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11/04/2003
-
02h54
da Folha de S.Paulo
"Mentimos quando falamos de nós mesmos." Essa é uma idéia da qual o cineasta Hector Babenco não se separa.
Ele não a deixou, portanto, ao filmar "Carandiru", baseado no best-seller "Estação Carandiru" (Companhia das Letras), do médico e colunista da Folha Drauzio Varella.
No livro, Varella relata histórias ouvidas durante seu trabalho voluntário de atendimento aos presidiários da Casa de Detenção de São Paulo. A experiência perpassa a história do presídio antes e depois do massacre de 92.
No filme, Babenco manteve os olhos e ouvidos do médico (interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos) como porta de entrada para a realidade da cadeia.
Mas procurou dar pistas ao espectador de que "sempre que uma história é contada ao médico, ela está tingida da necessidade do narrador de aliviar a sua culpa. E como você alivia uma culpa? Reajeitando as informações, de tal forma que você tenha sido vítima das circunstâncias, ou do acaso, ou do infortúnio".
Ao privilegiar a apresentação dos presidiários como sujeitos "a quem foram negadas todas as possibilidades", "Carandiru" coloca em plano secundário o registro da violência. Talvez haja muito menos brutalidade num filme com esse tema do que poderia supor o espectador.
"Não posso ser diferente. Nunca dei um soco. Nunca recebi um soco. Talvez eu tivesse que receber um soco para conhecer esse tipo de medo. Mas não me interessava gastar quatro anos da minha vida [tempo de realização do projeto] para filmar um massacre", diz Babenco.
Era paleolítica
Num encontro com o cineasta Fernando Meirelles, autor de "Cidade de Deus" (2002), Babenco comparou o seu próprio classicismo cinematográfico com o modernismo do primeiro.
"Eu disse a ele: talvez você me veja como uma pessoa da era paleolítica. Admiro muito o seu trabalho. Mas cresci lendo, não cresci vendo. Minha formação está ligada a uma forma mais clássica de organizar a narração. Eu me sinto perto de Kurosawa, de Buñuel, de Visconti, de "Rocco e seus Irmãos", de um cinema que beira o melodrama, mas não cai nele."
Distante da direção desde 1998 ("Coração Iluminado"), Babenco voltou a experimentar, com "Carandiru", a sensação de caminhar no fio da navalha. E saber dominar o ponto de corte: "Meu filme não tem nenhum momento de manipulação emocional. Eu me vigiei como um doente se vigia para não adoecer de novo".
Dita por outro cineasta, a frase seria apenas uma metáfora. Na boca de Babenco, tem o peso de um depoimento.
Em 1995, com o diagnóstico de um câncer linfático, o diretor teve de se submeter a um transplante de medula. Drauzio Varella é o médico que o acompanha há 15 anos.
"Tenho por ele não uma gratidão, mas um respeito incomensurável. Digo a ele que, se houver reencarnação, quero voltar Drauzio. As pessoas querem voltar faraós, Napoleões, Cleópatras, cortesãs... Eu quero voltar Drauzio, com essa capacidade de trabalho, essa presteza, essa entrega ao que faz."
Superprodução
Babenco trabalhou durante dois anos no roteiro que adapta o livro de Varella. As filmagens de "Carandiru" foram realizadas em 14 semanas de 2002, com diárias de gravação que frequentemente ultrapassavam as 15 horas.
O orçamento do filme é de R$ 12 milhões, o valor mais alto já gasto numa produção nacional.
Algumas cenas empregaram 1.100 figurantes. O elenco tem 18 atores em papéis principais, numa escalação que mescla profissionais de diversas gerações. Participam, entre outros, Milton Gonçalves, Antonio Grassi, Ricardo Blat, Rodrigo Santoro, Gero Camilo, Ailton Graça, Milhem Cortaz, Caio Blat, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Maria Luísa Mendonça, Leona Cavalli. A preparação dos atores foi feita durante três meses, com a supervisão do diretor teatral Sérgio Penna.
A Sony Classics tem os direitos de distribuição internacional de "Carandiru" e candidatou o filme à competição oficial no próximo Festival de Cannes (14 a 25 de maio). A seleção do festival será anunciada na última semana de abril.
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"Eu me vigiei como um doente se vigia", diz Hector Babenco
SILVANA ARANTESda Folha de S.Paulo
"Mentimos quando falamos de nós mesmos." Essa é uma idéia da qual o cineasta Hector Babenco não se separa.
Ele não a deixou, portanto, ao filmar "Carandiru", baseado no best-seller "Estação Carandiru" (Companhia das Letras), do médico e colunista da Folha Drauzio Varella.
No livro, Varella relata histórias ouvidas durante seu trabalho voluntário de atendimento aos presidiários da Casa de Detenção de São Paulo. A experiência perpassa a história do presídio antes e depois do massacre de 92.
No filme, Babenco manteve os olhos e ouvidos do médico (interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos) como porta de entrada para a realidade da cadeia.
Mas procurou dar pistas ao espectador de que "sempre que uma história é contada ao médico, ela está tingida da necessidade do narrador de aliviar a sua culpa. E como você alivia uma culpa? Reajeitando as informações, de tal forma que você tenha sido vítima das circunstâncias, ou do acaso, ou do infortúnio".
Ao privilegiar a apresentação dos presidiários como sujeitos "a quem foram negadas todas as possibilidades", "Carandiru" coloca em plano secundário o registro da violência. Talvez haja muito menos brutalidade num filme com esse tema do que poderia supor o espectador.
"Não posso ser diferente. Nunca dei um soco. Nunca recebi um soco. Talvez eu tivesse que receber um soco para conhecer esse tipo de medo. Mas não me interessava gastar quatro anos da minha vida [tempo de realização do projeto] para filmar um massacre", diz Babenco.
Era paleolítica
Num encontro com o cineasta Fernando Meirelles, autor de "Cidade de Deus" (2002), Babenco comparou o seu próprio classicismo cinematográfico com o modernismo do primeiro.
"Eu disse a ele: talvez você me veja como uma pessoa da era paleolítica. Admiro muito o seu trabalho. Mas cresci lendo, não cresci vendo. Minha formação está ligada a uma forma mais clássica de organizar a narração. Eu me sinto perto de Kurosawa, de Buñuel, de Visconti, de "Rocco e seus Irmãos", de um cinema que beira o melodrama, mas não cai nele."
Distante da direção desde 1998 ("Coração Iluminado"), Babenco voltou a experimentar, com "Carandiru", a sensação de caminhar no fio da navalha. E saber dominar o ponto de corte: "Meu filme não tem nenhum momento de manipulação emocional. Eu me vigiei como um doente se vigia para não adoecer de novo".
Dita por outro cineasta, a frase seria apenas uma metáfora. Na boca de Babenco, tem o peso de um depoimento.
Em 1995, com o diagnóstico de um câncer linfático, o diretor teve de se submeter a um transplante de medula. Drauzio Varella é o médico que o acompanha há 15 anos.
"Tenho por ele não uma gratidão, mas um respeito incomensurável. Digo a ele que, se houver reencarnação, quero voltar Drauzio. As pessoas querem voltar faraós, Napoleões, Cleópatras, cortesãs... Eu quero voltar Drauzio, com essa capacidade de trabalho, essa presteza, essa entrega ao que faz."
Superprodução
Babenco trabalhou durante dois anos no roteiro que adapta o livro de Varella. As filmagens de "Carandiru" foram realizadas em 14 semanas de 2002, com diárias de gravação que frequentemente ultrapassavam as 15 horas.
O orçamento do filme é de R$ 12 milhões, o valor mais alto já gasto numa produção nacional.
Algumas cenas empregaram 1.100 figurantes. O elenco tem 18 atores em papéis principais, numa escalação que mescla profissionais de diversas gerações. Participam, entre outros, Milton Gonçalves, Antonio Grassi, Ricardo Blat, Rodrigo Santoro, Gero Camilo, Ailton Graça, Milhem Cortaz, Caio Blat, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Maria Luísa Mendonça, Leona Cavalli. A preparação dos atores foi feita durante três meses, com a supervisão do diretor teatral Sérgio Penna.
A Sony Classics tem os direitos de distribuição internacional de "Carandiru" e candidatou o filme à competição oficial no próximo Festival de Cannes (14 a 25 de maio). A seleção do festival será anunciada na última semana de abril.
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