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25/10/2005
-
10h42
SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo
Quando achou que "as palavras "política" e "utopia" haviam se unido" em seu país, o chileno Patricio Guzmán, 64, decidiu escrever com a câmera a sua "declaração de princípios".
O "texto" são os 285 minutos (repartidos em três partes) do documentário "A Batalha do Chile", que vê a ascensão e queda do governo Salvador Allende (1970-73), a partir dos gabinetes e das ruas.
A 29ª Mostra de SP exibe hoje a obra, que ocupa lugar definitivo na galeria dos filmes políticos desde 1979, quando foi concluída.
Foi sobre o papel do documentário e a política na América Latina de ontem e de hoje a conversa que Guzmán teve com a Folha, por telefone, de Paris, onde vive.
Folha - Durante as filmagens o sr. percebeu que "A Batalha do Chile" teria tanta relevância histórica?
Patricio Guzmán - Estávamos conscientes, porque a situação era muito dramática. Um período crucial se avizinhava. Ou haveria um golpe de Estado ou Allende conseguiria controlar a situação e aprofundar a revolução. Ambos eram muito importantes.
Folha - O sr. deixa claro que está ao lado de Allende. No entanto, o filme é respeitado também por quem tem opiniões políticas distintas. A que atribui esse resultado?
Guzmán - O cineasta não é um observador neutro e desapaixonado da realidade. É um participante ativo. O problema é a verossimilhança. É preciso ser crível no que se conta.
A objetividade é um princípio que não se aplica ao cinema documental. Dos períodos históricos que a objetividade atravessou, o mais odioso para nós, documentaristas, foi nos 60, quando as grandes cadeias de TV dos EUA e as estatais européias estabeleceram o princípio da objetividade.
Como se pode pedir a um pintor que use a mesma dose de amarelo, azul e verde num quadro? É impossível. Vai contra a natureza do cinema. Talvez a objetividade jornalística anglo-saxã possa se aplicar a reportagens de TV. Mas não a um documentário de autor.
Folha - Acha que seu filme contribuiu para o julgamento histórico de Allende (1908-73) e Pinochet?
Guzmán - Contribuiu sobretudo para defender a Unidade Popular e o projeto de Allende. No Chile, demoliu-se tão sistematicamente a imagem do governo Allende nos últimos 30 anos que tenho a impressão de que o filme é a única prova de que aquilo existiu.
Folha - O sr. está a par da crise do governo Lula da Silva?
Guzmán - Desgraçadamente.
Folha - O que pensa a respeito?
Guzmán - Parece haver uma oposição disposta a não perdoar nada. Por outro lado, suponho que governar o Brasil seja uma tarefa titânica.
Senti muito quando, no primeiro ano do governo Lula, colaboradores seus da vida toda saíram, por julgar que o governo ia para o centro ou a centro-direita.
Não me atrevo a julgar isso, mas lamento muito. Sem unidade, dificilmente pode-se enfrentar inimigo tão poderoso como os EUA.
Folha - Que tipo de "inimigo" são os Estados Unidos da era Bush?
Guzmán - É um dos governos mais débeis da história dos EUA. A luta frontal contra o terrorismo é uma política cega que não faz mais do que semear o terrorismo pelo mundo todo. Na comparação, Bush faz [o presidente Ronald] Reagan [1981-89] parecer um estadista --um disparate.
Folha - Como avalia a chance de uma mulher de esquerda, Michelle Bachelet, eleger-se presidente do Chile neste ano?
Guzmán - Mulher ou homem, interessa é que o próximo presidente aprofunde a democracia, ainda insuficiente. A economia funciona bem, mas a um custo altíssimo. Os contratos são precários. Não se exerce o direito de greve.
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Trilogia "A Batalha do Chile" costura páginas da (quase) revolução
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da Folha de S.Paulo
Quando achou que "as palavras "política" e "utopia" haviam se unido" em seu país, o chileno Patricio Guzmán, 64, decidiu escrever com a câmera a sua "declaração de princípios".
O "texto" são os 285 minutos (repartidos em três partes) do documentário "A Batalha do Chile", que vê a ascensão e queda do governo Salvador Allende (1970-73), a partir dos gabinetes e das ruas.
A 29ª Mostra de SP exibe hoje a obra, que ocupa lugar definitivo na galeria dos filmes políticos desde 1979, quando foi concluída.
Foi sobre o papel do documentário e a política na América Latina de ontem e de hoje a conversa que Guzmán teve com a Folha, por telefone, de Paris, onde vive.
Folha - Durante as filmagens o sr. percebeu que "A Batalha do Chile" teria tanta relevância histórica?
Patricio Guzmán - Estávamos conscientes, porque a situação era muito dramática. Um período crucial se avizinhava. Ou haveria um golpe de Estado ou Allende conseguiria controlar a situação e aprofundar a revolução. Ambos eram muito importantes.
Folha - O sr. deixa claro que está ao lado de Allende. No entanto, o filme é respeitado também por quem tem opiniões políticas distintas. A que atribui esse resultado?
Guzmán - O cineasta não é um observador neutro e desapaixonado da realidade. É um participante ativo. O problema é a verossimilhança. É preciso ser crível no que se conta.
A objetividade é um princípio que não se aplica ao cinema documental. Dos períodos históricos que a objetividade atravessou, o mais odioso para nós, documentaristas, foi nos 60, quando as grandes cadeias de TV dos EUA e as estatais européias estabeleceram o princípio da objetividade.
Como se pode pedir a um pintor que use a mesma dose de amarelo, azul e verde num quadro? É impossível. Vai contra a natureza do cinema. Talvez a objetividade jornalística anglo-saxã possa se aplicar a reportagens de TV. Mas não a um documentário de autor.
Folha - Acha que seu filme contribuiu para o julgamento histórico de Allende (1908-73) e Pinochet?
Guzmán - Contribuiu sobretudo para defender a Unidade Popular e o projeto de Allende. No Chile, demoliu-se tão sistematicamente a imagem do governo Allende nos últimos 30 anos que tenho a impressão de que o filme é a única prova de que aquilo existiu.
Folha - O sr. está a par da crise do governo Lula da Silva?
Guzmán - Desgraçadamente.
Folha - O que pensa a respeito?
Guzmán - Parece haver uma oposição disposta a não perdoar nada. Por outro lado, suponho que governar o Brasil seja uma tarefa titânica.
Senti muito quando, no primeiro ano do governo Lula, colaboradores seus da vida toda saíram, por julgar que o governo ia para o centro ou a centro-direita.
Não me atrevo a julgar isso, mas lamento muito. Sem unidade, dificilmente pode-se enfrentar inimigo tão poderoso como os EUA.
Folha - Que tipo de "inimigo" são os Estados Unidos da era Bush?
Guzmán - É um dos governos mais débeis da história dos EUA. A luta frontal contra o terrorismo é uma política cega que não faz mais do que semear o terrorismo pelo mundo todo. Na comparação, Bush faz [o presidente Ronald] Reagan [1981-89] parecer um estadista --um disparate.
Folha - Como avalia a chance de uma mulher de esquerda, Michelle Bachelet, eleger-se presidente do Chile neste ano?
Guzmán - Mulher ou homem, interessa é que o próximo presidente aprofunde a democracia, ainda insuficiente. A economia funciona bem, mas a um custo altíssimo. Os contratos são precários. Não se exerce o direito de greve.
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