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Cozinha de sentidos

Cozinheira cega resgata da memória sabores, cores e texturas para lançar livro de receitas; saiba como deficientes visuais se viram na cozinha, para mexer com fogo e cortar ingredientes

GUSTAVO SIMON DE SÃO PAULO

"Escuto as bolhas na água para saber se ela ferveu; sinto o perfume do alho antes de ele queimar; toco a carne para saber se está crua, crestada ou ao ponto."

É com essa espécie de passeio pelos sentidos que Christine Ha responde à pergunta de quais táticas desenvolveu para cozinhar sem poder enxergar.

A americana começou a se aventurar entre panelas e talheres quando ainda enxergava e morava sozinha, durante a faculdade.

Era um modo de tentar recuperar os temperos e sabores asiáticos da mãe, imigrante vietnamita no Texas (EUA), com mão boa para a cozinha --ela morreu quando Christine tinha 14 anos, e não deixou receitas escritas.

Uma doença autoimune, que em 1999 a deixou cega (ela enxerga como se houvesse uma grossa nuvem de vapor à frente), não interrompeu essa procura.

Daí, como conta à Folha, Christine valoriza tanto a "comfort food".

Depois de surpreender os espectadores ao vencer o reality show "MasterChef", ela lançou no mês passado seu livro de receitas asiáti-cas. A seguir, leia trechos da entrevista.

Folha - Você tinha visão perfeita quando aprendeu a cozinhar. De que sente falta hoje?
Christine Ha - De ver os ingredientes --seu frescor, suas cores vibrantes. Há ingredientes com os quais eu não tinha mexido até perder a visão; jamais saberei como é trabalhar com eles.

Quais?
O uni (ouriço-do-mar), por exemplo. Isso vale também para técnicas --eu não estava habituada a filetar peixes.

Você apurou outros sentidos depois que ficou cega?
Agora, mais do que antes, os uso mais. Mas o mais importante é o paladar --ele me ajuda a desvendar texturas e temperatura.

Sabores e aromas da sua infância foram potencializados?
Eles ainda me trazem memórias de quando eu podia enxergar. E muitas vezes são ainda mais intensos, sim.

No programa, a apresentação dos pratos é fundamental. Como alcançar isso?
Em casa isso não importa, mas, se estou servindo outras pessoas --amigos ou os jurados do programa--, confio na memória: posso lembrar de como cores se parecem, o contraste entre elas; sinto as coisas com a mão e as visualizo mentalmente.

Como você lida com os perigos da cozinha, como facas e fogo?
Sou cautelosa, meticulosa, me mexo mais devagar. Prefiro ser lenta e segura do que afobada e machucada.

Você achava que poderia vencer o programa, apesar da deficiência?
Eu não pensava nisso, nem me importava. Preocupava-me mais com a jornada do que com seu resultado. Estava lá para aprender e ser a melhor no que pudesse, apesar de minhas limitações.

Você parece ter se especializado em "comfort food". Como define essa cozinha?
É a comida que dá nostalgia, que invoca emoções e faz de algo simples, como comer, uma experiência transformadora. Eu levo minhas memórias para a cozinha. O livro é minha maneira de dividir esse meu mundo com os outros.

RECIPES FROM MY HOME KITCHEN
AUTORA Christine Ha
EDITORA Rodale Books
QUANTO US$ 23,99 (cerca de R$ 54), na Amazon.com (224 págs.)


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