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06/06/2004 - 05h43

Rixa entre EUA e Europa não deve ser duradoura, dizem analistas

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

O presidente dos EUA, George W. Bush, participa hoje da comemoração do 60º aniversário do Dia D, o dia em que as forças aliadas desembarcaram na costa da Normandia, na França, e busca, em sua visita à Europa, iniciada anteontem, aparar as arestas deixadas pela disputa diplomática em torno da invasão do Iraque.

Ante esse quadro, a questão de peso é saber se a contenda atual terá impacto negativo sobre as relações transatlânticas no futuro. De acordo com especialistas consultados pela Folha, o que mina hoje os laços entre os EUA e a Europa é a atual política externa dos EUA, não diferenças essenciais.

"O unilateralismo do governo Bush mina as relações transatlânticas. Todavia, assim que essa linha da política externa americana perder força, provavelmente com a saída dos republicanos do poder, a situação melhorará, e os americanos e europeus perceberão que têm mais a ganhar com a manutenção de sua aliança histórica", analisou Ivo Daalder, que foi membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA (1995-96) sob o comando do democrata Bill Clinton (1993-2001).

"Rixas diplomáticas entre os EUA e a Europa não são uma novidade. Na década de 60, o então presidente francês, Charles de Gaulle, bateu de frente com Washington várias vezes, mas a aliança não foi abalada fundamentalmente", acrescentou o co-autor de "America Unbound: The Bush Revolution in Foreign Policy" (América sem amarras: a revolução de Bush na política externa).

De fato, a inserção da Europa, ao lado da Rússia e da China, no grupo de potências concorrentes dos EUA na cena global, feita por Bush em 2002, não agradou aos europeus. Entretanto ainda mais importante que isso foi o fato de os EUA terem contornado a ONU e invadido o Iraque sem a anuência da França e da Alemanha.

Para Michael Kreile, da Universidade Humboldt (Berlim), uma mudança na política externa dos EUA que desse ênfase a seu "soft power" (influência ideológico-cultural sobre o restante do planeta) --em detrimento de seu "hard power" (poder econômico-militar)-- seria suficiente para mostrar à Europa que a aliança transatlântica não está perto do fim.

Mesmo assim, a longo prazo, as perspectivas não são tão otimistas. Segundo Charles Kupchan, do Council on Foreign Relations (EUA), a situação é mais séria.

"As atitudes do governo Bush mostraram à Europa que há diferenças cruciais entre seus interesses e os dos americanos. Os europeus, principalmente os franceses e os alemães, perceberam que não podem influenciar Washington e tiveram de repensar o modo como agirão em relação aos EUA."

De acordo com Kupchan, isso servirá para consolidar a UE, apesar das divisões atuais do bloco no que concerne à política internacional. "Mesmo o Reino Unido, o maior aliado geopolítico dos EUA, notará que não tem muito a ganhar com seu apoio aos EUA."

Kupchan acredita que mesmo a Rússia já tenha compreendido que uma aproximação com os EUA não lhe renderia os frutos esperados. "Os russos fizeram várias concessões estratégicas para aproximar-se dos americanos na última década, no entanto nunca foram tratados como parceiros. Hoje eles percebem que a UE pode ser mais interessante do que eles imaginavam", explicou.

Vale lembrar que o comércio internacional da Rússia apenas com a Alemanha já se equipara ao que ela tem com os EUA. Isso sem falar nos outros 24 membros da UE.

Charles Tilly, autor de "Dynamics of Contention " (dinâmica da contenção), afirmou que o que está em jogo é o "sistema multilateralista criado após a Segunda Guerra". Os principais assessores de Bush têm dificuldade em curvar-se às restrições impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, o que faz que até os aliados dos EUA "se sintam ameaçados". "Isso não significa, porém, que as diferenças sejam irreconciliáveis."

Ele salientou, assim, que os problemas atuais não são insuperáveis. "Recentemente, os EUA adotaram uma política suicida que visa garantir o fornecimento de petróleo e estabelecer uma hegemonia militar global", apontou Tilly.

"A médio prazo, o lado negativo dessa política acabará minando sua aplicação, e os EUA voltarão a ter uma posição mais moderada, fortalecendo sua cooperação com a ONU e com a Europa. A longo prazo, emergirá uma nova configuração político-econômica global, na qual o leste e o sul da Ásia desempenharão um papel mais importante do que hoje", disse.

Diante dessa análise, fica claro que os EUA precisam fortalecer seus laços com a Europa. A intenção de Bush de acatar exigências internacionais para obter apoio no Iraque já é um bom presságio.

Afinal, o Dia D, o maior ataque militar aerotransportado da história, representou não apenas o início da libertação européia do jugo nazista mas também a consolidação de uma aliança que tem servido de base para o desenvolvimento do Ocidente desde então.

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