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18/05/2003 - 08h58

Para Wagner Moura, oportunidade garante sucesso do ator

JANAINA FIDALGO
da Folha Online

Estar no lugar certo, no momento certo e com as pessoas certas. À essa simultaneidade de acontecimentos o ator Wagner Moura, 26, atribui seu sucesso nos palcos, nas telas do cinema e agora na TV. Expoente de uma geração bem-sucedida que vem renovando o elenco das mais recentes produções brasileiras, o ator diz ter "um pouco de sorte".

Da infância, dividida entre Bahia e Rio de Janeiro, Moura guarda as recordações do interior e as brincadeiras no rio São Francisco, sua "fonte de diversão e de loucura", e extravasa suas memórias nordestinas em personagens como o engraçado Taoca, do filme "Deus é Brasileiro", de Cacá Diegues.

Vem também de Salvador a tal "sorte" a que o ator se refere. Foi num palco de sua cidade natal, interpretando "Abismo de Rosas", de Fernando Guerreiro, que o diretor João Falcão o descobriu e o escalou para o elenco da peça "A Máquina" (2000). Junto dos atores Lázaro Ramos e Wladimir Britcha, a peça foi um trampolim para a carreira de Wagner.

Ana Ottoni/Folha Imagem
O ator Wagner Moura;
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"Essa geração minha, de Lázaro e Wladi deu uma certa sorte porque despontou no teatro de Salvador num momento em que o teatro da Bahia estava vivendo uma fase boa", diz Wagner, eleito melhor ator no 12º Cine Ceará por sua atuação em "As Três Marias", de Aluizio Abranches (2002).

Se quando começou o momento era ideal, inclusive em relação à quantidade e qualidade das produções cinematográficas brasileiras, como ele mesmo diz, a cena teatral baiana já não vive a mesma fase.

"Está mais difícil para quem está começando. Por isso, não estão surgindo tantos talentos interessantes em Salvador agora como surgiu na minha época, de Vladi, de Lázaro e de outros atores que são menos conhecidos, mas super talentosos."

Leia a seguir trechos da entrevista concedida, por telefone, à Folha Online:

Folha Online - O Nordeste influencia seus personagens? De que maneira?

Wagner Moura -
Acho que é inegável que a cultura do lugar onde você mora fica no seu trabalho na sua forma de se relacionar, de ver o mundo e as pessoas. Com certeza, o sertão, o interior, ficaram bem no meu imaginário de criança. Eu vivi parte da minha infância muito grande lá, mesmo quando eu morava aqui [no Rio de Janeiro] e ia passar as férias lá [na Bahia]. Então isso ficou bastante na minha mente. As brincadeiras eram diferentes das brincadeiras dos garotos da cidade grande, o jeito de as pessoas se relacionarem... Depois, quando fui crescendo mais e ficando adolescente comecei a ter contato com o teatro e a ver o mundo de uma forma mais madura. Isso se deu em Salvador, que é uma cidade culturalmente muito singular.

Folha Online - Como foi sua infância?

Moura -
Eu tinha uma infância muito legal, muito livre porque a infância no interior é livre, as crianças são soltas, não têm hora para chegar em casa. Rodelas é uma cidade muito pequena.

Folha Online - A rua era o principal cenário de suas brincadeiras?

Moura -
Todo mundo sabia que eu era filho do meu pai e da minha mãe, eu conhecia todo mundo. Era meio um grande quintal, a cidade. Ficava na beira do rio São Francisco. O rio era uma fonte de brincadeira, de diversão e de loucura. Criança é muito louca, tem muito pensamento. Stanislavski dizia que os melhores atores do mundo são as crianças porque eles inventam. E quando você tem um cenário que não é um playground, que é uma cidade... A cidade inteira é o seu cenário de brincadeiras. Isso é muito propício paras as crianças que naturalmente já têm uma imaginação fértil.

Folha Online - E você era dessas crianças com imaginação fértil?

Moura -
Ah, acho que eu era. Eu gostava muito de inventar histórias na minha cabeça. Às vezes, eu brincava com as outras crianças, mas a brincadeira fazia sentido só para mim. Mas participava das brincadeiras com elas.

Folha Online - Você era criativo?

Moura -
É estranho essa coisa de ficar dizendo que eu era uma criança extremamente criativa. Eu acho que as crianças geralmente são criativas, mas acho que eu era uma criança meio doida. Eu fazia as coisas fazerem sentido para mim, na minha cabeça, que é um paralelo bacana com o trabalho do ator, que ele tem de fazer as coisas fazerem sentido para ele acreditar no que ele está fazendo.

Folha Online - Quando "Deus é Brasileiro" estreou, você comentou que sugeria o tempo todo novas falas ao roteiro original. Essa é uma das maneiras de expressão da sua criatividade?

Moura -
"Deus é Brasileiro", especificamente, como foi um trabalho que tratava bem desse universo do Nordeste, do humor peculiar do sertão e como eu tinha vivenciado isso a minha infância toda, me sentia um pouco no direito de propor. E eu acho que isso é legítimo. Os atores não têm de ser reféns de uma imposição do diretor, ou do autor. Isso não é só no cinema. Acho que em qualquer âmbito de atuação. E como eu encontrei no Cacá uma figura muito aberta às minhas idéias e ao que eu achava, eu pude, sem muito constrangimento, propor muitas coisas. Às vezes, era uma coisa que não tinha sentido, que não batia com o que o Cacá achava legal para o filme e ele dizia: "não, isso eu não acho legal". Mas, na maioria das vezes, ele achava bacana o que eu trazia. A gente tinha uma sintonia com relação a essas memórias do Nordeste porque o Cacá também é nordestino.

Folha Online - O diretor João Falcão o descobriu quando você ainda morava em Salvador e participava de "Abismo de Rosas". Como foi esse contato?

Moura -
Eu fiz "Abismo" lá na Bahia. João me viu fazendo e me chamou para fazer "A Máquina", que foi a peça que meio que trouxe para o cinema.

Folha Online - Nessa época você já era profissional...

Moura -
Era, eu sobrevivia de teatro em Salvador. Em Salvador tem um mercado de teatro. Falar de mercado é um exagero em qualquer lugar do Brasil, mas o teatro em Salvador é um teatro de muita qualidade, feito com seriedade e profissionalismo, e eu fazia parte. Me orgulho muito de ter surgido ali na cena cultural e teatral da Bahia, que é uma cena muito rica.

Folha Online - Em "A Máquina" você trabalhou com Lázaro Ramos e Wladimir Britcha, que são atores que também têm ganhado visibilidade por meio de trabalhos no cinema e na TV, respectivamente, mas começaram no teatro. Vocês são de uma mesma geração. Como foi que tudo isso começou?

Moura -
Eu, Lázaro [Ramos] e Wladi [Wladimir Britcha], especificamente, fazemos parte da mesma geração porque a gente começou a fazer teatro mais ou menos na mesma época. Frequentávamos o mesmo meio, que é meio teatral da Bahia. Conhecíamos as mesmas pessoas, os mesmos diretores e fomos fazer "A Máquina" juntos. Aí, quando viemos para cá [Rio de Janeiro], o Wladi começou a fazer televisão, e eu e Lázaro fomos fazer cinema. Mas estamos sempre meio juntos.

Folha Online - Como você define essa nova geração de atores da qual faz parte?

Moura -
Eu acho que essa geração minha, de Lázaro e Wladi deu uma certa sorte porque despontou no teatro de Salvador num momento em que o teatro da Bahia estava vivendo uma fase boa, com muitas produções acontecendo e com a lei de incentivo à cultura, a Faz Cultura, funcionando. Alguns diretores de outros lugares iam a Salvador. Hoje, tenho conversado com alguns atores da Bahia e a situação lá não está tão boa. Está mais difícil para quem está começando. Por isso, não estão surgindo tantos talentos interessantes em Salvador agora como surgiu na minha época, de Vladi, de Lázaro e de outros atores que são menos conhecidos, mas que são super talentosos.

Folha Online - Não é só talento, foi a oportunidade...

Moura -
É a mesma coisa que acontece também com o momento em que eu e o Lazinho surgimos no cenário do cinema. O cinema brasileiro vive um momento muito bacana e foi justamente nesse momento que nós aparecemos em produções grandes e interessantes, com o "Madame Satã", "Deus é Brasileiro", "Carandiru"... Tem um pouco de sorte. Essa geração é bacana, talentosa...

Folha Online - O teatro é o melhor começo? Existe uma trajetória ideal ou é relativo?

Moura -
Cada um tem um caminho. Mesmo eu, Lazinho e Wladi, que você citou, por mais que a gente tivesse feito parte da mesma história e criado caminhos paralelos, cada um sempre teve muito claro o que queria do seu trabalho e da sua profissão. E cada um queria uma coisa diferente. Então, eu acho que o mais importante é você saber o que você quer...

Folha Online - E o que você quer?

Moura -
Ih, cara, é muita coisa. É muito complexo.

Folha Online - O quê, por exemplo?

Moura -
É muito complexo, mas eu prefiro deixar essa verdade para mim só, para só eu saber o que eu quero.

Folha Online - Não quer citar nada?

Moura -
É porque eu quero tanto coisa. Em linhas gerais, o que tem de acontecer é você... Eu acho... Não me sinto na posição de dar conselho a ninguém. Bacana é você não trair a sua verdade, não chegar num ponto em que está se sentindo desconfortável, falso com você mesmo. Não sei se assim fica muito aberto para você...

Folha Online - O que o faria se sentir assim?

Moura -
Não sei. Tudo o que eu tenho feito até hoje tem me feito muito bem e me deixado muito feliz. Quando ameacei chegar num limite em que eu estava desviando do que achava legal, recuei imediatamente.

Folha Online - Em que sentido?

Moura -
Eu acho chato falar. Eu não quero citar nenhum trabalho.

Folha Online - Aceitar um trabalho que não é o que você acredita, por exemplo?

Moura -
Se você quiser objetivar bem, é isso. Os trabalhos que você escolhe para fazer, que norteiam também a sua vida pessoal. Porque o que eu faço e a pessoa que sou para mim são coisas muito semelhantes.

Folha Online - Você zela pela sua liberdade, de abrir mão de um contrato que possa te obrigar, de certa forma, a fazer um trabalho que não quer?

Moura -
Ser obrigado a fazer um trabalho que eu não queira, acho que vai resultar numa rescisão de contrato imediata, mesmo que eu tenha de pagar uma multa absurda. Eu já tive experiência suficiente nesses onze anos para saber que a pior coisa para mim, pessoalmente, por mais dinheiro que esteja ganhando ou notoriedade que esteja tendo, é fazer uma coisa que você não está se sentido bem fazendo.

Folha Online - É porque alguns atores abrem mão de contratos fixos com emissoras de TV para manter essa liberdade de escolha...

Moura -
Eu não quero ter uma imagem de um cara que é anti-televisão. Até porque eu estou fazendo um trabalho na TV. Eu também não sei te dizer como é ter um contrato com a televisão, porque não sei se você é obrigado a fazer tudo. Não sei porque eu não tenho. Mas eu gosto de escolher as coisas que eu faço. Eu realmente não quero ser obrigado a ter que fazer nada. Se para ter um contrato com a Globo eu tiver de ser obrigado a fazer tudo eu prefiro não ter, mas não sei se é isso que acontece. [interrompe] Eu estou sendo muito vago? É muito subjetivo isso. Talvez eu nem consiga verbalizar e te dizer tópico a tópico as coisas que quero da minha vida. Talvez eu tenha mais clareza do que eu não quero fazer.

Folha Online - E o que você não quer fazer?

Moura -
Quer eu diga o que: "ah, eu não quero fazer aquela novela que está passando no canal tal". Não, não é isso. Mas eu acho realmente muito subjetivo. O "Carga Pesada" é um produto que eu realmente quis fazer, que eu me interessei em fazer.

Folha Online - O fato de trabalhar com o Fagundes, um ator com quem você já tinha trabalhado, pesou na sua decisão de querer fazer "Carga Pesada"?

Moura -
Tudo isso. O fato de ser um programa histórico, de ter um link afetivo porque eu assistia "Carga Pesada" pequenininho com o meu pai. Tem uma série de coisas que faz com que eu queira fazer.

Folha Online - E no caso da série do "Fantástico", no "Homem-Objeto"?

Moura -
No caso da série é um trabalho com o João Falcão, um cara que eu tenho a maior admiração, com uma galera que são todos meus amigos. Daqueles dez caras que estavam no "Homem-Objeto" só o Lucinho [Lúcio Mauro Filho] era carioca. O resto é tudo do Nordeste. Isso para mim também tem uma importância.

Folha Online - Então quais são os fatores de escolha? O que você considera ao selecionar um trabalho?

Moura -
Depende. O critério de escolha do "Carga Pesada" foi um, do "Homem-Objeto" já é outra diferente. Não é uma coisa objetiva, mas eu sei o que eu quero e o que eu não quero. Às vezes, eu posso até me equivocar, mas na hora que surge o negócio eu tenho um feeling do que eu quero fazer e do que eu não acho legal fazer. Não por nada, porque eu talvez não faça bem ou não me sinta bem fazendo.

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