer escreve sobre a hípóteses de as agressões dos Estados Unidos crescerem e da violência que a degradação do capitalismo estabelecerá. Ele envia também um soneto de sua autoria. Leia o trecho:

"Sussekind,

Sua última carta está tão bem escrita e os assuntos, tratados com tanta sensibilidade, que me parece que o ideal seria eu respondê-la dando por encerrado este primeiro ciclo de nossa correspondência. Mas uma pergunta me ocorre: "E agora?" E aí os analistas competentes tentam levantar várias hipóteses, e eu a me fazer de surdo diante delas.

Na verdade, meu amigo, só acredito no inesperado, num fato novo que a todos surpreenda e mude a História.

É claro que podemos conceber as hipóteses mais diversas. Umas, considerando que as críticas às agressões dos Estados Unidos vão crescer. Outras, prevendo que os norte-americanos vão prosseguir os bombardeios e haverá represálias. Hipóteses que podem ser confirmadas, mas sempre na dependência do inesperado.

É ele que vai criar a situação -boa ou ruim- que, impacientes, tentamos imaginar. Indiferente ao clima de paz que desejaríamos. É o destino a determinar o futuro das nossas pobres vidas.

Fora isso -quem sabe?-, será o longo período de violência que a degradação do capitalismo vai estabelecer, e nos desespera pensarmos que foi de 300 anos o tempo que durou a decadência do Império Romano.

Há poucos dias, numa pausa de trabalho, começamos a falar -não sei por que- de poesia. Recordamos Camões, os velhos poetas de Portugal, e acabamos folheando um livro de Manuel Bandeira, louvando a simplicidade de sua obra, parando, entusiasmados, diante de um soneto que escreveu para sua irmã. Um soneto de uma ternura admirável.

E prosseguimos, lembrando Vinícius, Drummond e nosso Gullar, e por fim, entre risadas, os sonetos do velho Bocage.

Não sei se a conversa ficou dentro de mim mais do que eu esperava. O fato é que, no dia seguinte, lá estava eu a escrever este soneto, que abaixo transcrevo para você ler:

Autodefinição

Na folha branca de papel faço o meu risco,
Retas e curvas entrelaçadas,
E prossigo atento e tudo arrisco
Na procura das formas desejadas.

São templos e palácios soltos pelo ar,
Pássaros alados, o que você quiser.
Mas se os olhar um pouco devagar,
Encontrará, em todos, os encantos da mulher.

Deixo de lado o sonho que sonhava.
A miséria do mundo me revolta.
Quero pouco, muito pouco, quase nada.

A arquitetura que faço não importa.
O que eu quero é a pobreza superada,
A vida mais feliz, a pátria mais amada.

Um abraço,

Oscar"

Carta escrita em 2 de fevereiro de 2002.

Leia mais:

  • Aos 94, arquiteto Oscar Niemeyer lança livro de correspondências

  • Livro de Niemeyer e Süssekind é para ler de um fôlego só

  • "Quando a vida se degrada, só a revolução", diz Niemeyer

  • Leia trecho do livro em que Niemeyer e Süssekind trocam cartas



  •   Veja galeria de fotos
     

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página