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10/06/2004 - 07h26

Cazuza da ficção suprime histórias reais

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
SILVANA ARANTES

da Folha de S.Paulo

Sexo, drogas e rock'n'roll não poderiam ser coadjuvantes numa cinebiografia de Cazuza. Mas, ao menos quanto ao sexo, artistas envolvidos na ficção e/ou na vida real sabem que sua presença foi reduzida na forma final do filme.

O primeiro a estranhá-lo é o pai de Cazuza (e presidente da Som Livre, braço fonográfico da Rede Globo), João Araújo, que afirma gostar do filme --especialmente do amor entre filho e pais que ele extravasa. Eis a ressalva:

"Quiseram ter muito cuidado com o lado homossexual de Cazuza. No que começaram a tomar cuidado demais, para não transparecer e para não virar filme proibido para menores, afastaram-se bastante da realidade".

O pai de um dos brasileiros pioneiros na adoção da sexualidade livre como discurso público completa: "Nunca tive problema com ele por sua opção sexual. Só não gostaria que ele fosse bicha, daquelas de salto alto".

O ator Daniel Oliveira, Cazuza no filme, exemplifica a atenuação. "A cena do García Lorca [de sexo homossexual], fiz de cueca e sem cueca. Não por exibicionismo, mas pela poesia da cena, acho que era melhor sem cueca. Mas eu aparecia de frente, teria que subir a censura do filme. Uma cuequinha não vai fazer mal a ninguém."

A diretora Sandra Werneck explica a opção: "Tinha um pouquinho mais [de sexo]. Daniel Filho cortou, a gente não queria pegar uma censura 18 anos, que ia tirar o público que a gente quer sacudir. Foi por uma boa causa", diz.

Sobe a voz do produtor Daniel Filho: "Tudo o que foi feito no filme foi de comum acordo com Sandra. Não existiu nenhuma ordem de cima para baixo, ou de produtor para diretor, para que se exercesse um corte em proveito de abaixar a censura".

Roberto Frejat é outro que estranha o tratamento sexual dado no filme ao amigo do peito e ex-colega de Barão Vermelho. "Há uma dificuldade por parte de Lucinha Araújo em reconhecer que Cazuza era homossexual, não bissexual. Nunca vi prática heterossexual nele. Teve, sim, mas quando não estava completamente convencido de ser gay, bem antes de me conhecer", afirma Frejat, que diz achar "Cazuza" bonito por não ser "filme para chorar" nem "novela das oito".

O roteirista Fernando Bonassi, para quem Cazuza "era pansexual", diz que não se incomoda se "está clara ou menos clara no filme" a informação sobre a sexualidade de Cazuza. "O importante é saber se as pessoas entenderam que a liberdade sexual que ele tinha se refletia em suas canções."

Para a mãe de Cazuza, "a realidade era sexo, drogas e rock'n'roll". "Eu preferia que fosse só rock'n'roll, mas o rock não existe sem drogas e sexo."

No relato ficcional da travessia trágica da vida real, desapareceu do filme o episódio capital da publicação, pela revista "Veja", de uma capa com Cazuza perto da morte e o título "Uma vítima da Aids agoniza em praça pública".

"Eu e minha família fizemos questão de enterrar esse assunto", diz João Araújo, que afirma não ter feito nenhuma interferência no roteiro. "Nem li inteiro, só passei os olhos. Minha mulher, sim."

Lucinha tenta amenizar a dor. "Cazuza ajudou milhões de soropositivos a mostrarem a cara no Brasil." Frejat concorda. "Hoje, o Brasil tem uma postura de referência quanto à Aids no mundo, e acho que deve isso em parte à posição que Cazuza teve na época."

Crucial na fase terminal de Cazuza foi também seu ex-namorado (e cantor) Ney Matogrosso, outro dos reais ausentes na ficção. "Ney foi um amigo como poucos, não fugiu, como 50% fugiram. Ele era tão grande que acharam por bem tirá-lo, não sou eu que vou me meter", diz Lucinha.

"Ele foi o cantor que mais se aproximou do Cazuza. Ney é um superartista, ia ficar o coadjuvante do coadjuvante se fosse reduzido a três seqüências do filme", explica Sandra Werneck. Ney Matogrosso está em Portugal e não respondeu às perguntas enviadas pela Folha.

Cazuza segue atravessando toda a quadrilha, feito um provocador do Brasil, que renasce em praça pública, uma geração mais tarde.

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