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06/02/2007 - 02h30

Em Washington, serviços terceirizados assumem papel maior que nunca

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SCOTT SHANE
RON NIXON

do New York Times, em Washington

Em junho, por falta de pessoal para conduzir casos de incompetência e fraude em empresas contratadas como prestadoras de serviços ao governo federal dos Estados Unidos, a General Services Administration (GSA), que gerencia os serviços administrativos do governo federal norte-americano, adotou a resposta reflexa da presente administração para quase qualquer problema.

Contratou mais um prestador de serviços.

Aparentemente não fazia diferença que a empresa contratada, a CACI International, tivesse ela mesma evitado recentemente uma suspensão de seus contratos federais, ou que o trabalho, que envolvia o estudo de arquivos de investigação de outros provedores de serviços, parecesse representar conflito de interesses, ou que os serviços de cada profissional fornecido pelo grupo custassem US$ 104 por hora aos contribuintes. Seis trabalhadores da CACI rapidamente se uniram às centenas de outros trabalhadores terceirizados que prestam serviços à GSA.

Sem debate público ou anúncio formal de decisão, os prestadores de serviços se tornaram virtualmente um quarto ramo do governo. Depois de décadas de alta, os gastos com contratos federais de terceirização de serviços explodiram de vez nos anos Bush, superando a marca dos US$ 400 bilhões, no ano passado, ante US$ 207 bilhões, em 2000, estimulados pela guerra no Iraque, pelos gastos mais elevados com a segurança interna e pelo furacão Katrina, mas além disso também por uma filosofia que encoraja a terceirização de praticamente todas as funções de governo.

Empresas contratadas constroem navios e satélites, mas também arrecadam o imposto de renda e organizam os orçamentos de agências federais, pilotam aviões de espionagem não tripulados e registram as atas nas reuniões do governo sobre a política referente à guerra no Iraque. Os terceirizados estão ao lado dos funcionários públicos em praticamente todas as agências, e seu número supera em muito os dos servidores públicos diretamente contratados. Até mesmo o banco de dados online do governo para acompanhar os contratos públicos, conhecido como Federal Procurement Data System [sistema de dados de aquisições federais] foi terceirizado (e é notório por sua dificuldade de uso).

A explosão de serviços terceirizados suscita questões de fiscalização, custo e responsabilidade legal, que há muito vêm incomodando os grupos de defesa dos interesses públicos, e agora estão começando a atrair o interesse da maioria democrata no Congresso. Embora casos flagrantes de fraude e desperdício conquistem manchetes, a preocupação vai além dos simples delitos. Entre os temas que atraem atenção estão:

-- A concorrência entre os prestadores de serviços, cujo objetivo era gerar economias, parece se ter reduzido acentuadamente. Uma análise do "New York Times" demonstra que menos de metade das "ações de contrato" --novos contratos e pagamentos referentes a contratos existentes-- estão agora sujeitas a competição aberta. Em 2005, apenas 48% dos contratos foram disputados em condições de concorrência aberta, ante 79% em 2001.

-- Algumas funções governamentais secretas e delicadas em termos políticos, como a coleta de informações e a preparação de orçamentos públicos, estão cada vez mais sendo transferidas a prestadores de serviços, apesar dos regulamentos que proíbem a terceirização de trabalhos "inerentemente governamentais". Scott Amey, diretor jurídico do Project on Government Oversight, um grupo civil que fiscaliza as atividades do governo, disse que permitir que funcionários da CACI revisassem o trabalho de outros provedores terceirizados capturava em microcosmo um "governo dirigido por empresas".

-- Muitas agências públicas sofreram redução em sua capacidade de buscar os preços mais baixos, supervisionar os fornecedores de serviços e intervir quando surgem problemas, porque o número de funcionários diretor do governo trabalhando na fiscalização de contratos se manteve o mesmo, e os montantes gastos se multiplicaram. Um prestador de serviços ao governo federal explicou francamente, em conversa telefônica com analistas financeiros, em maio, que 'um dos benefícios colaterais da carga excessiva de trabalho dos funcionários que cuidam dos contratos' era a simples prorrogação de contratos existentes, em situações que justificariam uma concorrência para um novo contrato.

-- Os provedores de serviços de maior sucesso nem sempre são os que fazem o melhor trabalho, mas aqueles que dominaram as técnicas especializadas necessárias para vender ao governo. Os 20 maiores provedores de serviços terceirizados gastaram quase US$ 300 milhões em lobby e doaram US$ 23 milhões a campanhas políticas, de 2000 para cá. "Criamos imensas empresas que derivam entre 90% e 95% de seu faturamento do governo", disse Peter W. Singer, que escreveu um livro sobre a terceirização de contratos referentes às forças armadas. "Elas não são realmente empresas; são quase agências públicas". De fato, a maior fornecedora do governo federal, a Lockheed Martin, que gastou US$ 53 milhões em lobby e US$ 6 milhões em doações de campanha de 2000 para cá, recebe mais verbas federais a cada ano do que os departamentos da Justiça ou Energia.

-- A terceirização de funções quase sempre reduz a fiscalização pública, já que programas governamentais ficam ocultos por trás das portas de empresas privadas. Empresas, diferentemente de agências públicas, não estão sujeitas à Lei de Liberdade de Informação. O Congresso está tentando sem sucesso há dois anos obrigar o exército a explicar os contratos dos seguranças fornecidos pela Blackwater USA para serviço no Iraque, que envolvem diversas e dispendiosas camadas de subfornecedores.

Ponderando os limites

A disparada nos contratos terceirizados gerou alarme em ambos os partidos. Um estudo que acaba de ser concluído por especialistas apontados pela Casa Branca e Congresso para o Painel de Assessoria sobre Aquisições constatou que a tendência representa "ameaça à capacidade do governo para executar sua missão, em longo prazo" e poderia "solapar a estratégia do processo decisório governamental".

O Comitê de Fiscalização e Reforma Governamental da Câmara, cujo novo presidente, o deputado democrata Henry A. Waxman, acrescentou a palavra "fiscalização" ao título do painel como sinal de suas intenções, começará na terça-feira uma série de audiências para investigar os contratos no Iraque e os do Departamento de Segurança Interna.

David M. Walker, que como controlador geral dos Estados Unidos comanda o Government Accountability Office (GAO), órgão que fiscaliza as contas e práticas públicas, instou o Congresso a estudar com atenção os limites devidos da terceirização. Walker não se posicionou contra os provedores de serviços --sua agência também depende deles, como admitiu--, mas diz que muitas vezes essas empresas não trabalham com a eficiência e economia de custos prometidas. Não se pode esperar que empresas privadas defendam os interesses dos contribuintes, ele afirmou.

Até mesmo os mais francos críticos da prática reconhecem que o governo não pode operar sem provedores externos de serviço, que oferecem capacidades adicionais para enfrentar crises sem expandir a burocracia permanente. Os provedores de serviços também fornecem capacidades especializadas de que um governo não dispõe. E não é segredo que alguns dos membros do Executivo preferem os provedores terceirizados, porque consideram a burocracia estatal lenta, inflexível ou incompetente.

A cautela quanto ao processo de concessão de contratos públicos remonta a 1941, quando o então senador Harry S Truman declarou que "nunca encontrei um provedor externo que, se não for vigiado, não deixe o problema para o governo resolver".

Mas o recente boom das terceirizações nasceu dos esforços de "reinvenção do governo" empreendidos pela administração Clinton, que cortou severamente os quadros do funcionalismo federal ao seu menor patamar desde 1960, e enxugou os métodos de concessão de contratos. Os limites quanto ao que constitui atividade "inerentemente governamental" e portanto não poderia ser executada por fornecedores terceirizados começaram a se tornar menos distintos, como o uso do pessoal da CACI International pela GSA comprova.

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