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13/10/2003 - 18h09

Evo Morales e Felipe Quispe negam liderar protestos na Bolívia

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da France Presse, em La Paz
da Folha Online

Os líderes opositores bolivianos Evo Morales (produtor de coca) e Felipe Quispe (líder sindical) negaram hoje, em separado, uma suposta liderança dos protestos populares que exigem a renúncia do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que os acusou de organizar uma conspiração contra seu governo.

"O presidente boliviano está mareado com o poder (...) é tão teimoso, tão caprichoso e tão soberbo que não quer escutar o povo boliviano, que saiu às ruas para pedir sua renúncia em quatro cidades do país", afirmou Morales, líder do Movimento Ao Socialismo (MAS).

Morales, que disputou a Presidência com Sánchez de Lozada, disse que se o presidente não renunciar, a pedido do povo boliviano, causará mais atos de sangue, depois de um mês de conflitos que custaram a vida de pelo menos 28 pessoas e deixaram mais de cem feridas.

Líder da poderosa Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses (CSUTCB) e do Movimento Indígena Pachacuti (MIP), Quispe, cujos militantes mantêm parcialmente bloqueadas as estradas do planalto andino há um mês, afirmou que o presidente "continua confuso".

"Ele está em um laboratório e não conhece a nossa realidade", acrescentou.

"Vamos sair às ruas até que este Sánchez de Lozada renuncie. Estão nos matando em nome da democracia. Se vão nos caçar, muito bem, que venha a morte. Nascemos para isso, não tenho medo", declarou Quispe.

Mortes

Dois civis morreram hoje em La Paz, onde milhares de bolivianos protestam contra o governo, informou a polícia. Segundo a polícia, manifestantes estão saqueando e incendiando lojas enquanto avançam na direção de bairros residenciais, em meio à convulsão social que pede a renúncia de Sánchez de Lozada.

Dois homens foram baleados em pleno centro de La Paz, segundo a Unidade Operacional de Trânsito. Os manifestantes foram pegos incendiando uma galeria comercial perto da avenida Mariscal Santa Cruz, no centro da cidade, cenário de violentos choques entre a polícia e saqueadores, afirmou a polícia.

Milhares de pessoas saíram às ruas de La Paz, para protestar contra o governo e pedir a renúncia de Sánchez de Lozada. Muitos se dirigiam ao palácio presidencial, que está sob guarda militar.

Estações de rádio bolivianas pediam que soldados e policiais não atirassem nas pessoas.

Os manifestantes reivindicam, além da saída do presidente, que o país não exporte gás para os Estados Unidos via costa norte chilena --região disputada por Bolívia e Chile. O território era a única saída para o mar que a Bolívia possuía e foi perdido para Santiago na Guerra do Pacífico, em 1879.

Renúncia

O ministro do Desenvolvimento Econômico da Bolívia, Jorge Torres, renunciou nesta tarde a seu cargo no governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Pouco antes, o partido populista Nova Força Republicana (NFR), recentemente aliado ao governo da Bolívia, retirou seus três ministros do gabinete.

David Mercado/Reuters
Gonzalo Sánchez de Lozada, presidente da Bolívia
Em uma carta dirigida ao presidente, Torres afirma: "Não acredito em soluções de força e menos ainda quando do outro lado se encontra a maioria da população. Dadas estas condições e desde este ponto de vista, e de acordo com meus princípios, apresento minha renúncia irrevogável". Torres é membro do Movimento da Esquerda Revolucionaria (MIR, social-democrata), principal aliado de Sánchez de Lozada.

Filho do ex-presidente progresista Juan José Torres (1979-71), assassinado em Buenos Aires (Argentina) em maio de 1976, Jorge Torres não informou na carta se sua decisão representava oposição do MIR, liderado pelo ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-93).

O governo de Sánchez de Lozada, que assumiu o país em agosto de 2002 para um período de cinco anos, conta com o respaldo do MIR --principal aliado do governo--, que hoje fez uma reunião em um local não divulgado de La Paz, para avaliar a situação crítica que o país atravessa, de acordo com informações das rádio locais.

O MIR ocupa outros dois ministérios --Relações Exteriores e Assuntos Camponeses.

Reunião

Sánchez de Lozada reuniu-se em caráter de emergência com seus ministros e com o alto comando militar para avaliar a situação política do país. Após a reunião o presidente afirmou que não renunciará a seu cargo.

"Eu não vou renunciar. Assumi com muita seriedade o cargo que recebi do povo e o juramento que fiz para Deus, à pátria e aos sagrados evangelhos", disse Sánchez de Lozada, enquanto a convulsão social que atinge o país estendeu-se hoje para La Paz, Oruro e Cochabamba.

Sánchez de Lozada também denunciou uma conspiração da oposição indígena liderada por Morales, segundo o ministro da Fazenda Javier Comboni.

Apesar de o vice-presidente Carlos Mesa ter retirado seu apoio às ações do governo --sem renunciar a seu cargo-- e de o NFR ter retirado seus três ministros do gabinete, o ministro da Fazenda disse que "o presidente conta com o apoio de seus ministros".

As Forças Armadas e a Polícia Civil se mantêm leais ao presidente, que "não pensa em renunciar", acrescentou Comboni.

Atingido por uma grave crise social focalizada em La Paz e em El Alto (12 km da capital), Sánchez de Lozada enfrenta pedidos de renúncia por parte de sindicatos e do principal partido de oposição, o MAS.

Retirada

O NFR retirou hoje seus três ministros do gabinete de Sánchez de Lozada. Os ministros que deixaram seus cargos são o do Desenvolvimento Sustentável (Erick Reyes Villa), do Trabalho (Aldalberto Kuajara) e das Finanças (Dante Pino).

"O povo boliviano está pedindo a renúncia do presidente e creio que para se chegar à paz há uma saída constitucional, sobre a qual deveríamos trabalhar de maneira séria e responsável", disse Antezana, referindo-se à sucessão constitucional do vice-presidente Carlos Mesa --que retirou hoje seu apoio ao presidente Lozada por discordar da forma como o governo está agindo para interromper a convulsão social que tomou conta do país.

Em uma declaração ambígua, Antezana disse eu a saída dos ministros da NFR "não significa que eles deixaram o governo".

"Se o povo está pedindo renúncia de Lozada, creio que o presidente, como uma medida sensata, deveria escutar o povo", afirmou, enquanto uma célula da NFR no Departamento de Chuquisaca (sudeste) também se pronunciou pela renúncia do presidente.

Reivindicações

Os trabalhadores exigem a renúncia de Sánchez de Lozada, acusado de ter ligações muito fortes com os EUA na luta contra o narcotráfico e de querer exportar petróleo e gás natural para o governo norte-americano por meio de um porto chileno --país que mantém uma relação problemática com a Bolívia.

Os manifestantes querem a suspensão dos planos da Bolívia de aumentar as exportações de gás natural, provavelmente para o México e para os EUA. Eles são contrários às exportações porque alegam que o produto deveria ser usado para abastecer, gratuitamente, 250 mil residências que não têm acesso a gás.

Eles também defendem que o gás seja processado na Bolívia para que o país busque vender um produto com maior valor agregado.

Além disso, parte da oposição reclama que o produto teria de ser exportado via costa norte do Chile --região disputada pelos dois países. O território era a única saída para o mar que a Bolívia possuía e foi perdido para Santiago na Guerra do Pacífico, em 1879.

Suspensão

Nesta madrugada, Sánchez de Lozada anunciou a aprovação de um decreto que estabelece que o governo não poderá mais exportar gás a novos mercados enquanto não se realizar uma consulta popular sobre o assunto, que deverá ocorrer até o dia 31 de outubro.

O Executivo pretende instalar o diálogo hoje às 15h (17h de Brasília). Para isso, convocou os dirigentes da cidade de El Alto ao Palácio do Governo. O encontro ainda não está confirmado.

"Não exportaremos gás natural a novos mercados enquanto não realizarmos consultas e debates sobre este recurso, posto que devemos implementar, de forma imediata, um processo de diálogo entre os bolivianos e com as organizações da sociedade civil, consultas e debates deverão ser concluídos até o dia 31 de dezembro de 2003", afirma o decreto aprovado na noite de ontem, após um trágico acontecimento vivido em El Alto.

Durante o fim de semana, a ação militar deixou um saldo de 25 civis e um soldado mortos e pelo menos 67 feridos, a maioria deles por impactos de bala. El Alto protesta, desde a quarta-feira passada (8) --com uma greve cívica indefinida e o bloqueio de estradas-- pela recuperação da riqueza petroleira, a recusa à venda do gás e a renúncia do presidente.

Parte do trágico saldo foi consequência da operação que o Executivo levou adiante ontem para transportar caravanas de carros-cisterna de Senkata a La Paz, praticamente paralisada e à beira do desabastecimento. Veículos blindados militares e unidades motorizadas da polícia resguardaram o comboio disparando gases lacrimogêneos e armas de fogo contra supostos elementos perigosos.

Com agências internacionais

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