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Nina Horta

O óbvio principal

Tudo fica mais gostoso com um piscar de olhos do cozinheiro mostrando que está brincando

Tenho ouvido falarem bastante do chef Daniel Patterson. Se não me engano, esteve no MAD, esse simpósio de comida organizado pelo chef René Redzepi, do Noma.

Gosto muito do livro dele, bonito e bem-feito. Escreve bem e tem um restaurante que se chama Coi (nome do livro, também), em San Francisco. Pronuncia-se "coá", rima com "moi" em francês, que significa "tranquilo".

Ele explica que não gosta de ler receitas. Acha um tédio. E quem não acha? Daniel as precede com uma boa explicação de como chegou a misturar aqueles ingredientes ou qualquer historinha que tenha a ver com o prato. Cada chatice de receita dá direito a uma boa história.

E as receitas são enormes, página inteira com letra miúda. Mas, juntando a história com a foto, você já é capaz de inventar alguma coisa caseira parecida com a simplicidade heroica e obsessiva dele. (Uma receita de morangos com creme dá a tal página inteira.)

Não gosta que seus cozinheiros usem receitas muito fixas e ordenadas que possam tolher sua inteligência e sua intuição, cozinhando maquinalmente, roboticamente sem saber o porquê do que estão fazendo.

Daniel não se considera um grande cozinheiro. Diz ele que toda sua técnica está em saber temperar. O manual de cozinha dele seria mais ou menos esse: o sal aumenta a acidez, diminui o doce e o amargo. A acidez diminui o sal, o doce e o amargo. O amargo equilibra o doce. E o doce abranda o salgado e o ácido e corta o amargo. Pronto, diz ele, é só isso que você precisa saber.

Me parece bastante. Ah, e ele prova. Prova tudo, o tempo todo. É nesse constante provar que ele desenvolve a "deliciosidade" de sua comida, que é o único objetivo a que se propõe.

Agora, todo esse tempero tem que combinar muuuuuito com o ingrediente principal. É aí que entra o equilíbrio. Ele dá o exemplo. Se você fizer uma festa e convidar muitas celebridades bonitas, ricas, interessantes, talentosas, não quer dizer que a festa será um sucesso. Os convidados vão ter que ter alguma coisa comum entre si para que possam conversar, rir, interagir. É o mesmo com a comida. Equilíbrio é o que importa. E não para por aí.

Deve haver um equilíbrio de quantidade entre os temperos e a coisa a ser temperada. Um molho pode ser bom, mas em excesso pode tirar a personalidade do ingrediente principal, escondê-lo. Tudo isso pode nos parecer óbvio, mas é o óbvio principal.

Além das obviedades, cheira as panelas, as facas, as peneiras, pois pode estragar uma comida que tenha vestígios de alguma outra ou pior ainda, de sabão.

Olhem aqui alguma coisa que dá para fazer como "finger food" em bufês. Três folhas verdes de capuchinha em prato com um pedacinho de melão grelhado, temperado com sal grosso e limão sobre cada uma. É só pegar a folha com a mão e dobrá-la à volta do melão e comer. Um taco de folha e melão. Uma gracinha para começar o jantar.

Vocês se lembram como a "nouvelle cuisine" era "witty", cheia de humor? Tudo fica mais gostoso com um piscar de olhos do cozinheiro mostrando que está brincando. Como a feijoadinha da Helena Rizzo, sua salada de batatas de domingo...


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