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03/11/2004 - 18h53

Conservadorismo americano reelege Bush e ajuda Lula, diz professor

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EMILIA BERTOLLI
da Folha Online

Depois da reeleição do presidente americano George W. Bush, nesta quarta-feira, em uma eleição com participação histórica e sob o estigma da Guerra do Iraque --que até hoje mantém os motivos que geraram seu início sem comprovação-- percebe-se claramente o aumento do conservadorismo da sociedade americana. Esta é a opinião do professor Gilberto Dupas, 61, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da USP (Universidade de São Paulo).

"Já que ele [o cidadão americano] comprou a idéia de que corre perigo todos os dias, que também compre a idéia de que Bush é melhor comandante contra o inimigo onipresente [o terrorismo] do que John Kerry", afirma Dupas.

Sobre a relação EUA-Brasil, o especialista em estudos internacionais julga que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva teve seus espaços ampliados a partir da radicalização de Bush, que permitiu algumas ações bem-sucedidas, permitiu espaços para a questão do Haiti e apoio a governos mais esquerdistas.

Leia abaixo a entrevista concedida, por telefone, à Folha Online:

Folha Online - Mesmo com contagem de votos incompleta, o presidente Bush foi declarado reeleito nesta quarta-feira após seu principal adversário, o democrata John Kerry, desistir de uma possível disputa judicial. O sr. que a permanência de Bush a supremacia republicana [no Senado e na Câmara dos Representantes] ameaça a democracia nos EUA?

Gilberto Dupas - Eu diria que a democracia americana não está em jogo. A sociedade americana ficou muito mais conservadora. Efetivamente, mesmo agora com as cicatrizes da política radical de Bush, ainda assim a sociedade americana votou nele, na sua maioria.

O cidadão médio americano nunca foi "internacionalizado". Ele sempre esteve voltado para questões internas do país, e, já que ele comprou a idéia de que corre perigo todos os dias, que também compre a idéia de que Bush é melhor comandante contra o inimigo onipresente [o terrorismo], do que Kerry. A sociedade americana decidiu [por Bush] por meio de suas referências pobres e precárias, que de alguma forma ainda atingem diretamente questões importantes --como, por exemplo, a ameaça de um novo tentado. Evidentemente, fica a grande pergunta: será que uma nova administração Bush não aumenta a probabilidade de um grande atentado mais do que a presença de Kerry no poder? Só a História poderá responder isso.

Folha Online - O fortalecimento da maioria republicana no Senado e na Câmara dos Representantes deve endurecer ainda mais a linha direitista do governo Bush?

Dupas - Uma maioria republicana com o governo Bush no segundo mandato pode torná-los mais radicais ou mais cientes de sua responsabilidade e mais abertos à influência de outras correntes. Gostaria que a segunda hipótese fosse contemplada, mas ainda não podemos saber. Entretanto, podemos pensar que os atentados de 11 de Setembro permitiram que os mais radicais exercessem um poder maior na definição da política da Casa Branca.

Essa eleição [deste ano] mostra que a sociedade americana, pelo menos em sua maioria, está de acordo com essa política. Isso é um problema, já que a situação ameaça cindir, de maneira inédita, talvez só comparável com a época da Guerra Civil americana, dois blocos que pensam bastante diferente.

Folha Online - Em muitas partes do mundo havia uma preferência clara em favor de Kerry, como na Europa e até mesmo no Brasil, onde pesquisas realizadas por sites de notícias apontaram a larga vitória do candidato democrata. Após os primeiro sinais de que Bush seria reeleito, vários países deixaram a preferência de lado e passaram a indicar certa 'indiferença' ao nome daquele que seria o novo presidente dos EUA. Na opinião do sr, qual deve ser nova configuração mundial com a reeleição de Bush?

Dupas - Em princípio me parece que a vitória de Bush nos dá a sensação de que o mundo caminhará por trilhas muito mais perigosas nesse início de século. Vai depender muito de como a Europa vai avançar no seu projeto de integração interna. Os países europeus hoje enfrentam situações difíceis: a questão do Bush, a votação da constituição que terá que ser votada pelos 25 países e aprovadas por cada um deles para ser implantada e a questão da Turquia. O ingresso da Turquia na Comunidade Européia levantou um imenso debate na Europa. Há uma tendência de consolidar-se em um agrupamento político, mais do que um mercado comum. Se ela [a Europa] conseguir se consolidar como agrupamento político sólido, pode tentar obter um poder compensatório em relação aos EUA. Não tenho dúvida de que a reeleição de Bush dificulta essa união. Além do mais, todos os países que declararam sua preferência por Kerry, por meio de pesquisas feitas por grandes jornais no mundo todo, tiveram o juízo de dizer que, independentemente de quem fosse vitorioso, era fundamental manter boas relações com os EUA.

Folha Online - É possível que Bush encontre alguma barreira na aplicação de suas políticas externas --que não possam ser derrubadas?

Dupas - Aí há duas questões: o Iraque e o conflito israelo-palestino. Será que a vitória de Bush não vai permitir que [o primeiro-ministro israelense] Ariel Sharon passe para um processo adicional de radicalização? O fato concreto é que a Europa considera uma enorme omissão a maneira pela qual os EUA não estão interferindo na questão da política israelense com os palestinos. Havia uma esperança de que Kerry invertesse isso. Como serão recebidos os apelos de Bush para "internacionalizar" a ocupação do Iraque? A Europa em princípio é contra. A questão é se os europeus ainda vão continuar resistindo aos apelos de Bush.

Folha Online - Como o sr. avalia o futuro da relação EUA-América Latina? E a relação EUA-Brasil?

Dupas - A América Latina é uma prioridade secundária ao governo Bush. A Folha de S.Paulo, por exemplo, anunciou recentemente que havia áreas na administração do governo de Lula que seriam favoráveis a Bush. O governo Lula teria sabido lidar com essa situação gerada por Lula. O governo de Lula teve seus espaços ampliados a partir da radicalização de Bush, que permitiu algumas ações bem-sucedidas, permitiu espaços para a questão do Haiti e apoio a governos mais esquerdistas, além do exercício de alianças com países do Cone Sul [bloco formado por Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Paraguai e Bolívia]. Sob esse ponto de vista eu diria que o governo Lula não perde com a vitória do Bush. Talvez o governo Lula tenha que insistir na possibilidade de uma integração sul-americana, com crítica suficiente para que essa região pudesse ser um "player" com um pouco mais de poder no cenário mundial.

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