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  26 de abril
  Bad boy Nietzsche
  Nietzsche morreu há cem anos, na entrada do século que mais parece ter sido obra sua, um espetáculo seu, e cem anos depois eu só sei de uma pessoa no Brasil que está comemorando. O Instituto Goethe não quer nem saber, as editoras, até onde foi possível levantar, também não, mas Zé Celso está enterrado outra vez em "O Nascimento da Tragédia", "Ecce Homo", "Assim Falava Zaratustra".
Cercado pelo acerto entre Silvio Santos e Celso Pitta, que liberou a construção de um shopping à volta do teatro Oficina, numa coroação alegórica do cerco "videofinanceiro" do teatro todo, Zé busca reencontrar a Vontade do poder em Nietzsche, para a reação. Em outras palavras, busca em Nietzsche o seu eterno retorno _ele que reabriu o Oficina, sete anos atrás, com um "Ham-let" inspirado na visão do jovem Nietzsche.
Eu trabalhei na montagem e lembro que o protagonista Marcelo Drummond viveu exatamente o que descreve "O Nascimento da Tragédia": "O arroubo do estado dionisíaco, com a aniquilação dos limites da existência, contém um elemento letárgico no qual submergem todas as experiências pessoais. Esse hiato de consciência separa a realidade cotidiana da dionisíaca. Porém, tão logo ressurge na consciência, a realidade cotidiana provoca náusea. Um estado de espírito ascético, debilitado". No camarim, depois da farra no palco, Marcelo não abria a boca, vazio. E assim seguia, até voltar ao personagem no dia seguinte.
O indivíduo dionisíaco de Nietzsche, que dá Hamlet como exemplo, tem a consciência da "verdade terrível" da existência, daí seu niilismo quando está fora do "estado dionisíaco", sem as máscaras. Na síntese do crítico americano Marvin Carlson para a visão de Nietzsche da tragédia, com citações do próprio: "O trágico grego, ‘tendo ousado encarar a terrível destrutividade da chamada história do mundo e a crueldade da natureza’, bem poderia ter sucumbido àquilo que Schopenhauer advogava, ‘uma negação budista da Vontade’. Em vez disso, ele foi ‘salvo pela arte’. E graças a essa arte também a vida é salva".
Nietzsche, como ele mesmo disse de Wagner, pode ser descrito como antes de tudo um homem de teatro. O próprio filósofo, para sobreviver a seu conhecimento profundo da "verdade terrível" da "realidade cotidiana", vestia máscaras, como um ator. Assim, conseguia agir. Esse é o homem que afirmou que os homens são "fenômenos estéticos", compostos de "imagens e projeções artísticas".
No século 20, suas idéias surgiram em toda parte no teatro, do francês Antonin Artaud ao americano Eugene O’Neill. Em Nova York, até domingo 30, o diretor Richard Foreman faz sua comemoração isolada, como Zé Celso, com "Bad Boy Nietzsche!", espetáculo criado a partir dos textos escritos pelo filósofo já louco, no fim da vida. Nas palavras do diretor: "Nietzsche se trancou em sua loucura, mas ele voltou. Sua filosofia é hoje dominante no mundo ocidental". Por "hoje", entenda-se o novo século _e até a web pós-moderna, com suas máscaras, como a minha, neste exato momento.
Ao contrário de Deus, Nietzsche não morre.


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19/4/2000 -
Anti-Nelson


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