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20/03/2003
-
05h05
da Folha de S.Paulo
O serviço secreto americano tem uma obsessão por criar perfis psicológicos de Saddam Hussein cujo resultado já se adivinha pelos traços ressaltados. O ditador é apresentado como o órfão miserável que se torna líder de uma gangue de rua, transplanta essa violência para o partido em que milita e deixa uma pilha de cadáveres no caminho para chegar à Presidência do Iraque. Em suma, é um psicopata.
Nada disso é falso, mas não explica o essencial: quem, ou que forças, sustentaram Saddam na sua escalada. Os Estados Unidos, e em menor grau a França e o Reino Unido, têm razões de sobra para evitar o assunto. Desde os anos 60, Saddam tem sido ajudado pela CIA, o serviço secreto dos EUA.
O mundo tribal no qual Saddam se criou ajuda a entender as suas obsessões por armas, tecnologia e honra. Ele nasceu num vilarejo chamado al-Awja, próximo à cidade de Tekrit, a cerca de 150 km de Bagdá, em 28 de abril de 1937.
Seu pai morreu pouco antes de nascer. Para ajudar a mãe, trabalhava como pastor. Numa autobiografia lançada no ano passado, ele faz referência ao mundo em que foi criado: "Pobreza abjeta e atraso estavam por toda a parte, inclusive Bagdá, apesar da abundância de águas e terras".
Saddam foi iniciado na política por um tio que ajudou a criá-lo, Khayrallah Tilfah. O discurso de Tilfah temperava nacionalismo com uma profundo ódio aos estrangeiros, como mostra o título de um livro dele que o sobrinho fez publicar em 1981: "Três Coisas que Deus Nunca Deveria Ter Criado: Persas, Judeus e Moscas".
Sua militância foi precoce. Aos 19 anos, já estava no partido Baath, que se tornaria o veículo de sua ascensão à Presidência. O partido defendia uma sociedade secular num país de maioria muçulmana e pregava o pan-arabismo, uma reação aos colonizadores europeus que ocupavam o Oriente Médio.
Em 1959, Saddam participa da tentativa de assassinato do líder iraquiano Abdul Karim Kassem, que resultou no seu exílio no Egito. Lá, só reforça seu pendor nacionalista, tendência que ganhara força com a vitória do presidente Gamal Abdul Nasser na guerra de Suez, em 1956, sobre tropas de Israel, França e Grã-Bretanha.
Em 1968, Saddam e seu partido chegam ao poder após um golpe de Estado.
Ele era o responsável pela organização da milícia que levou o partido ao poder. Foi no Baath que ele desenvolveria métodos que aplica até hoje, como a espionagem e o uso da força.
Não há muitas dúvidas de que o modelo mór de Saddam é o ditador soviético Josef Stálin. Em julho de 1979, Saddam deu um golpe e depôs Ahmad Hassan Bakr. Sua primeira providência como presidente foi exterminar mais da metade do comando do partido.
Na política interna, ele priorizou três frentes: a) tentou dotar o país de um infra-estrutura moderna, com estradas, ferrovias e água encanada; b) introduziu programas sociais, sobretudo na área de saúde; c) aplicou políticas de controle que aprendera na antiga Alemanha Oriental, como o estímulo de delação dentro das famílias e das escolas, e a divulgação das brutalidades cometidas pela polícia secreta. Com isso, praticamente dizimou a oposição.
A modernização visava criar uma imagem para angariar apoio no Ocidente. Saddam queria ser o contrapeso a Israel no Oriente Médio _e convenceu os EUA, a Grã-Bretanha e a França de que era a melhor alternativa na região, já que construíra um país secular, em contraponto ao Irã dominado por uma casta religiosa. Saddam conseguiu esses apoios porque ameaçava, mais de uma vez, se aliar com a União Soviética.
O acúmulo de forças foi decisivo para a primeira das empreitadas bélicas de Saddam. Em 1980, ele iniciou um guerra contra o Irã que duraria oito anos e na qual exibiu pela primeira vez seu arsenal de armas químicas.
Saddam aproveitou a vitória sobre o Irã para atacar a minoria curda que vive no norte do país. Ele é acusado de ter matado 5.000 curdos com armas químicas, em março de 1988.
Foi só com a invasão do Kuait (1990) e com a Guerra do Golfo (1991), porém, que os EUA iniciaram uma campanha internacional contra Saddam.
Documentos mostram que até a invasão do Irã teve o "OK" dos EUA _funcionários do serviço secreto encontraram-se com Saddam na Jordânia pouco antes do início da guerra.
Saddam luta para se mostrar como vítima do imperialismo, mas sua popularidade decresce com o aumento da pobreza que acompanha o embargo imposto em 1990. Sua única saída para permanecer no poder é elevar o nível de violência. A melhor ilustração do isolamento do ditador é o número de exilados: 4 milhões numa população de 24 milhões.
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Biografia: Saddam Hussein nasceu em meio à pobreza
MARIO CESAR CARVALHOda Folha de S.Paulo
O serviço secreto americano tem uma obsessão por criar perfis psicológicos de Saddam Hussein cujo resultado já se adivinha pelos traços ressaltados. O ditador é apresentado como o órfão miserável que se torna líder de uma gangue de rua, transplanta essa violência para o partido em que milita e deixa uma pilha de cadáveres no caminho para chegar à Presidência do Iraque. Em suma, é um psicopata.
Reuters - 4.fev.2003 |
Saddam Hussein, presidente do Iraque |
O mundo tribal no qual Saddam se criou ajuda a entender as suas obsessões por armas, tecnologia e honra. Ele nasceu num vilarejo chamado al-Awja, próximo à cidade de Tekrit, a cerca de 150 km de Bagdá, em 28 de abril de 1937.
Seu pai morreu pouco antes de nascer. Para ajudar a mãe, trabalhava como pastor. Numa autobiografia lançada no ano passado, ele faz referência ao mundo em que foi criado: "Pobreza abjeta e atraso estavam por toda a parte, inclusive Bagdá, apesar da abundância de águas e terras".
Saddam foi iniciado na política por um tio que ajudou a criá-lo, Khayrallah Tilfah. O discurso de Tilfah temperava nacionalismo com uma profundo ódio aos estrangeiros, como mostra o título de um livro dele que o sobrinho fez publicar em 1981: "Três Coisas que Deus Nunca Deveria Ter Criado: Persas, Judeus e Moscas".
Sua militância foi precoce. Aos 19 anos, já estava no partido Baath, que se tornaria o veículo de sua ascensão à Presidência. O partido defendia uma sociedade secular num país de maioria muçulmana e pregava o pan-arabismo, uma reação aos colonizadores europeus que ocupavam o Oriente Médio.
Em 1959, Saddam participa da tentativa de assassinato do líder iraquiano Abdul Karim Kassem, que resultou no seu exílio no Egito. Lá, só reforça seu pendor nacionalista, tendência que ganhara força com a vitória do presidente Gamal Abdul Nasser na guerra de Suez, em 1956, sobre tropas de Israel, França e Grã-Bretanha.
Em 1968, Saddam e seu partido chegam ao poder após um golpe de Estado.
Ele era o responsável pela organização da milícia que levou o partido ao poder. Foi no Baath que ele desenvolveria métodos que aplica até hoje, como a espionagem e o uso da força.
Não há muitas dúvidas de que o modelo mór de Saddam é o ditador soviético Josef Stálin. Em julho de 1979, Saddam deu um golpe e depôs Ahmad Hassan Bakr. Sua primeira providência como presidente foi exterminar mais da metade do comando do partido.
Na política interna, ele priorizou três frentes: a) tentou dotar o país de um infra-estrutura moderna, com estradas, ferrovias e água encanada; b) introduziu programas sociais, sobretudo na área de saúde; c) aplicou políticas de controle que aprendera na antiga Alemanha Oriental, como o estímulo de delação dentro das famílias e das escolas, e a divulgação das brutalidades cometidas pela polícia secreta. Com isso, praticamente dizimou a oposição.
A modernização visava criar uma imagem para angariar apoio no Ocidente. Saddam queria ser o contrapeso a Israel no Oriente Médio _e convenceu os EUA, a Grã-Bretanha e a França de que era a melhor alternativa na região, já que construíra um país secular, em contraponto ao Irã dominado por uma casta religiosa. Saddam conseguiu esses apoios porque ameaçava, mais de uma vez, se aliar com a União Soviética.
O acúmulo de forças foi decisivo para a primeira das empreitadas bélicas de Saddam. Em 1980, ele iniciou um guerra contra o Irã que duraria oito anos e na qual exibiu pela primeira vez seu arsenal de armas químicas.
Saddam aproveitou a vitória sobre o Irã para atacar a minoria curda que vive no norte do país. Ele é acusado de ter matado 5.000 curdos com armas químicas, em março de 1988.
Foi só com a invasão do Kuait (1990) e com a Guerra do Golfo (1991), porém, que os EUA iniciaram uma campanha internacional contra Saddam.
Documentos mostram que até a invasão do Irã teve o "OK" dos EUA _funcionários do serviço secreto encontraram-se com Saddam na Jordânia pouco antes do início da guerra.
Saddam luta para se mostrar como vítima do imperialismo, mas sua popularidade decresce com o aumento da pobreza que acompanha o embargo imposto em 1990. Sua única saída para permanecer no poder é elevar o nível de violência. A melhor ilustração do isolamento do ditador é o número de exilados: 4 milhões numa população de 24 milhões.
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