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29/12/2010 - 17h09

Sany Pitbull faz um retrato do funk e de sua relação com a realidade dos morros

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MAYRA MALDJIAN
DE SÃO PAULO

Em 15 de dezembro, cinco MCs foram detidos no Complexo do Alemão, no Rio, sob a acusação de fazerem apologia ao crime com seu "funk proibido".

STJ revoga prisão de MCs do Complexo do Alemão, no Rio
UPP impulsiona 'samba de classe média' e restringe bailes funk
Documentário mostra a influência do "funk proibido" nas favelas do Rio

Na semana passada, porém, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu revogar a prisão. Os MCs Smith, Ticão, Max, Didô e Frank foram, então, soltos.

Nesse meio tempo, o acontecimento levantou uma poeira danada e colocou na berlinda não só os funkeiros que falam de crime e violência, mas o funk como um todo.

De um lado, xingamentos. Do outro, a tentativa de limpar a reputação do movimento.

"Eu não sou a favor do que eles cantam, eu sou totalmente contra. Quem tem que ser responsabilizado é o artista, não a arte", explica o DJ e produtor carioca Sany Pitbull, coordenador do projeto Estúdio Favela Redbull, na comunidade de Vigário Geral, e um dos responsáveis por levar o funk para fora do país.

Junto com outros defensores da cultura funk, como Leandro HBL, diretor do documentário "Favela on Blast", Sany promoveu um debate no último dia 23. A ideia era bater um papo sobre a prisão dos funkeiros e levantar questões acerca desse fenômeno musical das massas.

Em entrevista ao Folhateen, Sany faz um retrato do funk e da sua relação com a realidade das favelas cariocas. Leia trechos da conversa:

Divulgação
Sany Pitbull
O DJ Sany Pitbull, um dos grandes responsáveis pela internacionalização do funk

A ORIGEM

"No Rio, a galera que trabalha com funk é perseguida há muitos anos. Em janeiro eu faço 26 anos de baile. Quinze deles fazendo baile em favela. Mas quando era baile em clube, já tinha uma certa perseguição. A gente não conseguia autorização para fazer os eventos, porque eles acabavam dando problema na saída.

Por exemplo, você tem uma quadra de escola de samba onde você consegue colocar 10 mil pessoas. Se quatro horas da manhã você abre as portas dessa quadra e bota esses 10 mil jovens na rua, sem um sistema de transporte público adequado, automaticamente você tem problemas.

Mas, em vez de o governo colocar mais policiamento e disponibilizar mais linhas de ônibus, ele acabou criando alguns dispositivos que impediam a realização desses bailes. Por isso os bailes funk, no início dos anos 90, foram proibidos."

EU SÓ QUERO É SER FELIZ

"Com a proibição dos bailes, o funk foi automaticamente para a favela. Porque quem frequentava esses bailes eram moradores de áreas de comunidades carentes. O funk ainda estava começando a ser cantado em português.

Aí, lá dentro, o funk deu de cara com os problemas que essas comunidades têm há anos. Então, o funk começou a cantar todos os problemas sociais, as realidades de lá: falta de emprego, a droga chegando, as armas chegando.

Uma das músicas de funk mais conhecidas do mundo e que os brasileiros batem palma é o 'Rap da Felicidade', 'Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci'. Na verdade essa música já é um pedido de socorro.

O "Rap do Silva" é uma outra música que fala também de ser feliz. Era um trabalhador que pegava ônibus lotado e que no final de semana queria se divertir. E um dia num baile acaba assassinado e ninguém fez nada. Porque era só mais um Silva que morreu.

Então o funk já vinha gritando por socorro nas comunidades. E quando ele começou a falar de polícia, de afrontar a polícia, a sociedade começou a dizer 'você não pode cantar isso, é proibido'. Porque no asfalto as pessoas não têm isso. A dificuldade nas comunidades é muito grande. E o funk começou a sofrer esses problemas."

FUNK MAQUIADO

"Existe uma lei específica para festa tipo funk. São exigidos detector de metais, o dobro do número de seguranças [que geralmente tinha nos bailes], precisa ter um batalhão. Então isso acontece onde tudo de proibido acontece, que é dentro das comunidades.

No ano passado a gente conseguiu derrubar essa lei, quando o funk foi reconhecido como cultura. Só que na prática, você quer fazer um baile e não consegue. A delegacia, o batalhão da área não dão autorização.

As festas que têm de funk no Rio de Janeiro são maquiadas, na verdade. É um pagode que tem um artista de funk se apresentando, é uma discoteca onde tem MCs de funk cantando. Mas não é um baile funk."

A CULPA É DO FUNK?

"Eu não sou a favor do que eles cantam, eu sou totalmente contra. Ninguém aqui quer defender apologia ao crime. Quem está cantando aquilo não é o funk, é uma pessoa que está se manifestando por meio dessa arte, da música. Quem tem que ser responsabilizado é o artista, não a arte.

Acho que se esses meninos devem alguma coisa para a justiça, eles têm que pagar.

Há alguns anos a gente teve um problema com um artista de pagode e em nenhum momento isso recaiu sobre o pagode.

Existe aquele músico que usa a música muito bem pra reclamar. O Titãs pergunta pra quê a gente precisa de polícia, são bichos escrotos, vão pra casa do caramba, e aí? Agora se o funkeiro cantar isso"

"BUSINESS" E MULHER-FRUTA

"Mas o funk também não faz por onde. Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, o Rio de Janeiro movimenta R$ 10 milhões por mês com o funk. Com vendas de ingresso, bebidas e movimentação em casas de show, cachês de artistas, enfim. Quando virou esse business todo, o funk acabou virando um trampolim para um monte de gente. Daí vieram as mulheres-fruta e o funk aceitou, ninguém questionou. As rádios começaram a tocar as versões lights dos proibidões que a sociedade recrimina. Faz uma versãozinha, tira uma palavra aqui, outra ali, e fica pronta pra tocar por aí.

Chegou a hora de virar o espelho pro funk e dizer 'olha o que você virou, olha a cara que você tem hoje'.

Daí a gente escuta: 'Ah, mas é isso que a televisão compra, é isso que tem visibilidade no YouTube'. Pô, não precisa ir por aí. Eu não toco nada disso e viajo o mundo inteiro. Eu sou envolvido em um monte de projetos e o funk não faz nada. Eu tive que ter patrocínio de uma empresa privada para poder fazer as coisas, porque eu tinha vontade."

O BURACO É MAIS EMBAIXO

"A sociedade está exigindo tantas coisas, que o funk tem que melhorar. Mas a favela, que é o celeiro onde ele nasce, precisa de um incentivo, precisa de trabalho, de educação. Às vezes a pessoa diz 'pô, o funkeiro fala tão errado'. Cara, morador de favela não tem direito de estudar, como é que esse garoto vai se expressar? O vocabulário dele tem poucas palavras. 'Nossa, as rimas são tão simples, são palavras fáceis de rimar'. Claro, esse é o conhecimento que o garoto tem. Quando ele consegue cantar, rimar alguma coisa, ele está usando o máximo de intelecto que ele tem.

Tem muita gente cantando o que não pode, mas tem muita gente também vivendo o que não pode. E sociedade não está nem aí. Ela olha para o próprio umbigo e diz que a música a agride.

Hoje o Complexo do Alemão é a vitrine, todo mundo quer fazer algo por ele. Mas não pode esquecer que no Rio são 600 favelas, todas precisando de estrutura, investimento. Pessoas precisando de incentivo, de auto-estima."

ADMIRAÇÃO

"Tem a questão dos garotos da favela exaltarem os bandidos. Quem é o prefeito deles, quem faz as benfeitorias? Tudo bem, estão rendendo com uma coisa que mata. As festas, as queimas de fogos no fim do ano, o bandido que faz. A festa das crianças, aquele futebol do fim de semana, quem é que compra a bola, quem organiza? Esse garoto da favela vai reconhecer quem?

Hoje, as coisas estão mudando. O menino da favela não quer mais ser bandido. Ele quer ser policial. Esses policiais que estão dentro das UPPs [Unidade de Polícia Pacificadora] foram treinados para lidar com essas coisas, com essas pessoas revoltadas, então eles têm um lado psicológico muito mais aprimorado do que o lado bélico. Eles acabaram virando pai desses garotos, e os meninos dessas comunidades onde têm UPP falam que querem ser polícia.

Daqui a pouco vão começar a aparecer os permitidões, que o pessoal aí da Cidade Tiradentes faz. Um projeto muito bacana."

BAILE PERMITIDO

"Estou com um projeto pra tentar fazer bailes dentro dessas áreas ocupadas [pelas UPPs], vou levar para o governador. Fazer um baile, um festival de música, incentivar esses garotos a escreverem outros tipos de letras, tentar levar isso para as rádios. Daqui a pouco vamos ter outros hits de funk tocando. Mas tem que ser um trabalho em conjunto, o funk tem que fazer a parte deles. Profissionais, DJs, MCs. E a sociedade tem que ter um pouco mais de paciência e entender que o funk é vítima."

 
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