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23/02/2003 - 09h53

Bush coloca religião no centro da vida política

MARCIO AITH
da Folha de S.Paulo, em Washington

"In God we trust." Raras vezes antes de George W. Bush um presidente norte-americano levou tão a sério a frase impressa em cada nota de dólar nos Estados Unidos. Na Casa Branca de Bush, reuniões ministeriais começam com uma oração. Funcionários são instados a participar de leituras diárias da Bíblia, cujos trechos são transpostos regularmente para discursos presidenciais.

Embora seja prematuro afirmar que o governo da maior potência do mundo seja refém da fé religiosa de seu presidente, críticos enxergam em sua gestão a maior ofensiva já feita contra a separação entre igreja e Estado, um dos princípios republicanos basilares, consagrado na Primeira Emenda à Constituição dos EUA.

Em dois anos de governo, Bush propôs canalizar recursos sociais para entidades religiosas, autorizar preces e sermões em escolas públicas, subsidiar faculdades geridas por grupos religiosos e financiar o trabalho de entidades religiosas em presídios. "Estamos contestando na Justiça cada uma dessas iniciativas", disse à Folha Jeremy Leaming, diretor da Americans United for The Separation of Church and State, entidade sediada em Washington. "Bush é a pior ameaça à primeira emenda pelo menos em cem anos."

No plano externo, Bush exibe a convicção de ser dirigido por uma força divina que dá virtude moral à missão dos EUA no mundo -não só à guerra contra o terrorismo e à ofensiva contra o ditador Saddam Hussein, mas também à consolidação da hegemonia americana.

"Nós, americanos, temos fé em nós mesmos, mas não apenas em nós mesmos", disse o presidente durante seu último discurso sobre o Estado da União, no mês passado, no qual prometeu combater os "homens do mal" espalhados pelo mundo. "Não afirmamos ter conhecimento de tudo o que a Providência nos reserva, mas podemos confiar nela, depositando nossa confiança no Deus amoroso que está por trás de toda a vida e de toda a história. Que Ele possa nos guiar agora, e que Deus continue a abençoar os Estados Unidos da América."

Segundo a Casa Branca, as referências religiosas do presidente refletem seu próprio pensamento e visam energizar a fé da população, não uma religião em especial. "No começo, senti-me estranho lá dentro, mas nunca fui coagido ou hostilizado por não participar das leituras da Bíblia", disse à Folha David Frum, que trabalhou na Casa Branca como redator de discursos de Bush durante mais de um ano. Frum é judeu.

Para os grupos religiosos que defendem o presidente, Bush está trazendo a fé para a vida pública, mas não mistura igreja com Estado. Para eles, a religiosidade de Bush reforça não somente a fé dos cristãos, mas também a dos judeus, a dos budistas e até a dos muçulmanos.

Mas os críticos temem a avaliação de religiosos que apóiam a Casa Branca, como o rabino Daniel Lapin. Segundo Lapin, a religiosidade de Bush afastou a "epidemia da secularidade" imposta à população americana durante os oito anos de governo Bill Clinton. "Este é um país religioso. O conflito hoje não é entre fés concorrentes, mas entre as tradições judaica e cristã e a fé do liberalismo secular fundamentalista."

Num país em que 90% acreditam em Deus, 80% em milagres, e dois terços, na existência do diabo, a religiosidade dos presidentes é regra, não exceção. Dos 43 presidentes, apenas dois se consideravam livres-pensadores (Thomas Jefferson e Abraham Lincoln, que se dizia "deísta" e seguidor de Tom Paine). O restante esteve associado a várias denominações do protestantismo, e apenas um (Kennedy) era católico.

Os grupos protestantes que mais elegeram presidentes foram o episcopal (George Washington, James Madison, James Monroe, Franklin Delano Roosevelt, Gerald Ford e George Bush pai, entre outros) e o presbiteriano (Andrew Jackson, James Buchanan, James Knox Polk -que se tornaria metodista-, Grover Cleveland, Woodrow Wilson, Ulisses Grant, Dwight Eisenhower e Ronald Reagan).

Desse ponto de vista, Bush confirma a regra. No entanto seus críticos dizem que o atual presidente inova ao transportar sua religiosidade do discurso para a ação política. "Reagan citava Deus, mas não usava a fé para guiar políticas públicas nem para beneficiar grupos religiosos com dinheiro público", diz Leaming.

Bush pertenceu a uma igreja episcopal até converter-se, no casamento, ao metodismo, religião de sua mulher, Laura. Variante anglicana muito rígida, o metodismo foi fundado no século 18 por religiosos que adotavam um modo de vida rigorosamente respeitador dos preceitos bíblicos.

Mas foi somente em 1986, no ápice de seus problemas com o álcool, que Bush teria adotado a religião como âncora de sua vida. Naquele ano, Bush teve uma longa conversa com o reverendo Billy Graham, da qual, segundo suas próprias palavras, saiu "transformado". Como relatou Bush em sua autobiografia, Graham plantou "a semente da fé" em seu coração. "Foi o começo de uma nova caminhada, na qual eu comprometi meu coração novamente com Jesus Cristo."

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