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30/04/2006
-
10h55
NOEMI JAFFE
Colaboração para a Folha de S.Paulo
Numa rua escondida de Londres, duas moças sentadas na calçada falam em português. Ao aproximar-se, o cineasta Henrique Goldman, 45, percebe que elas vendem quentinhas com pão de queijo, guaraná e cafezinho. Às quartas e sábados, feijoada.
Era a esse mundo que pertencia Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia inglesa em 2005: brasileiros que vivem em Londres e trabalham como faxineiros, pedreiros e motoboys, e sobre quem Goldman --diretor de documentários para a TV européia, além do longa "Princesa", de 2001, sobre um travesti brasileiro na Itália-- planeja seu próximo filme.
"Ele [Jean] tinha a bandeira da Inglaterra no carro e adorava a polícia inglesa. Era eletricista, falava inglês muito mal, como praticamente todos os imigrantes brasileiros, e gostava de música sertaneja: Chitãozinho e Xororó, Bruno e Marrone", diz o cineasta radicado em Londres, que saiu do Brasil aos 19 anos.
É em função da singularidade de Jean Charles e, mais amplamente, da comunidade de brasileiros em Londres que cresce a cada ano, mas que não se mistura à vida cotidiana da cidade, que se desencadeou um "braço-de-ferro" entre Goldman e a provável produtora do filme, a BBC --ainda não há previsão de início das gravações.
"Eles preferem que eu mostre o lado da polícia e sua hipocrisia [como a tentativa inicial de negar sua responsabilidade diante dos fatos]", afirma o diretor.
"Todos aqui adoram os policiais ingleses, que não usam armas, são educadíssimos e o próprio Jean os admirava. É uma hipocrisia tipicamente inglesa, uma necessidade de "bonzinhice" e de suposta integridade. Mas existe um lado hipócrita também por parte dos brasileiros, que se escandalizam como se não conhecessem coisas assim", afirma.
Outsider
Para Goldman, posições aparentemente altruístas, como a reação da população local à participação da Inglaterra na Guerra do Iraque, "escondem uma culpa colonialista". "As pessoas fazem de conta que são contra a guerra. Mas a questão é: até que ponto você é mesmo contra a guerra? Se fosse declarada uma guerra contra o Brasil, eu iria embora daqui. Mas é contra o Iraque! Então todos fingem que se assustam, mas não fazem nada."
Privilegiar a vida de Jean Charles, mais do que estabelecer uma crítica institucional, traduz a linguagem de Goldman, que se define como um outsider, judeu no Brasil e brasileiro na Inglaterra, interessado pelos demais outsiders: quem é excluído, quem se exclui por opção ou ambos.
À pergunta sobre se o judeu não seria um outsider privilegiado, Goldman --judeu de um Bom Retiro que para ele é como uma "little Italy", um microcosmo que ele diz reencontrar em todas as partes do mundo-- responde que "o "outsiderismo" é algo tão arraigado, tão atávico no judaísmo, que o sujeito nem precisa ser excluído para ser um outsider".
Talvez por isso ele considere estar fazendo sempre o mesmo filme, uma história de alguém que vê o mundo pela tangente. Para os brasileiros, principalmente para aqueles que vão a Londres em busca de um sucesso duvidoso, a tangente é certamente nossa ventura e também nossa desventura. Jean Charles é prova disso.
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Numa rua escondida de Londres, duas moças sentadas na calçada falam em português. Ao aproximar-se, o cineasta Henrique Goldman, 45, percebe que elas vendem quentinhas com pão de queijo, guaraná e cafezinho. Às quartas e sábados, feijoada.
Era a esse mundo que pertencia Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia inglesa em 2005: brasileiros que vivem em Londres e trabalham como faxineiros, pedreiros e motoboys, e sobre quem Goldman --diretor de documentários para a TV européia, além do longa "Princesa", de 2001, sobre um travesti brasileiro na Itália-- planeja seu próximo filme.
"Ele [Jean] tinha a bandeira da Inglaterra no carro e adorava a polícia inglesa. Era eletricista, falava inglês muito mal, como praticamente todos os imigrantes brasileiros, e gostava de música sertaneja: Chitãozinho e Xororó, Bruno e Marrone", diz o cineasta radicado em Londres, que saiu do Brasil aos 19 anos.
É em função da singularidade de Jean Charles e, mais amplamente, da comunidade de brasileiros em Londres que cresce a cada ano, mas que não se mistura à vida cotidiana da cidade, que se desencadeou um "braço-de-ferro" entre Goldman e a provável produtora do filme, a BBC --ainda não há previsão de início das gravações.
"Eles preferem que eu mostre o lado da polícia e sua hipocrisia [como a tentativa inicial de negar sua responsabilidade diante dos fatos]", afirma o diretor.
"Todos aqui adoram os policiais ingleses, que não usam armas, são educadíssimos e o próprio Jean os admirava. É uma hipocrisia tipicamente inglesa, uma necessidade de "bonzinhice" e de suposta integridade. Mas existe um lado hipócrita também por parte dos brasileiros, que se escandalizam como se não conhecessem coisas assim", afirma.
Outsider
Para Goldman, posições aparentemente altruístas, como a reação da população local à participação da Inglaterra na Guerra do Iraque, "escondem uma culpa colonialista". "As pessoas fazem de conta que são contra a guerra. Mas a questão é: até que ponto você é mesmo contra a guerra? Se fosse declarada uma guerra contra o Brasil, eu iria embora daqui. Mas é contra o Iraque! Então todos fingem que se assustam, mas não fazem nada."
Privilegiar a vida de Jean Charles, mais do que estabelecer uma crítica institucional, traduz a linguagem de Goldman, que se define como um outsider, judeu no Brasil e brasileiro na Inglaterra, interessado pelos demais outsiders: quem é excluído, quem se exclui por opção ou ambos.
À pergunta sobre se o judeu não seria um outsider privilegiado, Goldman --judeu de um Bom Retiro que para ele é como uma "little Italy", um microcosmo que ele diz reencontrar em todas as partes do mundo-- responde que "o "outsiderismo" é algo tão arraigado, tão atávico no judaísmo, que o sujeito nem precisa ser excluído para ser um outsider".
Talvez por isso ele considere estar fazendo sempre o mesmo filme, uma história de alguém que vê o mundo pela tangente. Para os brasileiros, principalmente para aqueles que vão a Londres em busca de um sucesso duvidoso, a tangente é certamente nossa ventura e também nossa desventura. Jean Charles é prova disso.
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