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24/05/2004
-
05h45
Carlos Saura, 72, contratado para a direção cênica da "Carmen" a ser encenada em Sevilha, foi há muitos anos um dos intelectuais que demonstraram existir vida inteligente nos estertores da ditadura do generalíssimo Francisco Franco Bahamonde (1939-1975).
É também antiga e um tanto incompleta sua relação com o personagem de Carmen. Ele foi convidado uma primeira vez para dirigir aquela ópera em 1988.
O convite partiu de Daniel Barenboim, regente da Sinfônica de Chicago e da Stadtsoper de Berlim, que pretendia montá-la entre as produções que inaugurariam, em Paris, a Ópera da Bastilha.
O plano foi engavetado. Mas o cineasta viria a dirigir uma "Carmen", de Bizet, em Stuttgart, na Alemanha, em 1997. O espetáculo seria depois reapresentado no festival de Spoletto, na Itália.
Em termos cinematográficos, Saura dirigiu uma "Carmen" em 1983. Mas foi uma produção baseada sobretudo na música flamenca. Bizet entrou por meio de evocações musicais esporádicas.
Há na Europa uma tradição que leva grandes cineastas a enveredarem pela ópera ou fazerem dela uma forma constante de expressão. Os casos mais significativos são os do sueco Ingmar Bergman e do italiano Franco Zeffirelli.
Não é bem este, entretanto, o percurso de Saura. Ele é sobretudo um homem do cinema, com uma filmografia que nos anos 60 e 70 procurou mesclar de forma bem-humorada os padrões psicológicos de uma classe média ascendente e as recordações fragmentadas que ela trazia da Guerra Civil (1936-1939), sem dúvida o acontecimento mais traumático na Espanha do século 20.
O franquismo submetia a produção cinematográfica a uma censura impiedosa. Saura trabalhou então uma linguagem cifrada, com simbologias ambíguas que, ao escaparem do panfletarismo, transformaram alguns de seus filmes em pura obra de arte.
Ele foi casado por muitos anos com Geraldine Chaplin, filha de Charles Chaplin.
Em sua extensa filmografia estão produções como "Olhos Vendados", "Doces Momentos", "Mamãe Faz Cem Anos", "A Prima Angélica", "Amor Bruxo", "Cria Cuervos" e "Bodas de Sangue". Seu mais intrigante filme é talvez "Jardim das Delícias" (1970), que não chegou a ser distribuído comercialmente no Brasil na época de seu lançamento.
A história é hilária. Um empreiteiro espanhol sofre um acidente de automóvel, perde a memória e o número da conta bancária na Suíça em que depositava seu caixa dois. Para restaurar suas lembranças, familiares, aconselhados por psicólogos, lançam-se em psicodramas com reconstituições de fragmentos biográficos da vítima.
Em meio a esse mergulho no próprio passado, o personagem principal tem visões alegóricas. Há uma cena com um imenso tablado de xadrez em que ele se imagina nos jardins de sua mansão madrilena. Nele, as peças, travestidas de crianças, lançam umas sobre as outras bolas metálicas
negras por meio das quais se decepam e se dilaceram.
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Sevilha em cena: Trama entre Carlos Saura e "Carmen" é antiga
do enviado especial da Folha de S.Paulo a SevilhaCarlos Saura, 72, contratado para a direção cênica da "Carmen" a ser encenada em Sevilha, foi há muitos anos um dos intelectuais que demonstraram existir vida inteligente nos estertores da ditadura do generalíssimo Francisco Franco Bahamonde (1939-1975).
É também antiga e um tanto incompleta sua relação com o personagem de Carmen. Ele foi convidado uma primeira vez para dirigir aquela ópera em 1988.
O convite partiu de Daniel Barenboim, regente da Sinfônica de Chicago e da Stadtsoper de Berlim, que pretendia montá-la entre as produções que inaugurariam, em Paris, a Ópera da Bastilha.
O plano foi engavetado. Mas o cineasta viria a dirigir uma "Carmen", de Bizet, em Stuttgart, na Alemanha, em 1997. O espetáculo seria depois reapresentado no festival de Spoletto, na Itália.
Em termos cinematográficos, Saura dirigiu uma "Carmen" em 1983. Mas foi uma produção baseada sobretudo na música flamenca. Bizet entrou por meio de evocações musicais esporádicas.
Há na Europa uma tradição que leva grandes cineastas a enveredarem pela ópera ou fazerem dela uma forma constante de expressão. Os casos mais significativos são os do sueco Ingmar Bergman e do italiano Franco Zeffirelli.
Não é bem este, entretanto, o percurso de Saura. Ele é sobretudo um homem do cinema, com uma filmografia que nos anos 60 e 70 procurou mesclar de forma bem-humorada os padrões psicológicos de uma classe média ascendente e as recordações fragmentadas que ela trazia da Guerra Civil (1936-1939), sem dúvida o acontecimento mais traumático na Espanha do século 20.
O franquismo submetia a produção cinematográfica a uma censura impiedosa. Saura trabalhou então uma linguagem cifrada, com simbologias ambíguas que, ao escaparem do panfletarismo, transformaram alguns de seus filmes em pura obra de arte.
Ele foi casado por muitos anos com Geraldine Chaplin, filha de Charles Chaplin.
Em sua extensa filmografia estão produções como "Olhos Vendados", "Doces Momentos", "Mamãe Faz Cem Anos", "A Prima Angélica", "Amor Bruxo", "Cria Cuervos" e "Bodas de Sangue". Seu mais intrigante filme é talvez "Jardim das Delícias" (1970), que não chegou a ser distribuído comercialmente no Brasil na época de seu lançamento.
A história é hilária. Um empreiteiro espanhol sofre um acidente de automóvel, perde a memória e o número da conta bancária na Suíça em que depositava seu caixa dois. Para restaurar suas lembranças, familiares, aconselhados por psicólogos, lançam-se em psicodramas com reconstituições de fragmentos biográficos da vítima.
Em meio a esse mergulho no próprio passado, o personagem principal tem visões alegóricas. Há uma cena com um imenso tablado de xadrez em que ele se imagina nos jardins de sua mansão madrilena. Nele, as peças, travestidas de crianças, lançam umas sobre as outras bolas metálicas
negras por meio das quais se decepam e se dilaceram.
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