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Morre-se de muita coisa. De câncer, de Aids, de infarto, de
tiro, de velhice, do diabo. Pois descobriu-se uma nova causa-mortis:
pelo menos duas pessoas morreram de GM. Repetindo: morreram de General
Motors as coitadas.
Cautela,
caldo de galinha e cinto de segurança, sabemos todos, não
fazem mal a ninguém. Desde que o cinto não seja do Corsa
ou do Tigra, automóveis da GM.
Graças
a um erro de fabricação, os cintos de (in)segurança
dos bancos dianteiros desses dois carros converteram-se em atalho
para a morte. Submetidos a fortes impactos, podem se romper.
A
GM soube em abril do ano passado que seus carros eram arapucas letais.
Fez a descoberta da forma mais cruel: graças à morte
de um de seus clientes. Às voltas com um acidente, o sujeito
foi abandonado à própria sorte pelo cinto de (in)segurança
de um Corsa, que se soltou do trilho sob o banco, onde fora fixado.
Depois
de se dar conta de que circulavam pelas ruas do país outros
1,3 milhão de carros com o mesmo defeito, a GM portou-se com
imprudência comparável à de um motorista bêbado
ao volante.
Em
vez de pôr a boca no trombone, a empresa calou-se, arriscando
o pescoço de sua clientela. Na surdina, a GM desenvolveu uma
nova peça para fixar os cintos malfeitos. Sanou o problema
na linha de carros 2000.
Mas
só na semana passada, com pelo menos um ano e meio de atraso,
a direção da multinacional veio a público para
tratar dos carros defeituosos que havia despejado antes na praça.
Era tarde demais, porém, para pelo menos mais um brasileiro,
morto em junho passado, a bordo de outro Corsa.
Além
das duas mortes, contabilizaram-se 25 registros de acidentes graves
com o Corsa antes que a choldra merecesse da GM a gentileza de um
aviso. Sem mencionar as trombadas e eventuais óbitos que, por
desconhecimento, não tiveram seus registros associados ao problema
do cinto de (in)segurança.
No
sítio que mantém na Internet
a empresa abre assim os festejos de mais um aniversário de
sua instalação no Brasil: Nesta página,
você vai encontrar um pouco da história da General Motors
do Brasil (GMB), construída nestes 75 anos com muita dedicação
ao trabalho e o máximo respeito ao consumidor (...) Na
linha seguinte, os clientes são chamados de parceiros
fiéis da GM.
Pena
que a fidelidade, no caso dos usuários de Corsa
e Tigra, tenha se revelado uma pista de mão única. O
respeito que a GM devota aos seus consumidores pode ser
medido pela mensagem que se abre para o internauta no instante em
que ele penetra o sítio da empresa.
O
maior recall de toda a história da indústria mereceu
o destaque de 11 escassas linhas. Trata-se de um tributo à
falta de transparência.
Desde
o triste episódio dos anticoncepcionais de farinha, não
se tinha notícia de semelhante vexame praticado por uma gigante
da iniciativa privada. De certo modo, o caso atual é ainda
mais grave do que o anterior.
As
pílulas de farinha davam origem à vida, ainda que indesejável.
O cinto fajuto conduz à morte. As mães fertilizadas
pela inépcia da Shering, de resto, estão por aí,
desfrutando das indenizações a que a empresa foi condenada.
Quanto
aos cadáveres produzidos pela leviandade da GM, é improvável
que desçam à Terra para atender ao recall da multinacional.
A morte, como se sabe, é para sempre.
Riobaldo,
personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa,
dizia que algum norteado tem de existir no mundo. Se
não, a vida ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que
é.
Olha-se
para um lado, olha-se para o outro e não se encontra o norteado
que guiou a decisão da GM de guardar para si o segredo do cinto
bichado. As explicações da empresa deixaram no ar a
impressão de que a inteligência dos consumidores foi
insultada.
OK,
era preciso criar uma nova peça para a fixação
do cinto. Mas alguém poderia ser escalado pela empresa para
responder às seguintes perguntas:
1)
Por que não se deu ciência do defeito aos usuários
do Corsa e do Tigra assim que o problema foi detectado?
2)
Por que a equipe técnica da GM agiu com a ligeireza de uma
tartaruga manca, consumindo 11 meses para desenvolver a nova peça?
3)
Por que tanta falta de transparência? Por que manter em sigilo
os nomes das vítimas fatais, cujas famílias a GM diz
ter indenizado?
O
blablablá produzido pela GM até o momento só
injetou complicação em algo que é simples. Mais
simples do que se imagina. Um bebê compreenderia o que se passa.
Veja
como é simples: neste mundo em que todo o poder é drenado
da esfera estatal para o campo da iniciativa privada, a empresa erra,
ela mesmo investiga, descobre que seu equívoco mata e se absolve.
Simples assim. Se você ainda não entendeu, chame um bebê,
depressa.
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