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Paulo
Francis, por uma crítica, levou uns sopapos de Adolfo Celi e uma cusparada
de Paulo Autran. Eu nunca cheguei a tanto. Quando me vi perto de algo
parecido, saí correndo. Carlos Zara apareceu na redação e criou a
cena, aos gritos. Eu corri, ele correu atrás, foi contido por um segurança
_e ficou um bom tempo me esperando na saída.
Era minha terceira crítica. Desde então não fui amedrontado fisicamente,
mas colecionei mensagens coléricas e um processo. Até construí uma
peça com isso tudo, para eu mesmo representar. Para o leitor on line,
que não sabe quem eu sou, vão aqui algumas passagens, à guisa de apresentação.
A personagem central é Abby, inspirada na velhinha virgem de "Arsênico
e Alfazema" que envenena velhinhos solitários por pura piedade. A
peça, chamada "Atroz", dá voz às vítimas. Por exemplo, o autor Mauro
Rasi, com um sotaque de Bauru, mas desafinando:
_ Que fazer com você, Nelson de Sá! Dar um pito? Um croquete? Pôr
de castigo? Cortar a mesada? Não dá para não ter uma aflição quase
paternal por você. Me disseram que você é loirinho, de olho azul,
que tem uns vinte e poucos anos. Meno male. Francamente, um jornal
como "A Folha", com tanto jornalista brilhante no seu "cast"... Poderia
ignorá-lo, como me aconselharam. Mas achei que merecia um puxão de
orelhas. Os leitores não sabem que qualquer um pode ser crítico no
Brasil. Qualquer um. Escalam geralmente o que não está fazendo nada
e mandam escrever. Daí a pessoa vai ficando, vai ficando e senta praça.
_ Herr Nelsinho... Ouça esta: há no Rio um ator "sério", dos mais
sérios, aliás. Ele costuma fazer propaganda da sua seriedade contando
como é o seu despertar diário. Diz que acorda, se olha no espelho
e diz: bom dia, minha angústia. (Dizem as más línguas que o espelho
responde: bom dia, viado.) Essa resvalou em cheio, não?
Outro, o diretor Gerald Thomas, com óculos de John Lennon e um cigarro
Gauloises:
_ É assustadora a crítica de Nelson de Sá. Se ele não conhece o seu
ofício, deveria tentar fazer um transplante de cérebro. Se uma crítica
teatral vira uma sessão de psicanálise entre o diletante e eu, só
me resta ser pessoal também. Só me resta dizer para Nelson de Sá:
_ Ó seu prepotentezinho de merda! Vá ler os jornais cariocas e sinta
uma senhora vergonha por ter tido a audácia de querer interpretar
uma personalidade tão complexa quanto a minha. Não te dou esse direito!
Será que esse cerebrozinho acha que me conhece a ponto de dizer o
que é verdade ou mentira? Não te dei e não te dou a liberdade de ser
pessoal comigo. Não admito que você fale de mim e finja uma intimidade
que não existe. Não te conheço, Nelson de Sá. Vai te catar!
Tem muito mais, inclusive do processo. Tem até Ratinho, aquele, com
bigode e cassetete:
_ Vai sair na Folha a votação do pior e eu gostaria de avisar
que eu ganhei o troféu. Ganhei. Eu queria avisar que estou muito triste,
magoado, que um crítico lá de teatro, Nelson de Sá, ele votou. Nelson,
muito obrigado por você ter votado em mim. Eu queria até agradecer
a você. Estou muito feliz, estou emocionado... Vá pros quintos dos
infernos, seu peru! Olha, eu só quero ver, eu só quero ver, eu quero
arregaçar esse Nelson de Sá.
_ Nelson, você vai ver. Você vai ver o que eu vou falar de você, tá?
Eu tenho uma história desse crítico de teatro que eu vou contar depois.
É, eu quero agradecer a você por ter me ajudado a ser o pior. Muito
obrigado. Mas que eu vou contar a história desse crítico de teatro
eu vou contar. O que eu já estou sabendo da sua vida, meu filho. Tu
vai levar um cacete.
Para encerrar esta apresentação, um registro mais grotesco. De uns
sete anos para cá, recebo regularmente cartas apócrifas com excremento
dentro. Cheguei a abrir no começo, o que resultou em verdadeiros banhos
de álcool; hoje elas vão direto para o lixo.
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