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Nina Horta

Surto de feijão

'O Robson impressionava todo mundo ao jogar pedaços de melancia sobre um prato cheio de feijão'

"Nina Horta, sou seu leitor na Folha e hoje me diverti vendo as várias maneiras de fazer (e comer) feijão. Tenho mais algumas.

Em minha terra, no sul de Minas, fazem feijão com alho, gordura de porco, sal e louro. E só. Consideram heresia colocar, inclusive, cebola no feijão. Já em Pernambuco, colocam legumes (cenoura, maxixe, batata...) e verduras (repolho etc.) no feijão. Para nós, mineiros, é um horror. Até na feijoada (vi em Sergipe também) é assim.

Um jeito que eu gostava de comer feijão --que chamávamos feijão pagão'-- era ele só cozido, sem refogar, e, em cima, um pouco de gordura (ou óleo), sal e farinha de milho.

Em Minas e em algumas regiões da Bahia, é comum encontrar na zona rural gente comendo feijão com rapadura raspada. Feijão com banana (crua) também.

O modo mais estranho que encontrei de comer feijão foi de um colega de trabalho, o jornalista baiano Robson Martins. Ele adora feijão com melancia. E diz que seus conterrâneos também são assim.

No centro de São Paulo havia um restaurante self-service bem caro, onde as sobremesas também ficavam expostas para se pegar à vontade. Havia muitas opções de comida, mas o Robson espantava as pessoas em volta com sua preferência: enchia um prato fundo de feijão e, em cima, um monte de pedaços de melancia. Comia com enorme cara de prazer.

Abraços, Mouzar."

Mouzar, nosso feijão jamais leva cebola e, aqui em casa, nem o louro. Escuto da feijoada de Pernambuco a vida inteira e acho que gostaria dela. Qualquer hora faço, com banana-da-terra, abóbora, um tipo de cozido bem brasileiro, que com certeza deve ficar bom. Feijão pagão era uma expressão que vivia na boca da minha mãe, mas não me lembro que ela nos servisse feijão com farinha de milho. Agora, pagão só com farinha de mandioca, talvez.

Muito interessante feijão com rapadura, que seria o equivalente dos feijões doces americanos, sem as demoras e firulas todas. Hummm.

Mas com melancia... Seria o equivalente a quê? Feijão com um molho fresco? Vale como a laranja da feijoada? Alguma coisa para cortar a gororoba apimentada? Pensando bem, o que é a melancia senão uma aguinha não tão doce? Para amenizar...

Com essas conversas estamos fazendo aqui um laboratório como o do Ferran Adrià. Falta só o patrocínio de uma empresa de telefonia! Oh, céus!!! Redescobrindo ou quebrando as tradições.

A palavra "tradição" vem da palavra latina "tradere", transmitir, e transmitir supõe mudanças, movimento. Não precisamos pensar nas tradições como paradas no tempo, mas, sim, comungando com nossos valores, com os lugares onde nascemos, a vida que tivemos, nosso saber culinário, nossas manias e gostos.

Tradições, acho, são práticas vindas de pessoas que crescem, que amadurecem, que mudam por dentro e por fora. A tradição vem de receitas trocadas ou contadas, de cartas como essas dos leitores. Interesse, atenção, curiosidade ao tratar com ingredientes, saber como interagem, gostar de conversar sobre o assunto, de mandar cartas para o jornal. Nesse surto de feijão, já me impressiona como ele rima com açúcar em tantos lugares do mundo. E já experimentaram picar batata-doce cozida no feijão? Experimentem.

ninahorta@uol.com.br

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ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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