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30/11/2004 - 03h12

Sociais & Cias.: Reconhecer para multiplicar

Luanda Nera
especial para a Folha de S.Paulo

Rio de Janeiro, 1991. Inconformada com a situação de miséria em que viviam as crianças que atendia no Hospital da Lagoa, a médica Vera Cordeiro decide acabar com o roteiro comum à maioria de seus pacientes: pobreza, internação, reinternação e morte. Vera percebe que, para isso, é preciso extrapolar os limites das paredes frias do pronto-socorro e prestar assistência psicológica e financeira às famílias desestruturadas. Após rifar objetos pessoais, a médica consegue recursos para criar a Associação Saúde Criança Renascer (www.saude-crianca.org.br). A ONG oferece cuidados hospitalares em comunidades de baixa renda e consegue reduzir em até 60% o número de crianças que retornam aos hospitais.

Davos, Suíça, 2001. Vera Cordeiro é uma das participantes da reunião anual do Fórum Econômico Mundial, ao lado das principais lideranças internacionais. Em meio às discussões sobre os rumos da globalização e do neoliberalismo econômico, a médica brasileira tem a oportunidade de mostrar o trabalho desenvolvido pela entidade que ajudou a fundar. Mas não está sozinha. Representantes de dezenas de ONGs de diversas partes do mundo acompanham Vera nessa missão. Eles trocam experiências e têm acesso àqueles que detêm o poder de decidir sobre o futuro da economia mundial.

Esse é apenas um exemplo de como mudou a história da Associação Saúde Criança Renascer depois de a ONG ter sido integrada à rede social da Fundação Schwab (www.schwabfound.org). Além da participação nas reuniões do Fórum Econômico Mundial e de outros eventos internacionais, hoje a Renascer serve de exemplo para entidades, além de acumular prêmios. O ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela já manifestou interesse em replicar o trabalho da ONG carioca em seu país. "Nós temos a estranha mania de só dar atenção a um trabalho quando ele é reconhecido lá fora. Como empreendedora social, quero colocar luz no porão da saúde pública do Brasil. As pessoas adoecem não só por falta de hospital. Adoecem porque não têm emprego, porque chove dentro de casa, porque não podem cuidar dos filhos", diz Vera Cordeiro, 54.

Algumas ONGs apoiadas pela Schwab

EUA: Transfair
Estabeleceu a prática do comércio justo como um padrão, certificando produtos como café, chá e chocolate. O objetivo é garantir um referencial de preços que valorize o trabalho do pequeno produtor, proporcionando uma renda que garanta o sustento de sua família. Com esse projeto, também pretende conscientizar os consumidores, estimulando-os a comprar os produtos certificados.

Polônia: Barka
A entidade cria oportunidades de emprego e forma cooperativas sociais para a população sem-teto e para portadores de deficiência física e mental. Já foram formados mais de 20 grupos, que atendem diretamente 5.000 pessoas por ano. A iniciativa despertou a atenção do governo polonês, que hoje elabora programas sociais baseados no método desenvolvido pela Barka.

Bangladesh: Waste Concern
A entidade cria empregos em regiões pobres do país por meio de um programa que reduz a erosão e aumenta a fertilidade do solo. O lixo é utilizado como um recurso disponível. A Waste Concern também oferece emprego para a população urbana que coleta o lixo e para aqueles que trabalham nas plantações. Mais de 35 mil pessoas são beneficiadas diretamente.

Brasil: Apaeb
A Associação dos Pequenos Agricultores do Município de Valente promove atividades para melhorar a qualidade de vida do produtor rural. Um dos destaques é a criação de um sistema na internet que conecta o pequeno agricultor ao mercado internacional. O trabalho inclui treinamento para que os beneficiados dispensem intermediários. Em seis anos, os produtores aumentaram em 400% os rendimentos com as exportações da matéria-prima.

África do Sul: Ithuteng Trust
Jovens são convidados a passar um fim de semana numa prisão e conhecer de perto a realidade do crime. Depois decidem se ficam mais sete dias no presídio ou em um acampamento onde aprenderão atividades artísticas e discutirão conceitos como respeito, liderança, responsabilidade e união. A escolha tem sido unânime: ninguém quer voltar para a prisão. Em três anos, a entidade conseguiu conscientizar mais de 2.500 jovens.

Austrália: Easy Being Green
A proposta da ONG é evitar o desperdício de água e de energia e oferecer uma oportunidade de renda à população pobre. A Easy Being Green providencia equipamentos ecologicamente corretos —como aquecedores solares— e orienta sobre práticas simples que ajudam a preservar o ambiente. Para a prestação desse serviço, contrata profissionais excluídos do mercado formal de trabalho.

A Fundação Schwab não é uma instituição financiadora. Sua missão é capacitar líderes de ONGs para que se tornem verdadeiros empreendedores sociais. Atua como uma espécie de certificadora, transferindo credibilidade às entidades que apóia. "Os empreendedores sociais são os heróis do nosso tempo", diz a equatoriana Pamela Hartigan, diretora-geral da fundação. Todos os anos a Schwab procura candidatos e recebe centenas de sugestões por meio de uma rede de representantes. Inovação, replicabilidade, sustentabilidade e impacto social mensurável são os principais critérios valorizados para a escolha das entidades que serão apoiadas.

Reconhecimento mundial, acesso aos principais financiadores, capacitação profissional, crescimento na prestação de serviços à comunidade. A Renascer não é a única entidade que hoje desfruta de conquistas como essas. Já fazem parte da rede social da Schwab um total de 74 ONGs. O Brasil é o país com maior participação: nove projetos, mais de um décimo do total.

A forte participação verde-e-amarela foi um dos motivos que levaram os diretores da fundação a escolher o Brasil para sediar sua primeira reunião fora da Suíça. O evento aconteceu em Campinas (SP), no início do mês. Com o tema "O futuro do empreendedorismo social: quão grande o pequeno pode ser?", o congresso reuniu mais de cem representantes do setor privado, 80 empreendedores sociais e ministros brasileiros. Foram discutidas ações viáveis que estimulem o surgimento de novos empreendedores sociais, como a revisão da regulamentação jurídica do terceiro setor e o fortalecimento das parcerias com o primeiro e o segundo setores.

A reunião de Campinas também comemorou a entrada da mais nova entidade brasileira na rede social da Fundação Schwab: a Parceiros Voluntários (www.parceirosvoluntarios.org.br). Criada em 1997 em Porto Alegre (RS), a entidade promove, qualifica e organiza o trabalho voluntário. A idéia é fazer o elo entre aqueles que querem doar tempo e conhecimento à sociedade e as organizações que necessitam desse trabalho.

A presidente e fundadora da ONG, Maria Elena Johannpeter, 54, acredita que o projeto foi escolhido por seu caráter multiplicador —um dos critérios avaliados pela fundação suíça. "A Schwab é muito mais do que uma financiadora. A partir de agora estaremos em contato não só com o mundo empresarial mas também com outras entidades, poderemos expandir nossos projetos para outros países. Sozinhos, isso seria impossível", analisa ela, que já intermediou o trabalho de mais de 60 mil voluntários.

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