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A época de Natal costuma me deixar acabrunhado. Apesar de todos os exageros e comercialismos que cercam a data, é inegável que o apelo ao chamado "espírito natalino" surte efeito e as pessoas, em geral, se tornam mais amistosas, compreensivas, simpáticas. Pode ser menos visível no Brasil, onde o pessoal já é folgado ao natural, mas é patente nos países com menos rebolado, como Inglaterra e EUA, onde passei os últimos seis Natais.
Fico pensando com os meus botões se a fraternidade é um reencontro com a sua verdadeira essência que a maioria dos homens e mulheres se permitem por estarem em um período do ano em que a bondade é desejada, ou se seria apenas mais uma concessão ao espírito comercial que tomou a data, e que impele seus súditos à docilidade e compaixão, preferivelmente expressas através da compra de uma pequena lembrancinha aos entes queridos. Aliás, não precisa ser tão pequena assim.
Há argumentos a favor das duas teses. Ajudando a tese do reencontro, há o fato de o Natal ser perto do final do ano, época comumente associadas com balanços do ano que passou e auto-julgamentos. Essas reflexões incitam o aumento de "self-awareness", da atenção que cada pessoa dedica a seus próprios atos. Quando aumenta o self-awareness, costuma diminuir a maldade do indivíduo. Há experimentos de psicologia social interessantes a respeito. Num deles, convidaram-se crianças para uma casa durante o feriado de Halloween, e o dono da casa deixou as crianças sozinhas por alguns momentos perto de um pote de balas. Uma casa tinha um espelho próximo do pote; a outra, não. Roubou-se muito menos doces na casa com o espelho, pois é preciso ter-se um superego algo ausente para se continuar com uma traquinagem depois de flagrado (mesmo que por si mesmo).
Mas, para os cínicos e céticos, o espírito natalino é apenas mais uma criação do pessoal que inventou o Natal para seu próprio ganho, da Coca-Cola ao Fantástico. Evidências para provar a tese também não faltam: primeiro, porque o espírito natalino realmente costuma traduzir-se em um espírito consumista desenfreado, ensejando uma censura social àquele que não comprou um CD ou chaveirinho vagabundo ao amigo secreto. Segundo, porque não consta que a aparente solidariedade da época traduza-se em qualquer ação concreta de impacto social duradouro merecedora de nota. Está aí a campanha do Natal Sem Fome para provar que o peru natalino não bate as asas nas mesas dos esfomeados brasileiros no resto do ano.
Independentemente da verdadeira causa do espírito, é inelutável que ele faz bem, e o que interessa são jeitos para aumentar sua permanência para os outros 364 dias do ano. Desde que isso não implique em campanha publicitária com o "bom velhinho" nos outros onze meses do ano, que não há espírito solidário que aguente tamanha encheção de saco.
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Cantinho do Energúmeno
Indigno-me sempre com algumas estultices que vejo por aí. Resolvi então devotar essa seção aos descalabros notáveis, e vou tratar de trazer material novo toda semana. Conto com a sua ajuda, caro leitor.
A primeira burrada é obra da Câmara Estadual do Rio Grande do Sul, que achou por bem cravar uma lei obrigando prédios a colocar um letreiro em suas portas dizendo o seguinte: "Antes de entrar no elevador, verifique-se que ele está parado no andar desejado". O que equivale a dizer "ao caminhar, verifique-se que você coloca uma perna antes da outra". Para evitar quedas em fossos de elevador, seria mais eficiente e barato que os digníssimos deputados falassem com os fabricantes de elevador e os mandassem construir portas que não abrem enquanto o elevador não chega.
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