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05/10/2003 - 08h52

Mundo trata melhor quem se veste "bem"

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MÔNICA BERGAMO
colunista da Folha

A velha máxima do comercial é verdadeira: o mundo trata melhor quem se veste "bem" --ou é famoso. Pelo menos, o mundinho dos endinheirados paulistanos, como comprovou a repórter Cleo Guimarães, que visitou lojas e restaurantes em duas ocasiões. A primeira, vestida de maneira simples: calça jeans, camiseta e tênis. A segunda, mais bem arrumada, com roupas de grife ou acompanhada de uma celebridade.

Má notícia: foi ignorada ou maltratada pelos atendentes da Daslu e da Reinaldo Lourenço da primeira vez e bem atendida depois. No restaurante O Leopolldo, foi barrada na visita inicial --o motivo seria o tênis. Na noite seguinte, voltou com a apresentadora de TV Astrid Fontenelle, ambas de tênis; não só entraram como foram bem recebidas. Boa notícia: em quase uma dezena de outras lojas, nomes como Cartier, Triton e Tiffany's, seus trajes não foram levados em conta.

Na última terça, a repórter vestiu sua calça jeans C&A, uma camiseta com a estampa da personagem de HQ Mafalda e um tênis All Star. Partiu para visitar as lojas e restaurantes mais sofisticados de São Paulo, para ver como seria tratada. O seu relato:

N'O Leopolldo

Chego ao novo restaurante O Leopolldo, em frente ao shopping Iguatemi, por volta das 22h, acompanhada. É um dos mais caros da cidade, R$ 300 por refeição a dois. À porta, o segurança --que havia acabado de dar "boa noite" a uma cliente-- fica com uma das mãos na maçaneta e outra na chave. "Querem falar com quem?"

Respondo que queremos mesa para dois. "Não sei se será possível", diz. Entra no restaurante e nos deixa de fora. Logo aparece na porta a hostess Jana. Bota a cabeça para fora e pergunta: "Pois não?". Repito o pedido. Ela nos mede: "Olha, vocês não vão poder entrar". Por quê? "Normas da casa. É proibido entrar de tênis", explica.

Na noite seguinte, volto ao restaurante. O par de tênis continua em meus pés. Assim como no de minha convidada, a apresentadora de TV Astrid Fontenelle. Nem bem descemos de seu Pajero, Marcos, o mesmo segurança que havia me barrado antes, nos abre a porta sorrindo e dizendo: "Boa noite".

Lá dentro, Jana não está, mas Andreza nos recebe com sorrisos. Sentamo-nos no bar, a funcionária Teresa vem fazer as honras da casa. "Que bom que vocês estão aqui!", ela diz. Em questão de minutos estamos sentadas e sendo atendidas por um batalhão de garçons.

Um dos proprietários, o decorador Jorge Elias, passa à mesa para cumprimentar Astrid. Dá uma risadinha para mim: "Prazer". Antes de irmos embora, Teresa nos convida a conhecer a outra parte do restaurante. Mostra cada detalhe e diz: "Voltem sempre, venham mais!".

Na Daslu

Assim que chego à Daslu Mulher, uma das lojas mais sofisticadas do Brasil, na Vila Nova Conceição, dou de cara com duas copeiras. Fico por ali um tempinho, esperando alguma dasluzete, como são chamadas as vendedoras. Nada.

Vou à seção de roupas importadas. Atrás de mim, ouço as vendedoras oferecendo "uma ajudinha" às outras clientes, apresentando-se, dizendo "é só me chamar...". Continuo sendo ignorada. O café e a água oferecidos às portadoras de bolsas Gucci e Fendi não são oferecidos para mim, sem bolsa.

Depois de uns 20 minutos, resolvo pedir ajuda de novo. Paro numa arara de calças de sarja da própria Daslu. Preço: R$ 248. Pergunto a uma vendedora se havia outras cores do mesmo modelo. Ela responde que sim --mas sem olhar para mim.

Pergunto seu nome. "Helena", ela fala baixinho. Peço que me traga uma calça. "OK", responde, sem nem perguntar o tamanho. Mais uns 20 minutos. Cobro Helena. "Estou superocupada atendendo outra pessoa, não vou poder lhe dar atenção."

Passa uma morena com quem eu já tinha esbarrado várias vezes na loja --e em nenhuma delas havia me oferecido ajuda. Falo que gostaria de ver a calça. Experimento, digo que ficou apertada e agradeço. Pergunto seu nome. "Ana Lu", responde, já se virando para outra cliente: "Oi, você quer uma ajudinha?".

Volto à Daslu no dia seguinte, no mesmo horário, desta vez de calça preta, um corpete também preto, com botas, tudo de grifes importadas. Entro. Assim que paro para olhar uns mantôs, uma vendedora se materializa à minha frente, sorriso nos lábios: "Oi, você quer uma ajudinha?".

É Suzana, que me mostra modelos Gucci, Prada, Ferragamo e Miu Miu. "Este é maravilhoso, não?", pergunta, oferecendo um Dolce & Gabbana de R$ 7.000. "Dolce é Dolce, né?"

Peço para ir ao toalete, ela me mostra onde é, me dá uma chave e diz para eu trancar a porta, "para ficar mais à vontade". Pergunto até que horas trabalha. "Estou aqui até as três", ela responde, já emendando: "Se voltar, me procure; Suzana".

Na Reinaldo

Um rapaz que me olha de cima a baixo fuma encostado em um carro, em frente à loja de Reinaldo Lourenço, na Bela Cintra. Entro. Ele continua lá. A loja está vazia. Fico 20 minutos vendo roupas, tusso para ver se alguma vendedora ouve. Não.

Uma loira sai do canto dos provadores, olha e volta. Peço ajuda a uma costureira, que vai ao canto e fala algo. A loira e uma amiga saem e vêm em minha direção. Peço ajuda. Elas se entreolham e sussurram. Disputam quem não me atenderia. "É sua vez", termina a amiga.

Cabe a Carol, a loira, a tarefa. Coloco a mão em um dos vestidos expostos. Sem que eu pergunte, ela me avisa: "Aí tem as roupas da promoção, com 70% de desconto, se o pagamento for à vista". O rapaz que fumava na porta me observa encostado no balcão. Ele também é vendedor.

Volto no dia seguinte com a mesma roupa que fui à Daslu. Como da outra vez, nenhum cliente na loja. Nem bem entro, e Ana Cristina, uma simpática vendedora, aparece e pergunta se quero ajuda. Digo que estou só olhando e ela responde, solícita: "Nesta arara estão as peças da coleção nova".

Reclamo do calor, ela se dirige imediatamente ao canto onde as duas vendedoras conversavam ontem e pede a um vendedor que aumente o ar. É o mesmo que fumava na rua no dia anterior. Hoje sorri, simpático.

Sérgio Dávila (interino), com Cleo Guimarães e Alvaro Leme

E-mail: bergamo@folhasp.com.br

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