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10/09/2003 - 22h57

Para Wagner Moura, governo está abrindo as portas para cultura

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da Folha Online

A exibição de filmes nacionais no Palácio da Alvorada, da qual participam, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministros, produtores de cinema, atores e atrizes, tem se tornando rotineira neste governo e são vistas de maneira positiva pelo ator Wagner Moura, 27.

Janaina Fidalgo/Folha Imagem
O ator Wagner Moura, que interpreta Romão em "O Caminho das Nuvens"
Moura já participou de duas sessões este ano--na exibição de "Deus É Brasileiro" e de "O Caminho das Nuvens"-- e acredita que os encontros têm um poder simbólico representativo.

Leia, a seguir, trechos da entrevista:

Folha Online - Em entrevista recente, o Vicente Amorim disse ter a preocupação de que não se crie uma metáfora entre o filme e o contexto social brasileiro nem com o presidente Lula, que foi retirante como Romão. Os atores receberam alguma orientação para evitar esse paralelo e para que a história se limitasse à narração da história de vida de uma família?

Moura -
A gente sempre se preocupou em contar a história dessas pessoas. Agora não podemos controlar a leitura que as pessoas vão fazer. Em nenhum momento nem eu nem o Vicente nem ninguém quis que tal cena representasse a saga dos nordestinos. Quisemos contar a história de uma família que saiu do sertão, como muitas outras, e foi tentar uma vida melhor e empreendeu essa viagem. Agora de que forma as pessoas vão ler isso não temos controle. Acho importante porque o filme tem de ser polissêmico.

Folha Online - Mas o fato de o filme estrear justamente no primeiro ano do governo Lula e de o Nordeste estar, de certa forma, em evidência não acaba criando uma relação entre o filme e contexto atual?

Moura -
É que nem a história das metáforas. Se for, não foi a intenção do Vicente nem a nossa. Não teve a intenção de fazer um filme porque o Nordeste está em evidência.

Folha Online - Houve alguma preocupação para deixar claro no filme que esta não era a intenção?

Moura -
Não. Acho que isso nem passou pela cabeça do Vicente. Eu, pelo menos, estou pensando nisso agora que você está me perguntando. É um Nordeste muito real aquele Nordeste do filme. O filme tem uma cara muito documental.

Folha Online - Isso não acontece porque "O Caminho das Nuvens" é um filme de estrada?

Moura -
Não obrigatoriamente. "Deus É Brasileiro", por exemplo, não tem isso, mas o filme tem. Não que se proponha ser um documentário. É uma ficção, mas tem estética... Tanto que o Vicente fez um documentário antes, o "2000 Nordestes". Foi uma pesquisa para que o filme tivesse essa cara que ele queria, que é uma cara real. Não que isso seja o mérito, em si próprio, porque você pode se propor fazer um filme no Nordeste e que não mostre o Nordeste como ele é.

Eu fiz um filme chamado "As Três Marias", do Aluízio Abranches, e tinha mulheres de salto plataforma. Era ótimo, do caralho, pop, muito legal, mas a proposta não era essa [ser documental]. Acho que o bacana é ser fiel à sua proposta. O filme do Aluízio é muito bem sucedido na proposta dele e o do Vicente, também. O Vicente se propôs mostrar um pouco do Nordeste que não é o Nordeste romantizado. E nada contra romantizar o Nordeste. É só porque a proposta dele foi essa. Quando você é fiel ao que quer, acho que funciona. E funcionou muito bem.

O Nordeste que está ali no filme é o Nordeste que eu vi, vejo e que quem está lá sabe. Aquelas meninas dançando, que é uma mistura muito interessante da cultura nordestina popular com outras informações, com a parabólica e do que acontece em outros lugares. Você vai numa cidade pequena do interior do Nordeste e tem parabólica em tudo quanto é lugar, tem computador. É uma mistura muito interessante de informações globalizadas com a cultura popular. Ela é simbiótica, uma coisa quase pós-moderna, que o movimento mangue beat representou de uma forma brilhante.

Folha Online - Em entrevista anterior, você disse estar esperançoso em relação ao governo Lula. Qual é sua posição hoje?

Moura -
Eu continuo acreditando no governo. Acho que estamos agora talvez na pior fase. Espero que daqui não piore mais e acredito que não irá. O presidente está colocando a casa em ordem e está sendo muito corajoso e responsável. Deve ser muito duro para a base governista ouvir críticas da esquerda, do próprio partido e deve ser tentador ceder às pressões. Então acho corajoso o governo baixar os juros devagar para impedir que a inflação volte e trabalhar para as reformas da Previdência e Tributária serem aprovadas. O governo tem de ter essa autocrítica.

Quando o governo estava na oposição talvez não estivesse sendo tão maduro quanto o PFL e o PSDB estão sendo, com óbvias exceções tanto de um lado quanto do outro. Estamos vivendo um período de maturidade na política brasileira. As reformas sociais que esperamos que o governo cumpra --e eu sei que vai cumprir-- ainda não surtiram o efeito desejado. Isso demora. Essa é a questão.

Tive oportunidade de estar duas vezes com o presidente [na exibição de "Deus É Brasileiro" e de "O Caminho das Nuvens"] e minha admiração por ele aumenta toda vez que o encontro. Ele está fazendo uma coisa que nenhum governo nunca vez, que é promover exibições de filmes nacionais no Palácio da Alvorada. Eu jantei com o presidente duas vezes este ano. É uma coisa muito louca.

Folha Online - Que avaliação você faz desses encontros?

Moura -
Eles têm um poder simbólico representativo. Quer dizer, o governo está abrindo as portas da casa dele para a cultura. Tanto que da última vez que eu fui, para ver "O Caminho das Nuvens", havia dois jornalistas lá. É importante que se divulgue que há um intercâmbio.

Continuo um entusiasta do governo. Acho que o ano que vem o país vai voltar a crescer. Isso não quer dizer que nós temos de abaixar a cabeça para o governo. Aí é que eu falo do papel da oposição. Ela está aí para isso, para repensar, propor emendas e discutir. Não estou dizendo que os relatórios das reformas, por exemplo, estão 100% certos. Tem coisa para mexer, por exemplo, na reforma tributária. É papel da oposição fazer isso e papel nosso, como cidadão, estar antenado, ligado e acompanhando.

Folha Online - O fato de o Vicente Amorim ter sido diretor de publicidade interferiu de alguma forma no processo de produção do filme?

Moura -
O Vicente deve ter feito bastante publicidade, dirigido comerciais, mas é um cara de cinema. Durante muito tempo o Vicente era o assistente de direção do Brasil. Foi assistente do Hector [Babenco], do Cacá [Diegues] e dos filmes americanos que vinham filmar no Brasil. Ele é um cara que sabe muito de cinema, tem uma cultura cinematográfica enorme.

É um diretor diferente do Cacá apesar de o Cacá exercer uma influência muito grande sobre o Vicente, como exerce sobre mim. Inclusive, o Cacá foi o grande padrinho da minha presença no filme. Desde o começo o Cacá dizia para o Vicente: "tem esse cara que fez o meu filme". E o Cacá é importantíssimo para o Vicente também. Eles conversavam muito durante a filmagem de "O Caminho das Nuvens".

Folha Online - Mas e as cenas "nervosas" do filme?

Moura -
Não diria que essa coisa nervosa é influência da publicidade. São referências cinematográficas que eu não sei te dizer quais são. Com certeza todos os planos e todas as cenas foram muito pensadas. Assim como meu trabalho no filme. Foi o trabalho mais maduro que eu já fiz.

Folha Online - Por quê?

Moura -
Porque foi o trabalho que eu mais tive controle sobre o que eu estava fazendo. Por exemplo, no "Deus É Brasileiro" todos os takes que eu fazia, cada um era diferente do outro. Eu fazia uma coisa aqui doida, aí no outro... No "O Caminho das Nuvens", não. Eu sabia exatamente. Fazia um take e fazia o outro igual.

Folha Online - Teve menos experimentação?

Moura -
Não. Como era um personagem muito mais difícil para mim... O Romão é um personagem mais duro. Se nós compararmos com o Taoca [de "Deus É Brasileiro"], que é um personagem para fora, explosivo, solar, que erradia e que é louco, é o oposto total do Romão, que é um personagem introspectivo, é pai. Eu nunca fiz pai.

O Taoca tem uma curva dramática no "Deus É Brasileiro". Ele começa de um jeito e termina de outro, amadurece durante o filme. O Romão começa de um jeito e vai até o fim. É uma linha. E isso é muito difícil para o ator fazer. Talvez tenha sido meu trabalho mais difícil e fico muito orgulhoso dele porque é o mais maduro e o mais cheio de sutilezas.

O Romão é um personagem de um desenho sutil. Ele exigiu muito mais de mim e exige também do espectador uma observação mais profunda. Não que o espectador tenha uma obrigação, mas tem de ser mais atento porque ele é cheio de sutilezas. O amor dele com os filhos e a relação de carinho é sutil. É um olhar, um gesto, uma coisinha que você vê e diz: "ei esse cara tem amor também, apesar de ser um homem duro e um tipo machão". Para o ator é muito mais difícil trabalhar uma linha do que uma curva explícita.

Folha Online - O seu personagem no filme é devoto de Padre Cícero. Você tem religião ou é devoto de algum santo?

Moura -
Acredito em Deus, no metafísico, no que a gente não vê, no impalpável... Não sou devoto do Padre Cícero nem de nenhum outro santo especificamente da cultura cristã. Mas sou muito fascinado pela religiosidade, pelo ritual, pelo místico...

Folha Online - A cidade respira religião...

Moura -
Total. As pessoas lá vivem em torno desta história do "padinho", que era um homem muito interessante, carismático, político. Eu sou muito ligado nessa comunicação entre o que está aqui, que a gente pode pegar, e o que não é palpável. Isso me inquieta muito.

Folha Online - Você já teve alguma religião?

Moura -
Não, mas eu já frequentei o que você imaginar. Eu sou a prova de que o sincretismo [existe]. Sou baiano, né. A minha avó era muito católica, os meus pais são kardecistas, espíritas. Sempre fui livre. Ia ao centro espírita com os meus pais, fui coroinha da igreja durante muitos anos quando eu morava em Rodelas [Bahia]. Tem casa de candomblé em Salvador, mãe de santo. Já frequentei a Igreja Batista durante um tempo para conhecer. É ótima. Só não conheço a Igreja Universal do Reino de Deus porque realmente é um limite que eu tenho. Mas não é preconceito meu, não. Eu entendo que em todas as religiões o dinheiro é uma coisa que está presente, desde o dízimo, nos primórdios da igreja católica, e nas doações do candomblé. A questão é a relação que cada religião tem com isso. A partir do momento que a coisa fica comercial...

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