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03/08/2006 - 02h35

Defesa do Líbano é feita pelo Hizbollah, afirma presidente libanês

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MARCELO NINIO
da Folha de S.Paulo, enviado especial a Beirute

Da colina em que está situado o palácio presidencial libanês, Emile Lahoud acompanhou impotente os bombardeios israelenses ao sul de Beirute. Comandante-em-chefe do Exército, o presidente não se constrange em admitir que a defesa do país está nas mãos do grupo xiita Hizbollah, ao qual se refere como "a resistência".

Na divisão de poder sectária determinada pela Constituição libanesa, Lahoud é o representante no poder dos cristãos maronitas. Mas mesmo em sua comunidade o apoio a ele é raro. O principal aliado é o regime sírio, cuja pressão esticou seu mandato até 2007, dois anos além do previsto na lei. Pela aliança com Damasco, Lahoud tornou-se alvo de intensas críticas dos opositores à dominação síria, para os quais era apenas um fantoche da ditadura que no ano passado, após 29 anos, foi forçada a se retirar do Líbano.

Em entrevista concedida à Folha no palácio presidencial, Lahoud afirmou que, como ele, a maioria dos libaneses apóia o Hizbollah, e disse que Israel impede a declaração de um cessar-fogo ao impor condições, mas fez questão de enumerar as suas. Disse ainda que a ofensiva israelense já deixou mais de 800 mortos e causou prejuízos de US$ 5 bilhões ao Líbano.

Folha de S.Paulo - Sr. presidente, a guerra está entrando na terceira semana. O cessar-fogo é uma questão de dias, semanas ou meses?

Emile Lahoud -
Eu acredito que se as Nações Unidas realmente acreditam em direitos humanos, deveria acontecer imediatamente. Mas quando se tenta impor condições para um cessar-fogo, todos os lados têm uma exigência e o conflito se prolonga. Talvez por isso, infelizmente, os Estados Unidos estejam permitindo que Israel prossiga, e nós estamos pagando um preço muito alto. Israel não está atingindo o Hizbollah, está atingindo os civis e a infra-estrutura do país. É bom que você esteja aqui, para ver com seus próprios olhos que estão demolindo o país. A única saída é suspender o fogo e respeitar a soberania do Líbano. O que nós pedimos? Primeiro, a troca de prisioneiros. É um direito do Líbano. Eles estão há 30 anos em poder de Israel. Segundo, o território de Shebaa tem que ser desocupado por Israel. Os sírios dizem que é território libanês, então que nos devolvam. Três: não invadam nosso espaço aéreo e marítimo. E queremos os mapas das minas terrestres, para que as crianças libanesas não sejam mortas. Isso é pedir muito? Se eles fizerem isso haverá cessar-fogo. Mas Israel não aceita isso, pois parece que planejou tudo isso antecipadamente. E pelo que li, foi em cooperação com os Estados Unidos.

Folha de S.Paulo - O sr. vê possibilidade de paz com Israel, em algum momento do futuro?

Lahoud -
Se eles aceitarem essas condições, abrirão caminho para a paz. Há outros temas que precisam ser resolvidos. Por exemplo, a presença de palestinos é um grande problema para o Líbano. De acordo com a resolução 194 da ONU, os palestinos têm direito de retornar à Palestina. Tudo o que queremos, de acordo com a nossa Constituição, é evitar a divisão do Líbano. Não podemos integrar os palestinos. Há 500 mil deles aqui e sua taxa de natalidade é três vezes maior que a libanesa. Em alguns anos haverá mais palestinos aqui que libaneses. Isso não pode acontecer.

Folha de S.Paulo - Como o sr. avalia a atuação da diplomacia internacional nesta crise?

Lahoud -
No início, muitos países árabes e europeus estavam contra o Líbano. Agora todos estão a favor, com exceção dos Estados Unidos, que exercem seu poder de veto [contra o cessar-fogo]. Houve um massacre em Qana. O que aconteceu? Ninguém culpou Israel, por causa dos EUA. Todos no Conselho de Segurança queriam responsabilizar Israel, exceto os EUA. Ao mesmo tempo, Israel ataca nosso Exército. Diz que quer que nosso Exército ocupe todo o Líbano, mas todo dia o ataca. Ontem [terça-feira] mataram três de nossos soldados no mesmo local que já haviam atacado. Portanto, não podem dizer que foi por engano. Mas como ninguém os condena, eles podem continuar. Em 1996 houve outro massacre. Há uma semana mataram quatro observadores da ONU. Por quê? Eu acho que sei. Um dia antes, Kofi Annan havia dito que era preciso declarar rapidamente um cessar-fogo. Portanto, o que não gostam eles atacam e ninguém os condena. Isso é errado.

Folha de S.Paulo - Como comandante-em-chefe do Exército libanês o sr. não poderia ter intercedido para que o Hizbollah suspendesse os ataques contra Israel e evitado essa crise?

Lahoud -
O comandante-em-chefe é um título honorário. Quem decide isso é o governo. E no governo há dois ministros do Hizbollah. Como podemos dizer à resistência que pare de lutar quando aviões nos atacam em todo os lugares? A não ser que queiram ditar as condições. Não vamos aceitar à força condições que são contrárias aos interesses do Líbano.

Folha de S.Paulo - Qual a sua relação com o Hizbollah e com seu líder, o xeque Hassan Nasrallah?

Lahoud -
Minha relação é com o governo, que tem dois ministros do Hizbollah. E sou um dos muitos libaneses que respeitam Hassan Nasrallah.

Folha de S.Paulo - Há uma semana o sr. disse que o Exército libanês entraria na luta ao lado do Hizbollah caso Israel invadisse o país. A incursão terrestre avança. O Exército está reagindo?

Lahoud -
É claro. Mas o Exército convencional é um alvo muito fácil, pois Israel sabe onde estão suas posições. Claro que quando há uma invasão o Exército tem que reagir, mas a resistência [Hizbollah] age por si própria. É isso que a torna forte, pois ninguém sabe onde e como eles atuam, onde têm armas. Se alguém lhe disser que sabe, está errado. Israel venceu todos os Exércitos árabes em seis dias [em 1967]. Agora já são 22 dias. E eles jamais poderão vencer. Agora estão dizendo que fizeram um pouso em Baalbeck. Isso é bom como show, mas o que fizeram? Mataram inocentes e saíram? Dizem que levaram três membros do Hizbollah. Naquela região todos são do Hizbollah! Então o que estão fazendo? Mas pode ter certeza de que nós pediremos à Justiça internacional que responsabilize Israel pelo massacre de Qana e que julgue o país numa corte internacional. Se o Conselho de Segurança não pode trabalhar por causa do veto americano, a comunidade internacional ainda acredita em direitos humanos.

Folha de S.Paulo - O sr. chama o Hizbollah de resistência. Parece um sinal claro de apoio.

Lahoud -
Todo o Líbano apóia o Hizbollah. Pergunte a qualquer libanês. E por quê? Antes do Hizbollah Israel vinha até Beirute como se fosse um passeio. E ninguém fazia nada. Agora eles pensam duas vezes antes de tomar uma aldeia sequer.

Folha de S.Paulo - A resolução 1559 da ONU pede o desarmamento do Hizbollah e a ocupação de todo o território pelo Exército libanês. Por que ela não é cumprida?

Lahoud -
Quando a resolução foi criada, todas as partes sabiam que ela deveria ter a aprovação dos libaneses. Pediram aos libaneses que dessem uma resposta. Criamos uma comissão de diálogo. Muitos dos problemas do Líbano foram resolvidos. Quando chegaram à questão do desarmamento do Hizbollah, marcamos uma reunião, que aconteceria no mês passado. Em vez de esperar por essa reunião, Israel começou a guerra. E é por isso que agora há um impasse. Israel pensou que em três dias acabaria com a resistência. O que Israel está fazendo só serve para o moral de sua população. A fama do Exército israelense acabou. E acredite, haverá uma investigação dentro de Israel para saber o que deu errado. O que Israel precisa fazer é deixar o Líbano. Só depois nós conversaremos dentro do Líbano. Ninguém pode mandar tropas para o Líbano se os libaneses não querem. É o que diz a lei internacional.

Folha de S.Paulo - O sr. quer dizer que o envio de tropas internacionais não resolveria a crise?

Lahoud -
Nós temos a Unifil [força de paz da ONU], que está no sul. Essa força pode ser aumentada e fortalecida em pessoal e logística. Depois veremos o que os libaneses querem. Mas essa força tem que ser enviada aos dois lados da fronteira. Por que só no Líbano? Os israelenses entram aqui o tempo todo. Se há alguma justiça no mundo é assim que deve funcionar. Se Israel acha que o que vale é a lei do mais forte, então estamos de volta à selva.

Folha de S.Paulo - Após três semanas de confronto, a situação é confusa. Cada lado diz que está saindo vitorioso. O que o sr. sabe?

Lahoud -
Eu sei o que vejo no terreno. Os israelenses não conseguem tomar sequer uma aldeia. Eles mentem. Tudo o que podem fazer são ataques aéreos.

Folha de S.Paulo - Há indícios preocupantes de divisão dentro do país, como as que levaram à guerra civil entre cristãos e muçulmanos. Como o Líbano sairá desta crise?

Lahoud -
A resistência ficará mais forte. Os libaneses ficarão mais unidos e o Líbano será mais forte que antes. Mas precisamos da ajuda da comunidade internacional. Vamos pedir indenização de Israel, porque eles entram aqui, destroem o país e ninguém os obriga a pagar nada. Sabemos que provavelmente os EUA vetarão qualquer decisão nesse sentido, mas faremos a nossa parte.

Folha de S.Paulo - Quando diz que a resistência ficará mais forte o sr. se refere ao Hizbollah?

Lahoud -
Acredite, não é só o Hizbollah. Eu digo resistência porque muitos libaneses não querem que Israel invada nosso espaço aéreo todo dia. Até que haja paz na região, é preciso que alguém fique no caminho de Israel.

Folha de S.Paulo - Como está o país após três semanas de ataques?

Lahoud -
A destruição é enorme. Os prejuízos passam de US$ 5 bilhões. Há mais de um milhão de refugiados, um quarto da população. Os mortos já são mais de 800 e os feridos cerca de 1.600. E ainda há muitos debaixo de escombros.

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