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14/09/2002 - 02h46

Aos 94, arquiteto Oscar Niemeyer lança livro de correspondências

DANUZA LEÃO
colunista da Folha
CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial ao Rio

Se na arquitetura Oscar Niemeyer se celebrizou mundialmente pelas curvas sinuosas de seus prédios, nas convicções políticas poucos foram tão retos.

Esse carioca da gema começou a militar do lado mais esquerdo do espectro político aos 18. Aos 94 anos, dono de todos os prêmios que uma prancheta de arquitetura pode acomodar, o criador de Brasília segue intacto nas margens mais canhotas das idéias.

Com o mesmo fôlego incansável com o qual escala sete dias por semana as escadinhas que levam ao seu escritório, na cobertura do ondulado edifício Ypiranga, em Copacabana, Oscar volta a manifestar a urgência da revolução.

Desta vez não é com monumentos, declarações ou panfletos, mas com cartas. Durante quatro meses de 2001, ele se correspondeu com um dos seus grandes escudeiros na arquitetura. Toda semana, o aparelho de fax de José Carlos Süssekind, 55, ejetava uma carta de Niemeyer. E vice-versa.

Foram mais de 60, as mensagens trocadas pelo arquiteto e pelo engenheiro que vem colocando de pé a maior parte de seus edifícios desde que compartilharam a construção da Universidade de Constantine, na Argélia, em 1969.

A correspondência vem a público agora em livro que a editora Revan, que já publicou seis livros de Niemeyer, lança nas próximas semanas, com o nome de "Conversa de Amigos".

No bate-papo manuscrito entrou de tudo. Parceiros de um curso semanal de história da filosofia, que iniciou na Grécia de Platão e já está no século 19 de Nietzsche, eles começaram empenhados em trocar idéias abstratas, da cosmologia ao existencialismo.

Mas as penas da dupla, sobretudo a de Niemeyer, foram logo materializando o debate político do mais concreto. Mais do que arquitetura, filosofia ou engenharia, foi a necessidade de diminuir as desigualdades sociais a guia sempre presente das conversas.

Isto se é que se pode separar as coisas deste modo quando o assunto é Niemeyer. Recém-acomodado na cadeira que ganhou do companheiro Darcy Ribeiro (1922-97), o arquiteto já recebeu a Folha em seu escritório com a seguinte construção: "É importante dizer que não é a arquitetura que vai mudar a vida, a vida é que pode mudar a arquitetura. O fundamental é ser correto, saber que a vida é um minuto, que nós devemos viver de mãos dadas".

Isto é Niemeyer.

Não parece ser da boca para fora. Quando brincam com o arquiteto que ele é o último dos comunistas, ele diz que não sabe se é o último, mas que comunista ele é.

E se a base do comunismo é a propriedade coletiva, ele mostra na trajetória pessoal que não fica longe disso. Depois de mais de 500 projetos em todo o mundo, alguns monumentais como a construção de uma cidade, dono do "Nobel" da arquitetura (o Prêmio Pritzker-1988) e etcs. afora, ele revela para a Folha que acaba de hipotecar o escritório onde trabalha por problemas econômicos.

Todos os meses tem de enfrentar, por conta disso, uma conta de R$ 10 mil. "São só três anos de pagamentos. Três anos eu garanto", diz. "Teria vergonha de ser rico."

Süssekind, presente na entrevista, mostra que não é à toa o calculista predileto de Niemeyer ao apresentar habilmente a equação para a deseconomia do arquiteto: "A metade do que ele fez, ele não cobrou. A metade que ele cobra, ele cobra a metade".

E o engenheiro, afiado, logo espeta o projeto de construção de um museu Guggenheim no Rio. "O museu de Niterói, por exemplo, que não tem coisa mais badalada, custou R$ 5 milhões. O Guggenheim que vão fazer aqui custa US$ 150 milhões."

"Não falo mal de colegas", completa Niemeyer. Nem de colegas, nem de ninguém. Seguindo as idéias de Lênin, que coloca no pedestal ao lado de diversos outros ícones da esquerda (de Stálin a Fidel Castro), chegou à conclusão de que qualquer pessoa com 10% de qualidades boas é boa pessoa.

Assim, o arquiteto equilibra opiniões radicais como a defesa pela revolução (armada, se preciso), expressa nas cartas e na conversa com a Folha, com um "ataque" bastante simpático ao governo Fernando Henrique Cardoso.

"Ele teve momentos da vida nos quais admirava o Lênin, o Marx. Depois não sei o que aconteceu", expressa, gesticulando a cigarrilha, que assim como o vinho a idade não tirou do seu cotidiano.

Ativíssimo, com um grande projeto em Niterói (RJ) -o Caminho Niemeyer-, um museu em construção no Paraná e planos de expansão em Brasília e no parque Ibirapuera, o arquiteto exibe hoje sua boa forma na TV.

A Cultura exibe hoje, às 22h30, o documentário inédito "Oscar Niemeyer - O Arquiteto do Século", no qual o personagem abre a porta de casa para falar de sua arte, sua vida, e, como não, de seu sempre vivo sonho comunista.

CONVERSA DE AMIGOS
Autor: Oscar Niemeyer e José Carlos Süssekind
Editora: Revan
Quanto: R$ 28 (252 págs.)

Leia mais:

  • Livro de Niemeyer e Süssekind é para ler de um fôlego só

  • "Quando a vida se degrada, só a revolução", diz Niemeyer

  • Leia trecho do livro em que Niemeyer e Süssekind trocam cartas

  • Leia carta de Niemeyer publicada no livro "Conversa de Amigos"



  •   Veja galeria de fotos de Niemeyer
     

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